• Nenhum resultado encontrado

Utilizando as palavras de Silvia Laurentiz, “imagem sempre foi um termo instigante e elástico o suficiente para ora ficar amplo demais, ora ficar atrelado a legados reducionistas” (LAURENTIZ, 2004, p.1). Assim, na tentativa de definir melhor esse conceito para o trabalho, menciono dois complementares:

“O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese. Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais” (SANTAELLA, 2013, p. 15).

“Imagens são superfícies: assim como um objeto que reflete a luz, as imagens refletem as lembranças, pensamentos e emoções de quem as observa. Todas as imagens são polêmicas - elas podem carregar muitos significados, e nunca devemos reduzir isso a um significado supostamente “correto”, ou a um significado “pretendido” pelo escultor. Pois aprendemos principalmente com a diversidade dos sentimentos, pensamentos e associações presentes no grupo” (BOAL, 2015, p. 175).

A primeira vem dos estudos da semiótica e a segunda do teatro. Ambos os trechos discutem sobre a reverberação da imagem nas mentes de quem as observa. Ou seja, um observador é necessário para que a imagem se faça imagem. Ela ”só existe para ser vista” (AUMONT, 2012, p. 205). Mas a visão se modifica, quase como uma mutação, ou talvez uma patologia, de acordo com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação.

Nos últimos cem anos, a imagem passou pelo jornal impresso, pela fotografia analógica, pelo cinema, pela televisão e hoje está nas palmas de nossas mãos: em nossos celulares. A multiplicação acelerada dos meios de comunicação, junto de seu desenvolvimento complexo e seu alcance planetário, permitiram que a imagem atingisse proporções gigantescas (SANTAELLA, 2001).

Segundo a 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) e divulgada em abril de 2019, são 230 milhões de celulares ativos no Brasil. No ano anterior, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou um total de 208,5 milhões de habitantes no Brasil. É uma diferença de quase 20 milhões entre um e outro que explicitam a intensa presença dessa tecnologia no país.

Além disso, em 2017 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad C) divulgou que 116 milhões de brasileiros possuem acesso à internet. Esse dado mostra que mais da metade da população do país usufrui desse sistema global de aparelhos. A Organização das Nações Unidas (ONU) informou em 2018 que cerca de 3,9 bilhões de pessoas ao redor do mundo têm acesso à internet - isso também significa mais da metade da população mundial.

A internet já faz parte de nossas vidas. A juventude que nasceu a partir dos anos 2000 cresceu com o desenvolvimento de tecnologias telecomunicações e digitais, como o Facebook, que oficializou suas operações em massa a partir de 2006 e hoje possui cerca de 130 milhões de usuários, segundo a mostra realizada pela

Statista em 2019.

Nas redes sociais, o usuário pode acompanhar as publicações que lhe interessam ao “seguir” ou “curtir” páginas de informações ou outros usuários. Ou seja, ele decide o que quer acompanhar, o que quer consumir. Os meios de comunicação se atentaram a isso e criaram suas próprias estratégias de venda e algoritmização: vender o conteúdo certo para a pessoa certa.

“Na multiplicação crescente dos canais de TV a cabo, a cultura do disponível começou a contaminar a cultura de massas com o vírus da personalização comunicativa do qual esta jamais se livraria” (SANTAELLA, 2001, p. 3).

O consumidor se tornou o produtor de seu próprio conteúdo.

“Hoje, os consumidores aprendem com rapidez espantosa a utilizar as novidades tecnológicas, assumindo um controle sobre os fluxos das mídias em processos dialógicos heterotópicos com outros consumidores, gerando um “encadeamento midiático” que percorre todo o espectro das mídias, partindo das grandes mídias massivas, como a televisão, por exemplo, até a microfísica dos blogs, atualizados em equipamentos sempre à mão” (SANTAELLA, 2014, p. 6).

Mas que controle é esse exercido pelo consumidor?

Minha prima de 8 anos me mostra seu canal no Youtube. “Todo mundo da minha sala tem um”. No vídeo, ela olha diretamente para a câmera, como um sujeito. Eu sou o sujeito? Ela discursa para sua audiência sobre o que o canal vai falar. Futuro. Nada sobre agora, apenas sobre o que virá. Mas ela está feliz.

Nessa situação com minha prima, fiquei espantado com a necessidade de se criar um canal e um vídeo falando sobre ele, mas que não dava continuidade no raciocínio nem na produção. Ter é o mais importante.

Além disso, todo mundo está feliz nas redes sociais. A galeria do Instagram está repleta de felicidade e bem-estar. Han (2019) escreve sobre o que chama de Síndrome de Paris, que assola principalmente japoneses que visitam a cidade. “Os afligidos sofrem de alucinação, desrealização, despersonalização, medo, assim como sintomas psicossomáticos como tontura, suor ou taquicardia” (idem, p. 54-55). “A mídia digital realiza uma inversão icônica, que faz com que as imagens pareçam mais vivas, mais bonitas e melhores do que a realidade deficiente percebida” (idem, p. 53). Percebi que talvez a juventude deva ter consciência dessa inversão, mas a produção e o consumo subsequentes de imagens não dá o tempo necessário para se pensar sobre. Fazemos muito e lemos pouco.

“Hoje produzimos, com a ajuda da mídia digital, imagens em quantidades gigantescas. Também essa produção massiva de imagens pode ser interpretada como uma reação de proteção e fuga. Hoje a mania de otimização abrange também a produção de imagens. Em vista da realidade sentida como incompleta, nos refugiamos nas imagens” (HAN, 2019, p. 56- 57).

Essa mania citada no trecho desprepara nosso olhar. As imagens invadem nossos olhos. Somos obrigados a visualizar propagandas no Youtube por pelo menos 5 segundos: esse é o tempo necessário para capturar nossa atenção. A imagem deixa de ser vista para ser consumida. Sua semântica e suas poéticas especiais são destruídas. Imagens são mais do que meras reproduções do real, mas são “domesticadas ao se tornarem consumíveis” (HAN, 2019).

Seguindo suas definições semióticas e teatrais, a imagem perde seu caráter imaterial devido à falta de sua contemplação. Rolamos nosso feed de notícias impreterivelmente. Das quase 650 horas mensais que o brasileiro utiliza navegando em redes sociais, segundo a Agência Interativa e a Infobase em 2015, quantas imagens são realmente observadas?

“Um tal panorama parece exigir uma abertura do olhar e dos horizontes de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, estão envolvidos com a comunicação, quer na teoria e pesquisa quer nas suas diversas formas de prática, desde as práticas pedagógicas até as práticas profissionais nos mais diferenciados tipos de mídia” (SANTAELLA, 2001, p. 6).

Na tentativa de colocar uma lupa sobre a leitura de imagens com os alunos, apontei para o aprofundamento de sua criação no mundo offline: com seus próprios corpos, provoquei-os na capacidade que têm de transformar uma imagem, mesmo que ela seja cotidiana, em outra. Uma mesma imagem pode significar mil pensamentos. “Felizmente, nem os nomes, nem as rotas fazem falta aos jovens, pois é deles o privilégio de compreender pela vivência as emergências do presente” (SANTAELLA, 2014).

Documentos relacionados