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III RAÇA, MEDICINA, DIREITO E ANTROPOLOGIA: NINA RODRIGUES.

“A raça negra, que havia argamassado com o seu suor os alicerces econômicos da nossa civilização e independência, não só dominava então, pelo número a brancos e índios, como já preparava, pela dissolução no mestiçamento, o predomínio que lhe havia de caber um dia na direção do futuro novo. Nenhum título mais valioso pode ela produzir ao direito de ser devidamente conhecida”.

(Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, p 15)

Raimundo Nina Rodrigues nasceu no dia 4 de dezembro de 1862, em Vargem Grande, no estado do Maranhão, filho de um coronel produtor de algodão. Oriundo de família abastada, Nina Rodrigues teve condições de se concentrar nos estudos, tendo ido estudar, em 1882, na Faculdade de Medicina da Bahia. Depois, transferiu-se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, retornando para a Bahia em 1886 mas seguindo novamente para o Rio de Janeiro em 1887, a fim de concluir aquele graduação.

Mais tarde, em 1889, ganhou um concurso para o cargo de Adjunto na Cadeira de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Bahia. Foi neste posto que construiu sua carreira, como médico e pesquisador.

Nina Rodrigues começou a desenvolver, na Faculdade de Medicina, as atividades de Medicina Legal na Bahia, procurando fazer um vínculo entre a Medicina, o Direito e as raças humanas, publicando em várias revistas artigos relacionados tanto à Medicina quanto a seus estudos sobre o povo brasileiro, tais como Os mestiços brasileiros, que foi publicado em 1890, na revista Gazeta no Brasil Médico, e posteriormente, no final de mesma década,

sobre o conflito de Canudos, tais com o título A loucura epidêmica de Canudos.

Continuando os seus estudos de Antropologia, Medicina e Direito, e vinculando estes ao conceito de Medicina Legal, Nina Rodrigues publicou livros como As raças

humanas e a responsabilidade penal no Brasil e O alienado no Direito Civil brasileiro,

onde expunha suas observações sobre o racismo, aplicando-as ao conhecimento histórico, antropológico e do Direito.

Ele também escreveu muitos artigos a respeito da influência das raças na sociedade brasileira. Neste sentido, vale a pena mencionar “O animismo fetichista dos negros

baianos”, publicado em 1896 na Revista Brasileira. Publicou outros artigos,

principalmente referentes ao estudo dos negros baianos, que se tornaram parte fundamental em seus estudos sobre a sociedade brasileira.

Nina Rodrigues teve, portanto, uma vida bastante dinâmica em seus estudos sobre Antropologia, Medicina e Direito, sendo considerado o fundador da Medicina Legal no Brasil, atrelando-os às teorias raciais de seu tempo, sendo, inclusive, um dos autores mais entusiastas na aplicação destas teorias na análise social.

Por outro lado, Nina Rodrigues foi um dos fundadores da Antropologia brasileira no que tange a seus estudos sobre o negro. A preocupação em conhecer o negro, sua cultura, sua língua e seus costumes e a forma como trabalhou esta questão, procurando respeitar e entender este povo, apesar de ainda acreditar que o negro fosse de uma raça inferior, produziu um acervo que serviria de base para os estudos futuros sobre o negro na sociedade brasileira.

É de opinião de Lamartine Lima que as opiniões de Nina acabaram sendo marcadas pela defesa da população menos favorecida. Como ele diz:

“As pulsões psicológicas de Nina, desde a infância dentro da família, fizeram sempre com que dedicasse especial atenção aos desfavorecidos – os escravizados, os indígenas, os desnutridos, os leprosos, os apenados, e por fim, os loucos...”307

Lamartine ainda mostra como Nina era dedicado aos estudos de Medicina Legal, não apenas no campo teórico, mas também no prático. Aliás, um dos pontos mais importantes assinalados sobre Nina se referia ao fato deste se dedicar a pesquisa empírica, produzindo assim vários estudos científicos, seja no Brasil quanto no exterior.

307Lima, Lamartine. “O centenário do falecimento de Nina Rodrigues e a atualidade da Escola da Bahia”. In

No que tange a questão racial, é interessante a menção sobre a amizade que Nina tinha com um negro e aluno seu, Juliano Moreira, pobre, mas que recebeu ajuda de Nina , tornando-se, mais tarde uma pessoa bastante respeitada, inclusive se tornando diretor do Hospício Nacional de Alienados e perceptor de vários outros pesquisadores.

Este é um ponto fundamental na compreensão da obra de Nina Rodrigues – a sua contradição entre as teorias raciais – que acreditava e defendia – para com a sua admiração sincera em relação aos negros baianos.

Assim Lamartine faz a seguinte observação:

“Todavia, como todos os cientistas de seu tempo, Nina Rodrigues recebia forçosamente a influência das teorias dominantes sobre o desnivelamento físico e intelectual das raças humanas e suas tendências criminosas de origens atávicas, que vinham como explicação para o menor desenvolvimento civilizacional dos povos dominados.”308

Assim apesar deste adendo, é interessante mencionar o trabalho e a preocupação de Nina Rodrigues com os estudos sobre o negro brasileiro, procurando identificar a sua origem, a sua cultura, religião, fazendo sob este aspecto, um trabalho antropológico inédito até então.

Esta observação de Lamartine é bastante pertinente ao nosso estudo sobre Nina Rodrigues, uma vez que ele, em seus estudos sobre o negro mostrava uma verdadeira admiração por este, procurando compreender a sua cultura, religião, história, brigando em defesa do negro contra a polícia, tornando-se amigo de pessoas ligadas ao candomblé, tais como babalorixás e sacerdotes e ajudando pessoas pobres (quando não indigentes) no Hospital Santa Isabel.

A contradição entre a realidade e as teorias raciais produziriam uma tensão inquietante em Nina Rodrigues, que caminhava para um resolução final onde ele pudesse se libertar destas teorias.

Esta resolução, de fato, jamais chegou a acontecer. Sua morte, em 1906, foi bastante prematura (morreu aos 44 anos, em uma viagem que estava realizando em Paris). Muitos de seus ex-alunos e amigos começaram a formar uma escola de seguidores que se auto- intitularam de “Escola Nina Rodrigues”, procurando preservar sua obra, tais como Artur

Ramos, Afrânio Peixoto, Estácio de Lima, entre outros, ou como bem explica Mariza Correa, se apropriar de parte da mesma, no sentido de se utilizar ou de preservar a imagem de Rodrigues.309

De fato como diz Correa, um dado fundamental foi o de que ao longo dos anos 30 a obra de Nina Rodrigues acabou sendo resgatada através de uma necessidade de interpretação frente à realidade nacional que se vinculava a interpretação do estado como um agente tutor da sociedade (tema este bastante presente na obra de Oliveira Vianna).

Assim, em outras palavras, o resgate da obra de Nina Rodrigues, aos quais os seus discípulos se diziam vinculados, se articulava não tanto nas próprias idéias ou ações de Nina, mas como estas poderiam ser adaptadas e funcionassem naquele contexto social.

Como ela diz:

“Discípulos que se o chamam como “guia” espiritual de suas iniciativas políticas mais gerais, vão demolindo sua obra no particular, ponto por ponto, negando a validade de suas interpretações ao longo de sua própria produção intelectual.”310

Apesar desta situação, o fato é que foi através desta escola que a obra de Nina Rodrigues se manteve preservada, principalmente pela publicação e reedição de seus trabalhos, muitos deles inéditos, como As coletividades anormais e a principal obra de Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, que o autor deixou concluída, mas apenas parcialmente impressa em 1906, e só foi realmente publicada em 1932, por Homero Pires, um dos discípulos da Escola Nina Rodrigues. Fora esta escola de seguidores a responsável pelo reaparecimento da obra de Nina Rodrigues.

1 – Epidemias coletivas: Canudos e Antônio Conselheiro.

Nina Rodrigues imaginava, tendo como base as teorias raciais de seu tempo, principalmente a Escola antropológica italiana de Direito (Cesare Lombroso, Enrico Ferri), a existência de epidemias coletivas relacionadas ao comportamento humano, que provocavam grandes conflitos.

A associação aqui da biologia com a análise social se tornava cada vez mais

309Correa, Mariza. As ilusões da liberdade, EDUSF, 1998 310I Idem, p. 14

importante na obra do autor. A biologia e a sua reprodução no comportamento humano era o principal foco de trabalho de Nina Rodrigues.

É com esta idéia em mente que ele partiu para analisar um dos temas principais relacionados a medicina (no caso a Psiquiatria) associada a grupos étnicos ou raciais, ou seja, o estudo da loucura coletiva, que seria uma reprodução de um comportamento de origem racial.

Primeiramente, ele procurou entender o que se conhecia ou tratava por loucura coletiva. Fez assim uma definição de multidão para poder compreender como se estruturava a loucura coletiva.

Neste sentido,

“a multidão é sobretudo, uma associação psicológica. É na aquisição de uma individualidade física própria, diferente da constituição mental de cada uma das partes componentes, que reside a característica de multidão. Nela desaparecem as diferenças, as desigualdades, as individualidades, para a formação de uma unidade psicológica onde domina o caráter inconstante e impulsivo dos primitivos.”311

Assim sendo, uma multidão agrega sentimentos e perspectivas em comum, o que facilitaria, portanto, a compreensão da multidão como um todo único, gerado por um sentimento comum e único, que transcende a personalidade, ou melhor, a identidade daquele grupo.

Em seguida, Rodrigues faz uma observação sobre a multidão, enfatizando a idéia de que esta pode desenvolver uma psicose ou uma loucura coletiva. Ele comenta que existem formas de se estabelecer epidemias e doenças coletivas e que estas podem se enraizar e se estabelecer em várias sociedades. A idéia geral de Rodrigues é a de que os negros e os mestiços, compondo um grupo ou “multidão” inferior, seria facilmente conduzido, através da sugestão a um grau de histeria coletiva.

Um primeiro exemplo é um tema polêmico, que foi a epidemia de Choreiforme em São Luiz do Maranhão, em 1877 (epidemia que provoca problemas musculares). Em princípio, Nina creditava na epidemia uma vinculação a algo maior que a questão da doença em si, uma vez que percebia que a reação à doença se relacionava de um

comportamento mais generalizado. Ele se preocupava mais em saber porque as pessoas tiveram um comportamento tão exasperado em se tratando de um problema que não via como tão sério.

De fato, Nina Rodrigues não procurou aqui definir as causas “étnicas” ou “raciais” para a revolta; a sua preocupação estava em identificar as razões político-culturais envolvidas na situação. Neste sentido, ele identificava como sendo possíveis causas do problema, alguns fenômenos sociais como a situação política em que vivia o país. Como ele diz:

“quer se interpretem os fatos no sentido de uma condenação e surda revolta de longa data preparada contra os erros e defeitos das instituições anteriores, quer no sentido de um indiferentismo e descrença necessariamente mórbidos, porque partiam de um povo ainda no berço, do ponto de vista médico em que me coloco tem eles um valor sensivelmente igual”.312

Neste sentido, Nina explora um ponto fundamental da mentalidade brasileira de então: a questão do final da escravidão. Para ele, esta instituição representou uma corrupção de valores sociais, produzindo problemas relacionados ao comportamento da sociedade, Assim a própria “loucura coletiva”, poderia ser causada, também como conseqüência desta instituição. Como ele diz:

“Ainda mais, ninguém poderá apartar da explicação de todos os acontecimentos da época, a perniciosa influência do escravismo que, depois de ter concorrido para corromper os costumes e entibiar os ânimos, devia trazer com a vitória do abolicionismo as suas desastradas conseqüências econômicas”313.

Neste ponto, Nina Rodrigues procurou estender o problema de situações reais que enfrentava o país, relacionando tais temores da população com outros oriundos das discussões políticas que pairavam.

É importante salientar que a psicologia no Brasil ainda não existia. Os primeiros estudos de psicologia, inclusive o primeiro laboratório de psicologia data de 1906, com a iniciativa de Manoel Bomfim (que além de historiador, educador, médico também era psicólogo) em criar criar o laboratório de psicologia no Rio de Janeiro, influência direta do

312Rodrigues, Nina. As coletividades anormais, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, p. 44 313Idem, p. 44

curso que fez na França em 1903, com Alfred Binet. Porém haviam estudos de psicologia sendo realizados, tendo como maior foco o imaginário higiênico, no qual procurava-se relacionar relacionar o comportamento com posturas esperadas ou determinadas, em especial a da mulher:

“Temas relacionadas a parto, aborto, puberdade, casamento, puerpério, sexo, sífilis, gravidez, continham em sua maioria os preceitos higiênicos como pano de fundo, as posturas comportamentos e sentimentos esperados para uma mulher cristã brasileira do fim do século.”314

Voltando a Nina Rodrigues, é importante dizer também que ele procurou compreender a vida religiosa do povo brasileiro, marcada pelo sincretismo. Rodrigues, aqui, já esboçava um contexto bastante complexo, que lhe daria depois subsídios para a compreensão do negro brasileiro: a idéia da miscigenação atrelada ao desenvolvimento das sociedades.

Para Nina, a questão era de que as raças humanas, como resultado da sua evolução social, representavam um grau de evolução biológica:

“Povo que conta como fatores componentes raças em grau diversos de civilização por que se achavam ao tempo de fusão em períodos muito desiguais da evolução sociológica. Daí resultou que no Brasil o monoteísmo europeu teve de entrar em conflito com o fetichismo africano e a astrolatria do aborígene”.315

E continuando, é interessante a percepção que Nina tinha da obra de Sílvio Romero sobre o povo negro. Nesta percepção, percebia-se a aproximação entre Nina Rodrigues (ou seja a escola da Bahia), com a Escola do Recife (onde Sílvio foi um dos maiores representantes):

“Por isso diz com razão o Dr. Sylvio Romero que ainda na psicologia estamos longe de uniformidade. Para mostrar como entre nós a irreligião acotovela-se a cada passo com o fanatismo fetichista, não precisa mais do que recordar as práticas supersticiosas que mesmo nesta cidade levam com intensidade nas classes inferiores e a influência mais ou menos direta nos costumes do nosso

314Rocha, Nadia M.D. Lepokson, Bianca B., Brandão, Maria M., “A psicologia no tempo de Nina Rodrigues”, in A Gazeta Médica da Bahia, op.cit, p. 45

povo, de usanças africanas, ainda mal dissimuladas na diferença do meio”316.

Nina Rodrigues já esboçava as linhas gerais, que depois lhe serviriam de base teórica para análise. A miscigenação biológica representava para ele não o mestiçamento cultural, tão valorizado por Romero, mas sim a formação de um elemento instável, carregado de distúrbios de toda ordem, responsável pela desagregação daquela sociedade.

O autor salienta que existiram três fatores responsáveis pela epidemia de loucura coletiva. O primeiro seria o clima abrasador, que “prodigalisa às populações do norte, a

indolência e a anemia”; em segundo lugar, a repercussão das revoluções político-sociais,

geradas pela descrença e pela decadência; como um terceiro fator, as condições sanitárias das duas cidades onde a epidemia atingiu as maiores proporções:

“O contágio por imitação de um sintoma nervoso estranho, que as proporções crescentes da epidemia ainda tornaram mais insólito, operando num meio que circunstâncias múltiplas, meteorológicas, étnicas, político-sociais e patológicas, tinham grandemente preparado,tais foram em suma as causas da epidemia choreiforme que percorreu nestes últimos quinze anos o norte do Brasil e nele reina ainda hoje sob forma de uma epidemia muito benigna” 317.

O médico relaciona como causa da epidemia não apenas fatores biológicos (tais como a raça), mas o clima e as questões sociais. Fatores sócio-econômicos, auxiliados pelo meio e pela raça, poderiam levar a distúrbios sociais porque o mestiço seria um desequilibrado por natureza e assim reagiria de forma violenta em razão da sua instabilidade.

O caso mais complexo analisado por Nina Rodrigues, de maiores proporções, foi a já mencionada anteriormente, Guerra de Canudos. A repercussão dessa guerra influenciou todos os intelectuais de sua geração, tendo uma importância grande na obra e pensamento de Nina Rodrigues e, de forma crucial, em Euclides da Cunha.

O conflito chamou a atenção de todo o Brasil e este também era o caso de Nina Rodrigues. Ele estudou a questão de Canudos tendo como premissa básica que Antônio Conselheiro era mentalmente um louco e que esta loucura levou à guerra e destruição de Canudos. Assim sendo, a questão de Canudos poderia ser resumida como mais um exemplo de loucura coletiva.

316Idem, p. 45 317Idem, p. 49

Nina Rodrigues via os sertanejos como bárbaros, recebendo as influências negativas das raças que lhe haviam dado origem – a negra e a índia. E como mestiços, possuíam um desequilíbrio mental, que os fazia serem atraídos pela violência.

Partindo desse ponto, ele afirmava que na fase sociológica que atravessam as populações nômades e guerreiras dos sertões, bem como na crise social e religiosa que enfrentavam é que se deviam encontrar as causas e razões da situação de Canudos. Rodrigues relaciona a fé desta população a um estágio evolutivo onde a preocupação com a salvação da alma alimentava toda sorte de privações e sacrifícios.

Depois, o autor faz um diagnóstico sobre Antônio Conselheiro. Segundo este diagnóstico, fica evidente que Antônio Conselheiro teve problemas sérios com a esposa e a sogra, o que teria alimentado sua neurose e inquietação. Em seguida, a loucura passou para a fase do delírio, com o personagem assumindo o nome de Conselheiro (o seu nome original era Antônio Maciel) e penetrando nos sertões da Bahia em 1876,

“inicia a sua carreira de missionário e propagandista da fé era o ativo apenas

de onde a loucura religiosa o havia de elevar ao Bom Jesus Conselheiro da fase megalomaníaca da sua psicose.”318

O médico e escritor, indo mais além, mostra como a psicose de Conselheiro foi evoluindo para uma situação de luta contra o luxo, a maçonaria, e procurou normalizar a situação da população ao estimulá-la a sair das suas ocupações habituais para uma vida errante e de comunismo em que os mais abastados cediam seus recursos em favor dos menos protegidos da fortuna. Relata que Antônio Conselheiro foi enviado preso ao Ceará, pela suspeita de ter cometido um crime. É neste período que ele teria desenvolvido uma personalidade de alienado, procurando se aproximar de Cristo. Mesmo depois de solto, ele expandiu ainda mais sua “loucura”, encarnando um enviado de Deus.

Nina Rodrigues relacionava a proclamação da República à terceira fase dessa psicose, uma vez que com esta mudava-se o regime político e a separação entre o Estado e a Igreja. Segundo o estudioso, Conselheiro se declarou monarquista e via o governo republicano como um adversário a combater.

O autor afirmava que o poder e a influência de Antônio Conselheiro cresceu ainda mais, derivados da repulsa à ordem republicana, da separação entre a Igreja e o Estado e da

fama derramada pelo sertão de que ele era realizador de milagres, enfatizando que Antônio Conselheiro vivia numa espécie de delírio, causado por sua crença em ser o enviado de Deus.

Nina Rodrigues escreveu sobre a guerra no momento em que ainda estava sendo travada. Ele via a questão de Canudos como uma amostra da loucura vinculada a uma população instável – como resultante da mistura racial. A guerra teria sido um resultado deste conflito. O escritor fez um comentário no qual Antônio Conselheiro teria se organizado de forma a resistir a incursões militares, fazendo a luta ganhar maiores proporções:

“Hoje o exército brasileiro em peso bate-se há já três meses em Canudos, os hospitais regurgitam de feridos, é elevado o número de oficiais mortos e não se sabe ao certo quando terminará a luta”.319

As expedições militares fracassaram em destruir Canudos em razão da determinação, do sertanejo tendo esta relacionada com a loucura de Antônio Conselheiro:

“Alguma coisa mais do que a simples loucura de um homem era necessária para este resultado e essa alguma coisa é a psicologia da época e do meio em que loucura de Antônio Conselheiro achou combustível para atear o incêndio de uma verdadeira epidemia vesânica”320.

O autor procurava mostrar a questão de Canudos não apenas como um fruto da loucura de Antônio Conselheiro, mas também como o resultado de uma situação social que já era explosiva.

Nina Rodrigues afirmava a existência de três elementos básicos que regeriam as leis sobre a manifestação da loucura: o elemento ativo que acredita no delírio e o impõe a multidão, que se torna o elemento passivo do contágio; a convivência prolongada dos

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