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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO EM LICENCIATURA EM ARTES CÊNICAS

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ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO EM LICENCIATURA EM ARTES CÊNICAS

CHRISTIAN ALEXSANDER MARTINS

JOGO, CORPO E IMAGEM

Reflexões sobre a articulação entre jogos de tabuleiro e jogos teatrais

SÃO PAULO 2019

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CHRISTIAN ALEXSANDER MARTINS

JOGO, CORPO E IMAGEM

Reflexões sobre a articulação entre jogos de tabuleiro e jogos teatrais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de licenciado em Educação Artística com habilitação plena em Artes Cênicas.

Orientação: Profa. Dra. Maria Lúcia de Souza Barros Pupo Co-orientação: Profa. Dra. Suzana Schmidt Viganó

São Paulo 2019

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AGRADECIMENTOS

Agradeço os estudantes da Escola Estadual Paulo Egydio de Oliveira Carvalho Senador: Daniela, Gustavo, Hyago, Igor, Kailane, Joana, Lia e Nataly; e aos do Colégio Bandeirantes: Esther, Guilherme, Gustavo. Sem vocês, este trabalho não existiria.

Agradeço a professora Maria Lúcia Pupo. Obrigado por lutar pela qualidade do curso de Licenciatura em Artes Cênicas na USP. Obrigado por cuidar de nossas análises.

Agradeço a professora Suzana Viganó. Obrigado pelas provocações por meio das leituras teóricas.

Agradeço todos os formandos Bianca Nuche, Daniel Barros, Luana Jóia, Luiza Elias, Mariana Brum, Mariana Martins, Ronaldo Fogazza, Thiago Cordero. Obrigado pela sensibilidade quanto às análises de si e do outro.

Agradeço as professoras Adriana Oliveira e Milena Bushaswky da Escola de Aplicação. É inspirador estar ao de vocês em sala de aula.

Agradeço a Equipe de Artes do Colégio Sidarta. Principalmente Denise Schnider, Fernanda Mattos e Rita Galante. Vocês me fazem acreditar na capacidade transformadora de uma equipe de artes!

Agradeço a Equipe de Artes do Colégio Bandeirantes. Paula, obrigado por me ensinar a ter ouvidos sensíveis aos estudantes. Fabrício, pela sinceridade, parceria e fragilidade. Pedro, por engatar nas empreitadas fervorosamente. George, pela calma. Lexy, por permitir que tudo aconteça com a melhor estrutura possível. Mariane, por confiar em mim.

Agradeço a minha quase-família: Douglas Vendramini, Vinícius Bogas e Nara Zocher. Viver com vocês é uma provocação diária!

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Agradeço a minha família Carlos Martins, Giovanna Martins, Simone Barbosa da Silva, Paulo da Silva, Izildinha da Silva e Nelson Martins. Vocês acreditam mais em mim do que eu mesmo.

Agradeço a Anna Talebi e Mônica Zocher. Obrigado pelo apoio e pela organização de meus pensamentos e palavras.

Agradeço os professores que atravessaram minha formação em Licenciatura em Artes Cênicas: Alice Kiyomi Yagyu, Ana Julia Marko, Andréia Vieira Abdelnur Camargo, Daiana Félix, Eduardo Tessari Coutinho, Elizabeth Azevedo, Erika Moura, Flavio Desgranges, Felisberto Sabino da Costa, Isabel Marques, Joana Barbosa, José Batista Dal Farra Martins, Luiz Fernando Ramos, Marcelo Denny, Marcelo Soler, Marcos Bulhões, Maria Helena Bastos , Maria Thais Lima Santos, Sayonara Sousa Pereira, Sérgio de Carvalho Santos, Taciana Padilha.

Agradeço os funcionários do Departamento de Artes Cênicas: Alê Vaz Machado, Eloisa Salles, Idalvo Silva dos Santos (Fernandes), Jonas de Moraes, Juliano Tramujas, Luis Gustavo Viggiano, Marco Antonio Del Sole Vieira, Marco Felipe de Oliveira, Maria Josenilda Fernandes, Newton Ruiz, Raimunda Lopes e Zito Rodrigues.

Agradeço os Olímpicos de Santa Isabel (OSI) e o Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (ISMART). Obrigado por investirem em seus estudantes. Oportunidades fazem toda a diferença na vida de alguém.

Agradeço todas as pessoas que já jogaram alguma partida de um jogo comigo. Vocês são o substrato da minha vida com os jogos e a educação.

Agradeço especialmente minha avó Helena. Obrigado pela paciência e pela escuta. Obrigado pela sua história. Obrigado por me ajudar a me manter em pé, a caminhar.

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RESUMO

O presente trabalho procura refletir sobre as relações entre jogos de tabuleiro e jogos teatrais, com o objetivo de compreender a potencialidade do jogo de tabuleiro dentro de processos pedagógicos de criação de cena. Partindo de discussões sobre uma juventude que cresceu com a comunicação digital, são propostos exercícios sobre o tabuleiro como introdução aos jogos teatrais e sobre a criação de um jogo híbrido, pelos alunos, entre essas duas espécies.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE DESENHOS

Figura 1 – Universo . . . 12

Figura 7 – Registros das palavras abstratas . . . 51

Figura 8 – Cinema . . . 54

Figuras 9 – Torre . . . 55

Figura 10 – Ambiente (Boom!) . . . 55

Figura 11 – Prisão . . . 57

Figura 12 – Portal . . . 57

Figura 13 – Garfo . . . 58

Figura 14 – Fogo . . . 59

Figura 15 – Labirinto . . . 59

Figura 16 – Ocupação espacial I . . . 69

Figura 17 – Ocupação espacial II . . . 71

Figura 18 – Ocupação espacial III . . . 72

Figura 19 – Estudo de posições no espaço . . . 73

Figura 20 – Estudo sobre planos no espaço . . . 73

Figuras 21 – Ocupação espacial IV . . . 74

Figuras 22 – Ocupação espacial V . . . 75

Figura 23 – Ocupação espacial VI . . . 77

Figura 24 – Estudo da ocupação espacial VI . . . 77

Figura 25 – Ocupação espacial VII . . . 78

Figura 26 – Estudo da ocupação espacial VII . . . 78

Figura 27 – Ocupação espacial VIII . . . 79

Figura 28 – Estudo da ocupação espacial VIII . . . 79

Figura 30 – Criação de imagem I . . . 83

Figura 31 – Criação de imagem II . . . 84

Figura 32 – Criação de imagem III . . . 85

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LISTA DE GRÁFICOS

Figura 2 – Gráfico pelo Inep (2018) . . . 14

LISTA DE FOTOGRAFIAS DAS PEÇAS DOS JOGOS

Figura 3 – Conjunto de peças montáveis coloridas . . . . 34 Figura 4 – Esculturas de peças coloridas montáveis . . . . 39

Figura 5 – Mapa com peças coloridas montáveis . . . . 41

Figura 6 – Cartas do Abstratus . . . 49

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ECA – Escola de Comunicações e Artes ETEC – Escola Técnica

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio FGV-SP – Fundação Getúlio Vargas São Paulo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP – Instituto de Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LARP – Live-Action Roleplay.

MASP – Museu de Arte de São Paulo MEC – Ministério da Educação

ONU – Organização das Nações Unidas

PNAC C – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua

USP – Universidade de São Paulo RPG – Role Playing Game

STEM – Science, Technology, Engineering and Mathematics

STEAM – Science, Technology, Engeneering, Arts and Mathematics UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO . . . 9

2 ESCOLAS . . . . 13

2.1 COLÉGIO BANDEIRANTES . . . 15

2.2 ESCOLA ESTADUAL PAULO EGYDIO DE OLIVEIRA CARVALHO SENADOR . . . 16

2.3 A ESCOLA PRIVADA É MELHOR QUE A ESCOLA PÚBLICA? . . 17

3 JOGO . . . 21

3.1 O JOGO EM SI . . . 21

3.2 A CRIAÇÃO: UM HÍBRIDO ENTRE JOGO DE TABULEIRO E JOGO TEATRAL . . . 25

3.3 O JOGO DE TABULEIRO COMO MATERIAL POÉTICO . . . 29

3.4 JOGO DE TABULEIRO COMO OBRA DE ARTE, OBJETO DA CRIAÇÃO . . . 32

3.5 MANUAL DO JOGO CRIADO PELOS ALUNOS DO COLÉGIO BANDEIRANTES: SEM TÍTULO . . . 39

3.6 MANUAL DO JOGO CRIADO PELOS ALUNOS DA ESCOLA ESTADUAL PAULO EGYDIO: O MESTRE CONSTRUIU . . 41

4 CORPO . . . 43

4.1 O CORPO E O JOGO . . . 43

4.2 O CORPO TECNOLÓGICO . . . 45

4.3 O CORPO E A PEÇA DE TABULEIRO . . . 49

4.4 O CORPO NOS JOGOS CRIADOS PELOS ALUNOS . . . 60

5 IMAGEM . . . . 63

5.1 A IMAGEM E O JOGO . . . 63

5.2 A IMAGEM E A COMUNICAÇÃO DIGITAL . . . 64

5.3 A LEITURA DA IMAGEM . . . 68

5.4 A IMAGEM NOS JOGOS CRIADOS PELOS ALUNOS . . . 87

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . 89

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1. INTRODUÇÃO

Como a criação de um jogo de tabuleiro, pelos estudantes, articula elementos teatrais e imagéticos?

Durante o ano de 2018, desenvolvi com estudantes da ETEC Parque da Juventude um processo de criação de um jogo de tabuleiro que deveria se relacionar com o tema “justiça”, proposto pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Todos eram jovens de aproximadamente 15 anos estudantes do curso técnico em informática da escola. Criaram um jogo com a seguinte introdução, retirada das anotações do projeto:

Em 3020, a espécie humana já colonizou todos os planetas do Sistema Solar. Está em jogo a construção de uma nova "Nave Mãe" que poderá levar a humanidade a uma nova etapa, ampliada, de colonização cósmica. Porém mesmo com tantos avanços tecnológicos, ainda são mantidas a violência, o ódio, a desinformação, os dispositivos de controle absoluto, as dependências químicas e comportamentais etc. É nesse momento que se manifestam-se os Purposyans, entidades que regem a organização do universo, com a mensagem de que se a espécie humana não encarar esses problemas, serão impedidos de continuar seu desenvolvimento: tudo no Sistema Solar voltará a ser pó de estrela para que uma nova vida inteligente nasça e se perpetue.

Fiquei surpreso sobre como foi possível criar esse jogo que sequer menciona a palavra “justiça” em seu texto: ela já está digerida e articulada dentro da narrativa e das regras do jogo. Nele, os jogadores devem se dividir em equipes interplanetárias, cada qual com seu recurso específico, e criar iniciativas ou propostas de resolução dos problemas mencionados, antes que o tempo se esgote. São os jogadores, juntos, contra o tabuleiro e seu desafio: o tempo. Nesse processo eu fui o orientador do design do jogo, a pessoa responsável por provocá-los, por elucidar suas ideias e por duvidar de suas certezas.

Trabalhamos com jogos no ensino formal? Como? Será que a criação de um jogo tem uma capacidade intrínseca de levar os estudantes a um estado específico de imaginação e criatividade?

Percebi, então, a necessidade de explorar melhor esse conceito: jogo. Como na UNODC, preferi começar com um tema: a tecnologia e suas influências na maneira como agimos, pensamos e nos relacionamos.

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Um menino novo passa facilmente horas na frente de um computador, está acostumado à luz do celular no rosto. Quase o tempo todo online em redes sociais ou em navegadores buscando curiosidades sobre receitas e o universo paralelo. Pega o horário de pico do metrô todo dia. Seu celular é mais rápido e seguro na sua mão que na sua mochila. O fone de ouvido o permite respirar no meio do caos metropolitano.

Esse é um relato pessoal, mas não sou o único. Em uma pesquisa feita pelo Statista, portal online alemão de estatísticas internacionais, em 2016, mostra que os brasileiros ficam aproximadamente 4 horas e 48 minutos por dia utilizando o celular - a média mais alta do mundo.

Em 2019, uma parceria entre a Hootsuite, plataforma de dados sobre mídias sociais, e a agência estadunidense We Are Social resultou numa pesquisa que mostrou o Brasil como o 2º país que passa mais tempo na internet. Os relatórios foram levantados a partir de uma série de plataformas de estatística, como GlobalWebIndex, GSMA Intelligence, Statista, Locowise, App Annie e SimilarWeb.

Não é possível que uma tecnologia com esse alcance não afete nosso modo de se relacionar com o mundo. Lembrando de Chaplin no filme Tempos Modernos (1936), a industrialização acelerada mantinha-o com as ações de movimento que realizava na indústria: a máquina e o corpo estão em conflito.

Hoje, esse conflito se mantém? Como?

Não é novidade que vivemos em uma sociedade da imagem. Talvez a novidade seja a maneira como ela se manteve presente em nossas vidas por meio da tecnologia. Ao alcance da palma da mão, estamos conectados ao outro lado do mundo por redes sociais repletas de imagens. Suas galerias instantâneas rendem horas de nossos dedos rolando os feeds1. Produzimos e consumimos imagens em uma escala gigantesca. Descuidamos nosso olhar. Uma geração cresceu com esse boom digital: a juventude do milênio, aqueles que nasceram nos anos 2000. É com eles que este trabalho é realizado.

Observando o avanço do mundo virtual sobre nossas vidas, atentei-me à necessidade de um estudo offline: jogos que necessitam da presença dos jogadores, o famoso “aqui e agora”. Assim, escolhi duas categorias de jogos para trabalhar: os jogos de tabuleiro e os jogos teatrais.

1o feed é o formato de texto veiculado nas páginas das redes sociais. Chamamos "feed de

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São espécies distintas de uma mesma categoria, o jogo. Em ambos, para que a experiência aconteça, ela requer que estejam todos em volta de uma mesa ou ocupando um espaço cênico, já que as relações entre os jogadores acontecem nesse mesmo espaço-tempo.

Atendendo à temática sobre tecnologia proposta, jogos foram selecionados para inspirar e compor a estrutura do trabalho. Dixit e Abstratus - Esculpindo Palavras são tabuleiros que exploram a construção de uma imagem e suas relações de sentido. Em cruzamento, o conjunto de modelagem corporal (BOAL, 2015), técnicas de Teatro-Imagem (idem) e a sequência de ocupações espaciais (RYNGAERT, 2009), que investigam as capacidades dos corpos de criar uma imagem e as faculdades do olhar de transformar um ambiente, foram as inspirações teatrais para os exercícios criados.

Assim, alunos do 8º ano do Ensino Fundamental (aproximadamente 13 anos de idade) de duas instituições, uma pública e uma privada, a Escola Estadual Paulo Egydio de Oliveira Carvalho Senador e o Colégio Bandeirantes, tiveram o objetivo de criar um jogo de tabuleiro que pudesse articular elementos teatrais e imagéticos a partir de sua mecânica.

Durante os dias de oficina, os alunos tiveram aproximadamente 10 horas para esmiuçar: um paralelo entre Abstratus e as modelagens corporais; um paralelo entre Dixit e as ocupações de espaço; a construção de um jogo híbrido.

No capítulo “ESCOLAS”, o contexto de cada uma das instituições deste trabalho é brevemente pontuado, relacionando-o com a presença da tecnologia disponível aos alunos.

No capítulo “JOGO”, são apresentados os conceitos de jogo friccionando o teatro e o tabuleiro. Quais são suas diferenças e suas semelhanças? Como é possível criar um híbrido entre ambos? O capítulo desenvolve como o jogo foi utilizado durante as oficinas deste trabalho: o jogo de tabuleiro como material de comparação e inspiração para o jogo teatral; e a criação de um jogo de tabuleiro que cria cenas em sua mecânica. Além disso, encontram-se no capítulo os manuais dos jogos criados pelos alunos.

No capítulo “CORPO”, é explicitada uma possibilidade detalhada da relação entre teatro e tabuleiro a partir do corpo como material de criação. Que experiências atravessam o corpo da juventude do milênio, que cresce em mesma data que as atualizações de redes sociais e navegadores? O que a experiência do corpo em cena

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pode propor frente à virtualização do mundo? O jogo Abstratus é utilizado junto das modelagens corporais, na tentativa de estabelecer relações entre os materiais de jogo.

No capítulo “IMAGEM”, outra possibilidade da relação entre teatro e tabuleiro é investigada a partir da análise de imagens e a transformação de espaços cotidianos. Articula-se o conceito de imagem com o desenvolvimento da comunicação digital. De que maneira a produção e o consumo de imagens modificam nossa maneira de observá-las? O jogo Dixit é planejado com os exercícios de ocupação de espaço, precisando como a leitura de imagens pode afetar sua criação.

Durante o texto, é possível acompanhar um conjunto de anotações de caráter poético que registram os alunos em imagens durante a prática dos jogos.

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2. ESCOLAS

Foram duas as instituições que abraçaram este projeto: o Colégio Bandeirantes, uma escola privada localizada na Vila Mariana, e a Escola Estadual Paulo Egydio de Oliveira Carvalho Senador, localizada na Vila Maria.

A escolha das diferentes realidades socioeconômicas foi pela vontade de observar como os estudantes constroem as palavras e os espaços, de acordo com um imaginário geograficamente localizado. Como a imaginação opera nessas duas escolas com realidades quase opostas de infraestrutura?

Além disso, essa é uma juventude que produz e consome imagens o tempo todo por meio das redes sociais. Devido à necessidade de me atentar ao contato com a tecnologia, foi necessário perceber a realidade do acesso aos aparelhos digitais e à internet em cada instituição. São duas situações bastante diferentes, mas com uma aquisição comum: todos os alunos tinham um celular, não ter era uma exceção.

Não pude, porém, prever tudo. O que me surpreendeu, neste processo de analisar o contexto, foi a materialidade do orçamento da educação. Fui levado pelas intempéries a observar questões mais estruturais de cada instituição, como a organização de salas, a utilização dos espaços, a limpeza e a divulgação da oficina para os alunos.

Vou tomar emprestado um gráfico sobre a infraestrutura de escolas públicas e particulares, o Censo Escolar de 2018, pelo Inep (Instituto de Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Durante a leitura dos próximos textos deste capítulo, que perpassam pela história das instituições e pela comparação de contextos, atentemo-nos a dois aspectos desse gráfico: à baixa média de estruturas que envolvem construir ambientes além da sala de aula para os alunos e à disparidade do acesso à internet.

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Figura 2 – Gráfico pelo Inep (2018).

Fonte: Censo Escolar de 2018, pelo Inep (Instituto de Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

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2.1: COLÉGIO BANDEIRANTES

Quando se conta uma história, quem conta sempre a vê de uma determinada maneira, porque consciente ou inconscientemente faz essa escolha. Aqui, decidi olhar para o colégio pela ótica da tecnologia.

“Falar da história do Bandeirantes envolve a grande metamorfose de São Paulo a partir dos anos 1930, quando o então prefeito Prestes Maia rasgava a cidade com a construção de modernas avenidas como a 9 de Julho, a Duque de Caxias, a Ipiranga e a São Luís. Quando o colégio foi fundado, em 1944, pelo engenheiro Antônio de Carvalho Aguiar, a USP era uma criança de 10 anos de idade, o Hospital das Clínicas tinha apenas quatro anos de existência e o Museu de Arte de São Paulo (Masp) só nasceria três anos depois” (CANUTO, 2019, p. 131).

O colégio foi construído ao lado do ideal da década de 40, “São Paulo não pode parar” - e até hoje não parou, nem a instituição, nem a cidade. São 75 anos de pioneirismo tecnológico, envolvendo a construção de laboratórios de Biologia, Física e Química, a incorporação de computadores e internet na escola para pais e alunos e a ampliação do uso de dispositivos digitais em favor da educação.

Sua fundação se relaciona com a necessidade de “formar profissionais requeridos pela expansão industrial e atender à demanda de uma classe média emergente e de imigrantes que aqui aportavam e viam na educação o passaporte para a ascensão social de seus filhos” (CANUTO, 2019).

Explicita-se, então, o que podemos hoje chamar de público-alvo de uma empresa, ou seja, a identificação de um grupo de pessoas à qual se dirige a palavra e a organização da instituição - a classe média emergente e imigrante. Fato importante a ser notado, pois permitiu que a escola trilhasse caminhos da inovação tecnológica até os dias presentes.

Não podemos ignorar os avanços que as tecnologias vem tomando nas últimas décadas. De um século para cá, só pensando em meios de comunicação, passamos do jornal e da revista no começo do século XX, para a fotografia e o cinema próximos ao período da Primeira Guerra, depois para a TV e o rádio da Segunda Guerra, seguindo para a internet e os computadores da Guerra Fria e, por fim, aos aplicativos e aos softwares com amplitude planetária e quase imediata contemporâneos (SANTAELLA, 2001, p. 1).

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O colégio pôde acompanhar esse acelerado desenvolvimento: a cultura digital e a tecnologia se mostram a serviço da aprendizagem. Estão nas mãos dos professores e dos alunos iPads, conectados ao Wi-fi da instituição, com programas que substituem fisicamente os diários de classe, as avaliações em papel e as enciclopédias.

Estão conectados à internet. Durante as aulas, podem fazer buscas no google para compor algum trabalho, investigar uma palavra ou alguma dúvida pontual. Também podem acompanhar os slides que os professores estão passando, fazer anotações digitais e se conectar com plataformas de perguntas e respostas.

E óbvio, eles jogam muito. Brawl Stars, Free Fire e Clash Royale: todos esses são jogos para celular ou iPad, chamados de mobile games, que estão tomando conta das atividades que o aluno faz nos intervalos entre as aulas. Assim como qualquer tecnologia durante um desenvolvimento acelerado, aprender como se usa vem depois de usar. Bom ou ruim, tropeçamos muito até realmente compreender suas capacidades.

A escola ainda possui cortadoras laser, impressoras 3D, lousas e paredes móveis. Projetos pedagógicos como o STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) ou o STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts and Mathematics) permitem os alunos arquitetarem relações entre a ciência, a tecnologia, a engenharia, a matemática e as artes. Uma “educação para hoje e para o futuro”, como se chama o livro publicado sobre a escola em 2019.

Sobre o trabalho que desenvolvi lá, um facilitador importante é que estou atualmente trabalhando no Bandeirantes, então meu acesso às burocracias, às estruturas e aos materiais do colégio são muito mais rápidos que qualquer outra instituição em que eu não trabalho. Conheço os funcionários, conheço as salas e suas regras de convivência.

2.2: ESCOLA ESTADUAL PAULO EGYDIO DE OLIVEIRA CARVALHO SENADOR

Fundada da década de 50, a Paulo Egydio dividia o mesmo espaço com outra instituição chamada João Vieira de Almeida. A primeira, atendia à demanda noturna, aqueles alunos que trabalham e estudam ao mesmo tempo, enquanto a segunda atendia ao do período diurno, composto pela manhã e pela tarde. Ambas passaram

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por uma trajetória de modificações de seus nomes pela história. Somente na década de 60 a Paulo Egydio conquistou um prédio próprio.

Até a década de 80, o ensino não era gratuito. Segundo o relato de uma professora da instituição, a escola era repleta de festivais de artes, shows e campeonatos de esporte. Possui até hoje uma rede de quadras grandes cobertas e um auditório - perceba que, segundo o infográfico, a presença atual de estruturas como essas é baixa. Nesse período, só estudava na Paulo Egydio quem pudesse pagar uma taxa. Só no período de redemocratização, com nossa Constituição de 1988, o ensino público e gratuito tornou-se uma obrigação do Estado.

A escola estadual hoje possui projetores e refletores, fundamentais para as aulas de artes quando se trata de análise de imagem e investigações cênicas. Também inclui-se em sua estrutura uma sala de informática, mas com computadores muito velhos. Outro dia, a internet caiu e não voltou durante o resto do dia - talvez um cabo de rede tivesse sido rompido.

Mas internet não é acessada só pelo computador. A escola disponibiliza um pacote de dados, baixo, para os professores utilizarem em suas aulas, mas não para os alunos. Mesmo assim, a presença dos celulares na instituição e na sala de aula não podem ser negados: já invadiram todos os espaços.

Dessa forma, os alunos são permitidos a utilizarem a tecnologia para fins pedagógicos. A relação entre celular-aluno-aula depende de cada professor, mas alguns permitem, por exemplo, o uso de fones de ouvido em atividades individuais que requerem concentração. Nas aulas de artes, por exemplo, são trabalhadas fotografias por meio do celular - todos possuem câmeras.

Mesmo sendo enorme e demonstrado um importante papel na história da educação para os bairros da Zona Norte, a Paulo Egydio possui poucos recursos para investir em infraestrutura.

2.3: A ESCOLA PRIVADA É MELHOR QUE A ESCOLA PÚBLICA?

No estado de São Paulo generalizadamente acreditamos que as escolas privadas são melhores que as escolas públicas. Os dados acerca das notas de avaliações públicas que os estudantes realizam, principalmente o ENEM, fortalecem esse pensamento.

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Em 2017, segundo um levantamento de dados feito pela Folha de São Paulo, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em análise feita pelo por Emiliano Zapata, compara as instituições:

Considerando 10% das escolas com as maiores notas no Enem 2017, 18% são públicas e 82% são particulares. Vale dizer que todas as públicas nesse grupo de elite são federais ou estaduais de ensino técnico, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo feito com dados do MEC. No outro extremo, entre 10% das escolas com menores notas, todas são públicas.2

A diferença entre as escolas privadas e públicas não tem a ver com nota. Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação, disse em entrevista à revista Nova Escola em 2017: “como a rede particular seleciona por meio da mensalidade, esses alunos com dificuldades vão saindo e vão ficando aqueles que têm melhor desempenho”3.

A sentença, sobre o qual escola é melhor, abafa nosso fogo por mudanças ao esconder a realidade da distribuição de renda. Como assim?

Primeiro, a quantidade de funcionários.

Um dia, quando fui à Paulo Egydio para o encontro com os alunos, o auditório estava em discussão: estava planejado para a oficina de teatro, porém ocorreria no mesmo momento um Slam4, proposto por uma pessoa de fora da instituição. O

coordenador, a professora de artes e a inspetora foram os únicos responsáveis por realocar todo o cronograma do que ocorreria naquela manhã na escola.

Eu não fiquei no auditório, tive que ser realocado para a sala de artes. Mas, para isso, uma outra professora com uma turma de 40 alunos também teve que ser realocada para uma outra sala, já que estava programado que ela utilizasse a sala que utilizei. Essa confusão de salas que estava acontecendo ao mesmo tempo foi exponencialmente agravada devido ao número de alunos: para cada sala em movimento, quase quarenta vinham junto.

Numa situação semelhante, em um dia no Bandeirantes estava ocorrendo a Feira de Ciências, um evento muito importante no ano que envolve tanto estudantes quanto professores da escola. Nesse mesmo dia, eu utilizaria espaços externos à sala

2 https://www.emilianozapata.com.br/abismo-escolas-publicas-particulares/ )

3 https://novaescola.org.br/conteudo/12600/escolas-particulares-sao-sempre-melhores-do-que-as-publicas

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de aula para exercitar a ocupação espacial com os alunos. Nosso trânsito não foi um problema.

Mesmo com muitas salas de 30 alunos se deslocando pelos corredores, o número de funcionários participando da organização do evento era grande: coordenadores, professores, assistentes de ensino, auxiliares técnicos, inspetores e faxineiras, além da equipe de segurança geral (incêndio, roubo e saúde). Mesmo sem ter acesso aos valores, o orçamento do Colégio Bandeirantes era nitidamente maior que a Paulo Egydio.

A oferta de eventos como esse do Bandeirantes: frequentemente os alunos são convidados a participar de campeonatos grandes de esportes, exposições artísticas, cinemas, palestras, aulas extracurriculares. Para tudo isso, é preciso de dinheiro: pagar o responsável pela atividade, os inspetores que farão o controle de frequência, os organizadores de salas, a equipe de limpeza etc. De fato, têm muita coisa pra fazer.

Inclusive, tive que alterar o planejamento inteiro de minha oficina de acordo com os eventos que os alunos deveriam participar: de dez encontros folgados, reduzi para três encontros intensos, com mais tempo e atividades mais precisas. Todos eles fazem muitas coisas, seja dentro ou fora da escola.

Sabemos que alunos vão a uma oficina de teatro e jogos de tabuleiros, fora de sua grade horária comum, de acordo com uma série de situações: gostar de teatro ou tabuleiros, querer perder a timidez, não ter nada para fazer naquele horário e pensar que seria um bom passatempo e até ser arrastado por uma amiga que não queria fazer a oficina sozinha. Mas pude presenciar uma diferença na adesão que a oficina teve nas duas escolas.

O orçamento da escola pública é pequeno. Tem que ser utilizado com bastante precisão para pagar a equipe de funcionários, o estoque de materiais, o transporte e a alimentação no caso de viagens ou outros eventos etc. Mesmo com todas essas adversidades, pude perceber a preciosidade com que minha oficina foi tratada na Paulo Egydio devido a um aspecto fundamental: a gratuidade.

Eu não pude divulgar a oficina pessoalmente para os alunos na Paulo Egydio devido a um conflito entre horários escolares e de trabalho, mas depois de uma reunião com a equipe de professores, foram eles quem convidaram voluntariamente cada oitavo ano para participar. A lista explodiu, infelizmente havia um limite.

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A gratuidade e a quantidade de atividades a serem realizadas dentro e fora da escola influenciam diretamente quantas pessoas estarão presentes na oficina.

São escolas diferentes, com grupos de alunos de mesma idade, porém com acesso completamente diferentes às oportunidades na vida.

“As pessoas tendem a pensar na qualidade da escola privada tendo como referência colégios de alta excelência. Entretanto, a maioria das escolas particulares agrega em aprendizagem ao aluno o mesmo que a escola pública, o que muda é que o aluno que vai para a particular já está em um ambiente mais favorável que lhe dá mais oportunidades de aprendizagem

fora da escola” (acesso em:

<https://novaescola.org.br/conteudo/12600/escolas-particulares-sao-sempre-melhores-do-que-as-publicas>).

Quando não nos atentamos às diferenças, agravamos as dificuldades. Não se trata de qual é ou não a melhor instituição, se é a pública ou se é a privada. Precisamos nos atentar à infraestrutura e tentar reduzir o desequilíbrio entre as oportunidades oferecidas por cada escola, aumentando a oferta e a qualidade do que propomos nas escolas públicas.

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3. JOGO

3.1: O JOGO EM SI

O jogo é uma função da vida, mas não é passível de definição exata em termos lógicos, biológicos ou estéticos. - JOHAN HUIZINGA. Homo Ludens.

Jogar é e sempre foi algo importante na minha vida. Ganhei quando bem pequeno um conjunto de jogos de tabuleiro, contendo Ludo, Dama e Gamão. Minha mãe fala que mesmo quando não havia alguém pra jogar, eu jogava comigo mesmo. Por volta dos meus 11 anos, meu tio Muller me apresentou um novo tipo de jogo,

Dungeons & Dragons, um role-playing game (RPG). Para os que não estão

familiarizados com o termo, RPG é um jogo no qual os jogadores assumem papéis em um mundo fictício de acordo com uma história narrada pelo mestre, o mediador do sistema de regras com as ações das personagens. Desde então, sou o jogador e o mestre de muitos jogos entre familiares e amigos.

Jogar é divertido.

Em 2017, fui convidado por minha amiga Ana Leinefelter a sua casa de praia para lá passar alguns dias jogando tabuleiros com seus amigos. Nos divertimos com muitos jogos que eu nunca havia visto, me tornei amigo de todos os convidados e, através dos jogos, eu os conheci mais profundamente, seus modos de pensar, suas estratégias, quem era a pessoa que mais brincava rindo, quem era a pessoa que jogava mais sério. O jogo me mostrou quem eram aquelas pessoas.

Em um livro que chegou com muito carinho às minhas mãos, Iuama (2018) discute sobre a relação entre o jogo e as histórias de vida dos jogadores. Quando jogamos Banco Imobiliário5, por exemplo, existem vários estilos de jogadores, como

os que acumulam o maior número de propriedades, os que preferem negociar as aquisições e aqueles que gostam de ajudar um império de um amigo. Suas maneiras de pensar, suas estratégias, quem é a pessoa que mais brinca e ri e a que joga mais sério refletem ações do cotidiano e da história daqueles indivíduos.

Jogar é uma descoberta.

5Jogo de tabuleiro pautado na competição por dinheiro e propriedades entre os jogadores.

Vence o mais rico, perde quem falir. Os jogadores acumulam dinheiro e propriedades durante o jogo.

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Existe uma categoria de jogos dentro dos estudos das artes cênicas que se denominam como jogos teatrais, nome inclusive de uma disciplina do currículo de 2015 do curso na Universidade de São Paulo. Em linhas gerais, são jogos que articulam elementos da teatralidade, de acordo com cada autor ou autora que aborda o assunto, como o jogo da improvisação teatral pela Viola Spolin ou o jogo imagético do teatro por Augusto Boal. Mesmo iniciados pela palavra “jogo”, pouco se discute sobre esse conceito.

O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar (SPOLIN, 2015, p. 4).

Se “aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém” (SPOLIN, 2015), jogar, enquanto uma atividade viva e mobilizadora, pode fazer parte do processo de aprendizagem. O historiador holandês Johan Huizinga (2018) explora a maneira como o jogo está relacionada ao comportamento da humanidade, declarada como Homo Ludens.

A própria existência do jogo é uma confirmação permanente da natureza supralógica da situação humana. (...) Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é porque somos mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional (HUIZINGA, 2018, p.6).

Esforçando-se para contornar melhor a palavra “jogo”, continua:

Numa tentativa de resumir as características formais do jogo poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual. Mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total (HUIZINGA, 2018, p.16).

Sabe quando alguém está caminhando sozinho pelas ruas e começa a desviar das rachaduras, caminhar na quina e andar apenas sobre os pisos mais claros da calçada? Essa atividade exterior à vida habitual é praticada voluntariamente com uma seriedade surpreendente. Jogar é divertido. “É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro” (idem). Mas como é possível atribuir a ela algum interesse imaterial, da ordem da aprendizagem? O jogo possui uma importante estrutura “praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras” (HUIZINGA, 2018).

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Assim, manter esses limites e propor uma avaliação 6com um ponto de concentração7,

posterior ao jogo, onde questões como “quais são as regras do jogo?”, “o que o jogador faz neste jogo?” ou “o que sentimos ao jogar este jogo?” é um caminho para implicar aquele interesse.

Uma experiência na graduação, porém, fez-me olhar para esses questionamentos de outra maneira: a criação.

Em 2017, realizei um trabalho de criação de um larp, Live Action Roleplay8, ao

lado da atriz Isadora Scoralick e do ator Vinicius Aguiar. No larp, “a narrativa se constrói a partir da dramatização de personagens por parte do grupo participante” (IUAMA, 2018). Nosso objetivo foi investigar como uma experiência com o jogo poderia ser significativa para alguém. Foi necessário nos aproximar do material de maneira tanto teórica, por meio da leitura de pesquisas acadêmicas, observações e planos de aplicação do larp, quanto prática, participando de larps propostos por nós ou pela cidade. Descobrimos a cena dos jogos narrativos em São Paulo, encontramo-nos com criadores e discutimos numa mesa de bar e encontramo-nos assentos de um teatro sobre as experiências presenciais dos larps. Além disso, em nosso espaço laboratorial - as salas práticas de ensaio de teatro - modificamos e jogamos novamente os larps, tentando uma construção que abrangesse tanto a experiência de dramatização por quem participa quanto de público para quem assiste.

Conseguimos criar um larp onde o público recebe instruções que dizem sobre o limite de suas ações no espaço, e age como um observador curioso e invisível da situação. Enquanto isso, os participantes-atores viviam uma experiência imersiva e narrativa sem palavras, baseada na subjetividade de cada personagem e na comunicação abstrata e corporal entre eles.

6"A avaliação se realiza depois que cada time terminou de trabalhar com um problema de

atuação. É o momento para estabelecer um vocabulário objetivo e comunicação direta, tornada possível através de atitudes de não-julgamento, auxílio grupal na solução de um problema e esclarecimento do Ponto de Concentração" (SPOLIN. 2015, P. 24). Aqui,

avaliação é também considerada quando o ponto de concentração se conecta com o jogo de tabuleiro.

7"O Ponto de Concentração é o ponto focal para o sistema coberto neste manual, e realiza o

trabalho para o aluno. Ele é a "bola" com a qual todos participam do jogo." (SPOLIN. 2015, P. 20).

8O Live Action Roleplay tem poucos e bons estudos sobre seus contornos. Decidi durante o

restante do texto utilizá-lo com letras minúsculas e sem itálico, larp, na tentativa de

concretizá-lo como uma palavra que se refere a uma categoria dentro jogos narrativos, assim como o RPG.

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Percebi que para criar é necessário fazer: investigar, pela perspectiva prática, o material a ser trabalhado.

Num outro processo de design de jogos, trabalhei orientando um grupo de estudantes do curso de informática da Escola Técnica Parque da Juventude, localizada na Zona Norte de São Paulo. O desafio era criar um jogo de tabuleiro com a temática “justiça”. Os jovens conheciam War, Detetive e Jogo da Vida: esses são tabuleiros com casas numeradas e espaços bem delimitados, partindo dos objetivos competitivos “quem chegar primeiro” ou “quem conseguir primeiro”, onde a sorte age de maneira definitiva através da rolagem de dados, por exemplo. E o meu desafio enquanto orientador?

Meu desafio foi expandir os horizontes dos alunos e apresentar jogos de tabuleiros menos convencionais e com modos de operar completamente diferentes. Eles precisavam conhecer jogos onde as subjetividades dos jogadores pudessem interferir mais na experiência, onde a atitude da escolha fosse capital e a possibilidade de mudança de regras fosse mais flexível e receptível pelo sistema de regras. Joguei com eles Dixit, Sim Senhor, Mestre das Trevas e Tarot Shadowscapes9.

Depois de jogar os novos jogos apresentados, três outros foram criados pelos desejos dos alunos: um jogo no qual os habitantes da Terra, juntos, deveriam reorganizar seus recursos tecnológicos antes que fosse tarde demais e o Sol engolisse o planeta; um jogo sobre um Tribunal de Justiça acerca de um crime, fictício ou não; e um Diário de Dandara, que explicitava a história da violência contra a população negra através de desafios de lógica. No fim, criou-se o Purposyum:

Desafios da Justiça, em que os jogadores, habitantes num futuro distante no Sistema

Solar, tem de propor iniciativas ou resoluções em face de problemas criados pela própria humanidade, como poluição ambiental ou desigualdade social.

A imaginação foi longe, mas sempre com base nos conhecimentos de cada um, na temática “justiça” e, principalmente, nos trabalhos práticos da oficina. A experiência do “fazer”, da prática, foi fundamental no processo de aprendizagem.

9Dixit é um jogo competitivo de cartas-imagens relacionadas à palavras, Sim Senhor, Mestre

das Trevas é um jogo narrativo cooperativo contra um jogador sobre uma missão que o mestre mandou mas não deu certo, e Tarot Shadowscapes é parte de uma cultura exotérica, mas aqui entendido como jogo narrativo o qual a história é criada a partir das perguntas que se faz para os tabuleiros.

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Na tentativa de novamente orientar a criação de um jogo, destacando desta vez o processo de aprendizagem de elementos da teatralidade, como é possível criar um jogo de tabuleiro aproximando o objeto de estudo dos criadores?

3.2: A CRIAÇÃO: UM HÍBRIDO ENTRE JOGO DE TABULEIRO E JOGO TEATRAL

Na tentativa de relacionar os jogos de tabuleiro e os jogos teatrais, me ocorreram duas possibilidades: utilizar o tabuleiro como introdução à prática teatral ou equilibrar as duas espécies diferentes numa única criação híbrida.

No sentido dicionarizado, ‘hibridismo’ ou ‘hibridez’ designa uma palavra que é formada com elementos tomados de línguas diversas. “Hibridação” refere-se à produção de plantas ou animais híbridos. ‘Hibridização’, proveniente do campo da física e da química, significa a combinação linear de dois orbitais atômicos correspondentes a diferentes elétrons de um átomo para a formação de um novo orbital. O adjetivo ‘híbrido’, por sua vez, significa miscigenação, aquilo que é originário de duas espécies diferentes” (SANTAELLA, 2003, p. 20).

Sandra Rey (2004) nos elucida a palavra “hibridação” de maneira menos dicionarizada e mais relacionada à arte contemporânea.

“As diversas definições e implicações do termo hibridação definem grande parte da arte contemporânea, indicando as formas artísticas que misturam técnicas e tradições diferentes, tais como podemos constatar nas instalações, arte híbrida por excelência, nos vídeos que cruzam técnicas de desenho, modelagem, com a fotografia e a edição digital; no tratamento da fotografia analógica pelos meios digitais nas obras in situ, nas apropriações de objetos, materiais e procedimentos originalmente estrangeiros à arte; na

net-art e na arte interativa, por exemplo. (...) A hibridação na arte refere-se

às formas artísticas que não se constituem enquanto aplicações ou explorações de uma técnica tomada como um sistema fechado constituindo um dado preliminar no processo de criação. Ao contrário, nas proposições que recorrem à hibridação, os artistas tiram partido das especificidades do médium, inventam procedimentos, realizam cruzamentos e combinações diversas que podem assumir proposições poéticas, lúdicas, sociológicas, filosóficas, conceituais, ecológicas e/ou políticas” (REY, 2004, p. 401-402).

Atentei-me, portanto, às diferenças e semelhanças entre os jogos de tabuleiro e os jogos teatrais, criei exercícios que combinam as duas espécies e encarreguei os alunos da articulação, numa criação final, das qualidades das proposições da obra.

Primeiro, foi necessário fazer escolhas: quais jogos teatrais e quais jogos de tabuleiro trabalhar? Criar não surge do nada - criar um jogo não surge do nada. É necessário escolher quais jogos vão ser a inspiração ou até a estrutura do objeto a

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ser criado. Na ETEC Parque da Juventude, quando os alunos construíram Purposyum

- Desafios da Justiça, as mecânicas daqueles jogos menos convencionais estavam

presentes: a narratividade do Tarot Shadowscapes, a cooperação entre os jogadores em prol de um único objetivo do Sim Senhor, Mestre das Trevas e a influência de suas subjetividades do Dixit.

Decidi filtrar essas escolhas por tema: a relação entre tecnologia e juventude. Como a tecnologia se funde com quem nós somos e a maneira que agimos?

“Ondas de novas descobertas ocorrem simultaneamente em áreas que vão desde o sequenciamento genético até a nanotecnologia, das energias renováveis à computação quântica. O que torna a quarta revolução industrial fundamentalmente diferente das anteriores é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos” (SCHWAB, 2019, p. 16).

Partindo dessa interação entre os domínios, meu intuito foi possibilitar uma atenção maior ao primeiro: a fisicalidade do jogo, do corpo e da imagem.

A juventude já está o tempo todo online. Se é necessário conscientizá-la sobre a velocidade das mudanças tecnológicas de seu tempo e sobre seu impacto radial e multifacetado (SCHWAB, 2019), é preciso antes que ela se relacione com o mundo

offline: com as capacidades presentes de se relacionar e criar e com as possibilidades

de transformações do corpo físico.

Quando nos apontam uma câmera, nosso rosto muda, nossa posição muda, somos registrados felizes ou tristes. Quase espontâneos. A juventude caminha pela Avenida Paulista. Quando olha para o lado, um ônibus com arestas luminosas estridentes passa desejando um ótimo feriado, quando olha para cima, os prédios com LED se movimentam e criam formas e logomarcas; quando olha para baixo, o celular brilha em mãos, a pupila diminui e o rosto fica da cor do fundo do Instagram. Com quem ela conversa?

Augusto Boal, em seu estudo sobre jogos para atores e não atores escreve que “para que o corpo seja capaz de emitir e receber todas as mensagens possíveis, é preciso que ele seja rearmonizado” (BOAL, 2015). Assim, decidi me aproximar da imagem em relação à tecnologia, da maneira como a imagem invade os olhos dos jovens sem qualquer dificuldade e modifica seus corpos, imagem essa que os próprios jovens produzem e compartilham em redes sociais.

Utilizando as peças, as cartas e os corpos, resolvi trabalhar com jogos de tabuleiro e teatrais que constroem e interpretam imagens. Um mesmo objeto, uma

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mesma palavra, um mesmo ambiente e uma mesma pintura podem ser transformados, dependendo de quem as cria e de quem as vê.

Em primeira mão, Dixit: com sua primeira versão em 2005, criado pela terapeuta e psiquiatra infantil Jean-Louis Roubira, o jogo foi apoiado por diversas instituições francesas e distribuído pelo mundo, conquistando o coração de pessoas do outro lado do oceano. Dixit é quase um sinônimo de imaginação: os jogadores criam conexões entre as imagens de suas cartas e seus pensamentos.

O jogo é simples: no início do turno, um jogador-narrador anuncia um tema, que pode ser uma palavra ou uma frase, relacionado a uma carta em sua mão, que coloca para jogo sem revelar o conteúdo. Cada outro jogador escolhe, também, uma carta que se relacione com o tema mencionado e a insere nesse mesmo monte. As cartas então são embaralhadas, depois reveladas e votadas - qual carta melhor representa o tema anunciado? Você ganha pontos se você vota e acerta qual a carta do jogador-narrador ou quando alguém vota na sua carta pensando ser a carta do jogador-narrador. Se esse não obtiver nenhum voto ou, pelo contrário, receber todos, ele não pontua - ou seja, é necessário fugir da obviedade e também da falta de sentido.

As imagens dependem de cada expansão do jogo, mas todo o Dixit é baseado em desenhos de objetos ou elementos da vida real que são misturados com algo aparentemente inverossímil, como um sonho ou uma fantasia: a alteração de uma realidade para uma ficção de outro mundo.

O outro jogo, muito recente, é o Abstratus - Esculturas de Palavras, lançado em 2018 pelo coletivo Zebra 5. Trata-se de um jogo no qual cada jogador deve construir, a partir de um kit de peças geométricas de madeira e acrílico, palavras concretas e abstratas a depender do baralho que o grupo preferir.

Na rodada, cada jogador retira uma carta de um baralho de palavras e tem aproximadamente 2 minutos para esculpi-la com seu kit de peças. Passado o tempo, as palavras são embaralhadas, reveladas e os jogadores também votam, semelhante ao Dixit, relacionando as esculturas às palavras e conquistando pontos se a relação estiver correta.

Como na ETEC Parque da Juventude, na retomada por expandir o conhecimento dos estudantes sobre os jogos de tabuleiro, esses jogos menos convencionais têm elementos próximos ao conceito de eurogames, que podem nos ajudar quanto à lucidez dos termos:

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Eurogames tendem a ser jogos mais acessíveis e que privilegiam o papel das mecânicas sobre o tema na jogabilidade. Eles tipicamente facilitam o conflito indireto ao invés do direto, retiram a ênfase no papel da chance, oferecem previsão de tempos nas jogadas, e possuem normalmente um alto padrão em termos de qualidade de componentes e apresentação (WOODS, 2012, p. 79).

Com os jogos teatrais, percebi a necessidade de me atentar às capacidades do corpo tais como sensibilidade, criação e transformação.

“Na batalha do corpo contra o mundo, os sentidos sofrem, e começamos a sentir muito pouco daquilo que tocamos, a escutar muito pouco daquilo que ouvimos, a ver muito pouco daquilo que olhamos. Escutamos, sentimos e vemos segundo nossa especialidade. Os corpos se adaptam ao trabalho que devem realizar. Essa adaptação, por sua vez, leva à atrofia e à hipertrofia” (BOAL, 2015, p. 99).

Em oposição à perda da sensibilidade com o ambiente, com aquilo que está em volta, optei pelo conjunto de jogos de ocupação e transformação espacial de Ryngaert (2009). O espaço é tomado como indutor de jogo, destacando a maneira como as suas nuances e o corpo do aluno se relacionam, a fim de manter viva a metáfora teatral.

A regra: alguém do grupo entra em um espaço pré-enquadrado por mim e o ocupa, sem se preocupar com narrativas. Em suas variações, a instrução de ocupação pode vir também conectada à transformação do espaço naquilo que ele não é, que ele não se parece ou que não existe no mundo real, por exemplo. Mais detalhes sobre como os corpos reagem a essas práticas você encontra no capítulo CORPO.

“A utilização de um espaço real bem enquadrado induz os corpos a se situarem e se expandirem dentro dele. O espaço é um elemento flexível que convém às primeiras “bricolagens plásticas” (RYNGAERT, 2009, p. 127).

Além do corpo, o olhar é outra matéria importante a ser educada em um mundo digital. Vemos muito pouco daquilo que olhamos (BOAL, 2015). A imagem nos invade, ao mesmo tempo que a produzimos. Utilizamos nossos corpos em selfies. Assim, construir uma imagem com os próprios corpos pareceu fundamental no processo. Emprestei, assim, técnicas do Teatro-Imagem e da modelagem de esculturas de Boal (2015), sem utilizá-las para o mesmo fim que o autor propõe.

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Entre as possibilidades, ocupar o espaço vazio do outro, criar mímicas e observar e nomear imagens ganham destaque. Além disso, o mesmo autor propõe, a partir do corpo como material de cena, uma sequência de modelagens: um ator molda o outro de perto e de longe, comunicando-se com palavras e depois apenas com movimentos.

Com os jogos escolhidos a partir da temática da tecnologia e do corpo, como construir a hibridez? Nos próximos dois tópicos, duas maneiras são exploradas: a utilização dos jogos de tabuleiro, mais especificamente de suas imagens e palavras, como material poético que introduz os jogos teatrais; e a utilização conjunta e equilibrada de ambas as espécies de jogo enquanto substrato de uma única produção final - a criação de um jogo de tabuleiro que dentro de sua mecânica seja capaz de criar cenas.

3.3: O JOGO DE TABULEIRO COMO INTRODUÇÃO À PRÁTICA TEATRAL

Jogar um jogo de tabuleiro antes de um jogo teatral foi fundamental. Jogar é duplamente percebido com a prática dessas duas espécies de jogo.

Devido a minha vontade de experimentar quanto o primeiro seria capaz de interferir na realização do segundo, nos encontros iniciais com os alunos em ambas as escolas jogamos Abstratus (Zebra 5) e a sequência de modelagem de Boal (2015), nessa ordem.

Jogamos Abstratus com o foco em compreender seu funcionamento e avaliamos a sessão de jogo a partir das seguintes questões:

• Qual é o objetivo do jogo? “Fazer pontos e ganhar”, uma aluna disse. Ou seja, é um jogo baseado na competição, os jogadores jogam cada um por si. Como se pontua no jogo? “Tem que usar a criatividade, usar a imaginação”, um aluno. Através da escultura de palavras com o kit de peças e o estabelecimento das relações entre escultura e palavra, o aluno foi capaz de compreender que, naquele jogo, era necessário olhar e imaginar. “Olhar e pensar”, como disse uma aluna;

• O que acontece em todas as rodadas? “Construir, interpretar e votar”, uma aluna. Sua resposta se relaciona diretamente com um conceito chave no processo de criação desse jogo de tabuleiro: a mecânica, ou o que chamei de

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existir enquanto parte da mecânica do jogo. Trata-se do que o jogador faz no jogo. Uns avançam casas, outros giram moedas;

• Do que o jogo é feito? Quais são os materiais que utilizamos para jogar? “Figuras geométricas de madeira e acrílico e cartas com palavras diferentes”, uma aluna. A pergunta provoca e a resposta elucida sobre quais objetos são manipulados para o jogo acontecer.

Essas são perguntas de ordem formal do jogo, sobre seus mecanismos. Porém, outras perguntas foram realizadas sobre a maneira como os jogadores reagiram ao jogo: “Nós temos que pensar em que durante o jogo? O que passa pela cabeça de vocês no momento de construir a imagem? E no momento de relacionar as outras esculturas com as palavras?” Percebi que essas perguntas levantam dados muito próximos das subjetividades dos jogadores, não sendo muito eficientes para analisar a estrutura do jogo. Assim, atentei-me sobre a importância de elucidar as regras do jogo, a sua mecânica, e levei isso para todos os outros jogos.

A regra é o contorno para que o jogador resolva seu problema como preferir. Funciona como a instrução, “o método usado para que o aluno-ator mantenha o Ponto de Concentração sempre que ele parece estar se desviando. Isso dá ao aluno-ator auto-identidade dentro da atividade e o força a trabalhar com o momento novo da experiência” (SPOLIN, 2015).

Assim, quando jogamos a sequência de modelagem dos corpos, onde os jogadores precisavam esculpir uns aos outros para tentar descobrir as palavras - as mesmas utilizadas no baralho do Abstratus -, provoquei-os da seguinte maneira, na tentativa de valorizar “jogo” em relação ao seu adjetivo: qual o objetivo do jogo? O que acontece em todas as rodadas? Quais os componentes desse jogo?

As comparações vieram na avaliação. Um jogo com peças, o outro com o corpo. Qual a diferença entre eles? Qual a semelhança? Quais as dificuldades de cada um? Quais materiais compõem o jogo? O que o corpo tem a ver com as peças? “Em termos de jogos de tabuleiro, esses são os componentes que constituem objetos que o jogador pode manipular durante o curso do jogo” (WOODS. P. 81). Os jogadores tornaram conscientes os limites e as estratégias da utilização do corpo para representar as palavras. Esse assunto será mais aprofundado no capítulo IMAGEM.

Com o Dixit isso também se evidenciou, mas com imagens e espaços. Começamos o dia jogando uma sessão completa dele. A composição de suas cartas

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é proposital para que o jogador se relacione com a imagem, completando-a com seus pensamentos. Como uma carta pode se relacionar com um ambiente cotidiano?

Seguimos então para as construções e alterações de espaço, de Ryngaert (2009). Que posições corporais os alunos poderiam fazer para tornar aquele espaço em outro?

Durante o momento “papel sulfite”, o qual os jogadores tinham que deliberadamente ocupar um espaço vazio, lembrando de como uma caneta deixa seus símbolos numa folha, transformaram seu pensamento em corpo. Exploraram o espaço com a instrução “não se preocupem em contar uma história ou criar um sentido”.

Assim como o Dixit, onde a relação entre imagem e palavra fica mais interessante conforme os jogadores se familiarizam com a regra do jogo, no “papel sulfite” as últimas imagens criadas pelos jogadores foram um abismo, um templo e um acidente, passíveis de identificar dois lugares diferentes no mesmo espaço ou ver algo fora dele pela maneira como os alunos estavam se posicionando.

Apostei no binômio fazer-ler: percebendo a importância da análise, propus a observação a partir do conjunto dramático de Spolin (2015) o que?, quem? e onde? de todos os jogos que fizemos a partir de então. O fato é que a imagem não está só no controle de quem a faz, mas em quem a vê, em que lê seu conteúdo material e conecta à memórias, pensamentos etc. Essa é uma premissa de quem joga Dixit: a observação e sua influência em relação às cartas de seus adversários.

Destacando o “onde” de cada imagem, criada no espaço pelos alunos, perguntei: esse lugar é um lugar claro ou escuro? Grande ou pequeno? Essas pessoas estão no mesmo lugar? Quais são os detalhes dessa imagem? Como uma cadeia de retroalimentação, quando o aluno observava a imagem e levantava suas características, percebia a capacidade que seu corpo tinha de se comunicar e, no jogo, tentava outras formas. “Olhar e pensar”, novamente como uma aluna no primeiro encontro falou sobre o Abstratus, são palavras diretamente relacionadas. Esses aspectos serão mais aprofundados no capítulo IMAGEM.

Saímos da sala de ensaio. Fomos para fora do “papel sulfite”, num segundo momento, para ocupar e transformar enquadramentos espaciais pela escola. Utilizando as imagens de Dixit, pedi aos alunos que escolhessem cartas do baralho que representassem lugares. Nosso objetivo era tentar criar a irrealidade das imagens das cartas a partir da realidade da estrutura da escola.

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Uma parede de grama se tornou um portão com guardas, um banco de pátio se tornou um céu com pessoas voando, um muro se tornou um poço nas profundezas do oceano.

Esses lugares não existem, mas eles estavam lá, representados por meio de estratégias dos alunos. Primeiro eles olharam o espaço, imaginaram como transformá-lo, intervieram nele com seus corpos e depois os observadores analisaram. Uma mecânica de jogo muito semelhante ao Dixit, porém com outros materiais, em outros ambientes. Jogar o tabuleiro antes do trabalho com espaços e utilizar suas cartas como inspiração para a criação elucidou como nosso corpo é capaz de modificar e criar novos enquadramentos, os olhos de alguém podem ver algo que não está ali, inclusive um objeto impossível de existir de acordo com nossas leis naturais. Um baralho de Dixit poderia ser criado inteiro com pessoas ocupando e transformando enquadramentos espaciais de seu cotidiano…

Uma das avaliações de uma jogadora mostrou como a trajetória dos exercícios estava permeada pelo conceito de jogo: “acho que o que fizemos hoje foi trabalhar com cada aspecto do jogo e depois tudo junto. Primeiro a gente estava esculpindo os corpos, como a gente construía no jogo, depois focamos em a estátua adivinhar o lugar que estava, depois juntamos tudo mexendo nas cadeiras e montando o lugar”.

Entre jogo de tabuleiro e jogo teatral, utilizá-los em sequência pode precisar as diferenças e semelhanças do tabuleiro e do teatro, criando por exemplo maior consciência das capacidades do olho e do corpo. Dessa vez, utilizei primeiro o jogo de tabuleiro e depois o jogo teatral, inverter essa ordem faz parte de interesses futuros.

3.4: O JOGO DE TABULEIRO COMO OBRA DE ARTE, OBJETO DA CRIAÇÃO

Jogar um tabuleiro antes do teatro ou utilizar o jogo de tabuleiro como material poético para a criação teatral mostra como um jogo pode interferir no outro por meio da comparação ou da inspiração tecidos pelos jogadores no momento da avaliação.

Ambas as categorias, porém, ainda agem separadamente, cada qual com seu espaço-tempo na prática pedagógica. A hipótese é que um jogo de tabuleiro pode articular elementos do objeto de estudo em sua criação.

Um jogo de tabuleiro não é uma peça de teatro. Ele não é feito para quem se senta ao lado de um grupo de pessoas que está jogando para ser observado. Ele é

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feito para as pessoas que estão jogando. É preciso propor regras para que pessoas possam assumir uma posição interessante de público, caso o façam. Assim, o objetivo dos alunos não era criar uma experiência para ser vista, mas uma para ser vivida de maneira compartilhada. A obra convida à participação.

Os estudantes no centro da criação: como o desafio na ETEC Parque da Juventude, minha responsabilidade foi orientar os desejos de criação dos estudantes. Esses desejos não surgem do nada, surgem a partir de seus conhecimentos sobre jogos e a exploração que tiveram nos dias de oficina. Dessa forma, a criação do jogo está diretamente relacionada à articulação dos elementos dos jogos de tabuleiro e dos jogos teatrais que foram experienciados.

De acordo com JÄRVINEN (2009), a experiência do jogo perpassa por nove elementos: os componentes materiais e o ambiente onde se joga o jogo; o conjunto de regras, as mecânicas, o tema, a interface e as informações que os jogadores manipulam; o jogador e o seu contexto. Então, o que o jogador manuseia? Onde ele joga? Quais as regras e os objetivos do jogo? Como vencer? Qual é o jogador e o contexto alvo? Todas essas perguntas levaram à necessidade de destacar algo primordial, um fundamento da criação do jogo para nos debruçarmos: uma mecânica principal, a qual eu chamei de loop.

O loop, ou a mecânica principal, “é a atividade de jogo essencial que os jogadores executam de novo e de novo em um jogo” (SALEN; ZIMMERMAN, 2012). Construir uma escultura e interpretar uma imagem, elencar um tema para uma carta e votar no pensamento que mais se aproxima, alterar um espaço com o próprio corpo ou posicionar os braços e pernas para mostrar algo a ser descoberto. Trata-se da principal forma de interação entre os jogadores e o sistema.

Foi preciso identificá-lo em cada um dos jogos. Se proponho uma mesma avaliação para ambos os jogos, eu os aproximo, mesmo sendo de espécies diferentes. Ou seja, se pergunto “o que o jogador manuseia?”, por exemplo, tanto para o Abstratus quanto para a sequência de modelagem, ambos são tratados como jogos. A partir daí, criar um jogo trata-se de articular os elementos dos outros jogos, compreendendo tanto tabuleiro como teatro dentro desse conceito.

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O último encontro foi o momento previsto para a criação do jogo. Dentre tantos cérebros que processaram os dias de oficina, realizei um brainstorm10 onde os alunos

utilizaram apenas palavras para sintetizar a memória desses momentos em palavras-chave. O que fizemos nos últimos encontros? A que outras palavras “corpo” está relacionada? E a que a palavras os termos “imagem/ imaginação” remetem? Os alunos em fluxo de pensamento deveriam escrever sem refletir muito sobre cada uma dessas perguntas, a precisão viria com a redação contínua das palavras. É preciso escrever dez em sequência, para que talvez a décima primeira sintetize melhor o caminho de seu pensamento.

Uma digressão rápida, porém necessária: o brainstorm deve ser feito com calma. Apressar os alunos para que deixem de julgar seus pensamentos os deixa ansiosos e eles “travam”. Explique antes do brainstorm o que ele é e sobre o que ele trata, garanta que todos os alunos participantes tenham clareza sobre este método e sobre o fluxo de pensamento. Se mesmo assim você perceber que eles estão ansiosos, interrompa imediatamente o exercício, deite-os no chão, faça-os respirar, coloque uma música, mude completamente o clima estabelecido para algo relaxante! A partir do conjunto, os alunos escolheram uma quantidade menor e limitada de palavras para compor a criação. Sobre essa escolha, é importante escrever que uma das regras para realizá-la era a necessidade de escolher palavras que outro aluno havia escrito. A criação é conjunta, a chuva é de vários cérebros.

Como material pré-estabelecido, levei um conjunto de 300 peças de lego coloridas que, em princípio, serve para construir. Mas se for necessário, o que no caso é, estabelecer relação com algum outro objeto, conceito ou narrativa, ele tem uma capacidade versátil de adaptação, próximo à materialidade do Abstratus. Por fim, o tema do jogo: corpo e imagem/ imaginação.

Daqui em diante, o mais significativo foi e é observar as linhas de raciocínio dos alunos. Atente-se a como as imagens e os espaços teatrais e as mecânicas do

Dixit e do Abstratus, de interpretação e construção, aparecem no desenvolvimento.

Na Escola Estadual Paulo Egydio, o conjunto de palavras inicial trouxe algumas questões como “vamos conectar todas as palavras? Fantasia se relaciona com Role-Playing Game, sentimento tem a ver com magia”, mas logo perceberam

10Um brainstorm é um levantamento de ideias levantadas realizado em um curto período de

tempo. O pensamento deve ser mais rápido que a criação de sentido, quem escreve, escreve em fluxo.

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que seria um trabalho demais forçado tentar conectar todas as 10 palavras do

brainstorm, às vezes com sentidos opostos. Mesmo assim, para a mesma série de

palavras escolhidas, criaram outras relacionadas: encenação feita por cartas, encenação demonstrada pela criação de objetos, criatividade pela possibilidade de encenar uma cena imaginária.

“É necessário uma história? E se a história fosse de um castelo mágico? Nosso objetivo é chegar até ele!” Mas não havia tabuleiro nenhum, todo e qualquer material que fosse usado seriam aquelas 300 peças montáveis de lego colorido. “Então podemos construir nosso próprio tabuleiro? E se um objetivo do jogo for construir o tabuleiro? Um constrói e o outro continua. Pode ser uma história em continuação, um começa e o outro continua”.

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A narratividade se inseriu no núcleo do jogo. Ela sendo ou não um loop, contar histórias era parte integrante do projeto dos alunos. “Seremos reconstrutores! O reino foi destruído por algo e vamos reconstruir!”

A palavra construção chegou com mais ênfase no final do processo, quando a reconstrução se tornou uma dúvida capital “o jogador pode construir qualquer espaço ou objeto no reino? Ou o jogador tem que criar algo dentro do contexto medieval? E se ele quiser criar um portal? Ou e se ele quiser construir um poço com fantasmas? Pode criar algo que não exista, pode inventar?”

Nessa criação, contar vem antes de mostrar. Eles contam qual o cenário de sua história, constroem o tabuleiro - um mapa - que delimita o cenário completo de uma história. O narrador, o vencedor do jogo, tem direito a contar essa história para que todos os outros jogadores improvisem-na sem falas: um aviso a ser dado desde o início do jogo. “É como uma prenda paga por quem perder o jogo!” uma aluna disse. No Colégio Bandeirantes, o movimento foi contrário: além das aproximadamente dez palavras que tinham, iniciaram a criação pelo conceito de construção. “Como seria um estilo de construção mais sofisticado? Talvez unisse aspectos de todos os jogos?”: construir uma escultura sobre uma palavra com peças, com o corpo, construir um espaço e uma mudança no que esse espaço pode ser. Os alunos analisaram como as construções eram feitas em cada um dos jogos, principalmente no Abstratus, e quais eram as possibilidades de conexão entre uma mecânica de construção e outra.

“As peças são pontuações ou construções? Elas se relacionam com o que? De que maneira nossos corpos fazem parte desse jogo? As peças podem construir nossos corpos? Como?” A relação entre o corpo do jogador e a peça do jogo se enfatizou. As comparações deixaram de estabelecer um conflito entre esses materiais diferentes e passaram a ser parte fundamental do jogo: os pontos. “E se fosse um jogo onde as peças fossem os pontos e os jogadores tivessem que construir uma palavra? Ou uma pose corporal?” A modelagem começa a fazer parte desse jogo. Modelar o corpo para mostrar algo. Mostrar é diferente de contar e permaneceu com essa diferença.

“Qual a instrução para essa pose? E se a pose fosse uma parte de uma história? É necessário uma história?“ Daqui, o núcleo do jogo já estava formado. Uma escultura seria formada com o corpo e as peças funcionariam como estrutura para construir essa pose. Jogamos a primeira ideia e eles perceberam que a pose

Referências

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