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Com a criação dos alunos do Colégio Bandeirantes, o espaço pode ser transformado pelo corpo a partir de uma proposição imagética. Uma sala vazia pode se tornar uma floresta, por exemplo. Em um dos testes, um aluno se colocou atrás de uma almofada pequena: quando o esculpiram, um grande muro estava a sua frente.

A complexidade da imagem se desenvolve conforme o jogo passa. Os jogadores não querem fazer esculturas simples, mas sim dificultar o trabalho de seus oponentes. Dessa forma, a relação de fisicalização de objetos e lugares torna-se um elemento que exige maior esforço de seus escultores.

Além disso, o esquema “faz-lê” é o loop do jogo. Em todas as rodadas os jogadores realizam a mesma atividade: observar e criar. Esse ciclo repetitivo tende a provocar os jogadores para criarem imagens com mais detalhes, pois enquanto analisam, percebem ideias diferentes das suas, outros sentidos para uma mesma situação.

Com o jogo criado pelos alunos da Escola Estadual Paulo Egydio, novamente o espaço pode ser alterado, porém por meio de um mapa: uma cenografia imaginária criada para a improvisação que logo se segue.

Porém, neste jogo, percebo a ausência da função de observadores das imagens ou situação. O narrador, talvez seja a figura que mais se aproxima dessa

objetividade da observação, porém a chamaria de “observação manipuladora”, já que as palavras do narrador são lei e devem ser seguidas.

Suponho que isso tenha acontecido devido à falta de foco e tempo com o esquema “faz-lê”. Com eles, fiz muito, mas propus poucas situações de leitura da imagem, o que provavelmente levou a ausência desse elemento na criação do jogo.

Em ambos, um espaço amplo é necessário para ser observado e alterado por meio de cada dinâmica.

Mas também em ambos enfrentei uma dificuldade com a precisão das instruções. Os jogadores tinham dificuldades de explorar “papel sulfite” quando eu os dizia “não se preocupem com os sentido”. O mesmo ocorreu com o corpo, quando somente a geometria era destaque na instrução. Uma aluna inclusive me perguntou: “professor, quando vamos fazer teatro”? Na tentativa de compreender melhor quais eram as expectativas dela, devolvi com outra pergunta: “não entendi, você pode me explicar melhor?”. Daí, percebi que ela estava falando da interpretação da história de uma personagem ou de um acontecimento.

A história fez parte de ambos as criações e eu me pergunto: como seria possível um jogo, assim como Dixit e Abstratus, trabalharem sem uma narrativa inerente à sua mecânica? De que maneira trabalhar com apenas a geometria do espaço ou do corpo?

Os alunos mencionaram e incorporaram a leitura de imagens e a influência que a observação tem na criação do jogo nas mecânicas de suas criações. Tentaram restituir os sentidos de uma imagem por meio do jogo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com capítulo JOGO, percebemos que a relação entre jogos de tabuleiro e jogos teatrais aborda, por diferentes vias, o mesmo conceito: duas espécies precedidas pela mesma palavra. Numa inversão, o tabuleiro e o teatro são entendidos, ambos, como jogos - e analisados como tal. Com uma disponibilidade parecida com a do tabuleiro, os jogadores de teatro atiram-se em cena, expondo-se às descobertas da tridimensionalidade do corpo e das capacidades físicas que ele tem de se transformar em objetos, paisagens e conceitos.

Constantemente perguntei aos alunos “qual é o loop/ a mecânica principal do jogo?” e “quais são os materiais do jogo?” na tentativa de aproximar os dois campos, o tabuleiro e o teatro, para serem percebidos como um único: estávamos estudando o jogo.

Esse estudo permitiu duas conexões entre suas espécies: a primeira, fazendo elas conviverem separadas. Os tabuleiros Dixit e Abstratus - Esculpindo Palavras, com mecânicas semelhantes entre si, que relacionavam palavra-imagem e construção-observação, foram jogados antes dos jogos teatrais. Dessa forma, introduziram técnicas de Teatro-Imagem (BOAL, 2015) e ocupações espaciais (RYNGAERT, 2009).

A segunda, fazendo elas se tornarem uma única obra. Com a proposta de os alunos criarem um jogo de tabuleiro, foram capazes de identificar qual a mecânica de cada um dos jogos e tecer comparações e paralelos. O Abstratus constrói palavras com peças, a sequência de modelagem faz o mesmo, mas com corpos. O Dixit observa imagens e se criam sentidos; as ocupações espaciais observam os sentidos dos lugares e propõem um outro.

A convivência separada das espécies precedeu sua união. Percebi o quanto essas duas maneiras caminham juntas: identificando as mecânicas de cada jogo, os elementos do teatro e do tabuleiro se tornaram flexíveis para que os alunos pudessem misturá-los e testá-los. Mas como seria um caminho menos linear para essa estrada? Talvez um caminho intercalado?

Com o capítulo CORPO, percebemos a necessidade de uma experiência corporal diferente da experiência do corpo tecnológico intrínseca à juventude do milênio, acostumada à selfie como postura, ao celular como extensão corporal e à

tecnologia como necessidade. Jogar pode despertar a atenção em suas capacidades de suas estruturas corporais.

Por meio principalmente do Abstratus, os alunos estabeleceram relações entre o tabuleiro e os próprios corpos: se tornaram peças, componentes do jogo, aquilo que os jogadores manipulam durante a sessão. Mas um é feito de madeira e acrílico, e o outro de carne e sangue. Um é pequeno, passível de separação e sem flexibilidade material. O outro é grande, impossível de ser partido e possibilitando dobras. A tridimensionalidade do corpo se tornou consciente.

Um estudo, porém, sobre a geometria do corpo se perdeu, talvez devido à necessidade de instruções com mais contexto em relação às materialidades do cotidiano. Para trabalhar apenas conceitos de linhas, dimensões, cores e demais elementos da percepção visual, com os alunos são necessárias instruções muito precisas.

Mas se foram tão fortes as relações que teceram entre o próprio corpo e as peças de um tabuleiro, como as peças geométricas de um jogo de tabuleiro podem introduzir fundamentos visuais da teatralidade? Como um conjunto de peças de um tabuleiro pode guiar um processo de aprendizagem teatral?

Com IMAGEM, partindo dessa mesma juventude tecnológica, mas propondo uma lupa no desenvolvimento acelerado das comunicações digitais, uma imagem pode deixar de ser vista: ela opera em extremos, ou passando despercebida pelo feed de notícias das redes sociais, ou nos invadindo por meio de propagandas.

Sem ser contemplada, a imagem é produzida em larga escala planetária. Fazemos muito, mas lemos pouco. Trata-se de uma cultura do fazer que subestima a capacidade de observação e de leitura do sujeito. Concede ao consumidor a possibilidade da produção e da transmissão, mas retira-lhe o direito do olhar. É um sistema que lhe alimenta até os dentes com uma produção de má qualidade, e não lhe dá tempo de digestão.

Com Dixit, foi possível introduzir o cuidado com o olhar: a cada jogada, todas as cartas na mão devem ser olhadas e analisadas em seus detalhes. Isso leva tempo, tempo esse que quase não existe para nós. Quem tem tempo hoje em dia? O jogo por si só é um mergulho na conexão entre o domínio material da imagem e o imaterial, relacionado às memórias, aos pensamentos, aos sentimentos etc.

Seguindo para as ocupações de espaços pela escola, exploramos como um mesmo lugar pode possuir vários significados - como uma mesma imagem pode ter

vários sentidos. Depende de quem cria, mas depende também de quem vê. Como o tabuleiro, os jogos teatrais seguiram o esquema faz-lê, notando como a avaliação cuidadosa de uma imagem pode tornar a próxima imagem criada mais complexa.

Até aqui, foram analisadas uma maneira de explorar a estrutura do jogo e duas maneiras de relacionar espécies diferentes: uma, por meio do corpo, outra, por meio da imagem. Apesar de três palavras diferentes, foram elas que se tornaram substrato para a criação dos alunos.

Nasceram, daí, dois jogos. Os alunos de uma escola criaram um jogo de ocupação espacial, tridimensionalização do corpo, observação de detalhes visuais e transposição para uma escultura material. Na outra escola, foi elaborado um jogo de improvisação cênica baseado na construção de um cenário, nas narrativas tecidas por um vencedor e na comunicação corporal que os perdedores devem exercer.

Em um único encontro, reverberando toda a trajetória do trabalho, os dois grupos de alunos foram capazes de articular, de maneira orgânica, quatro elementos diferentes da composição cênica trabalhados em sala, cada qual como um detalhe dentro dos jogos.

“Os jogos desenvolvem as técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar” (SPOLIN, 2015). Se o jogo possui uma capacidade intrínseca de retroalimentação, a criação de um jogo deve renovar esse ciclo interno por meio das vontades e dos conhecimentos dos criadores.

Os alunos estavam offline, fora de um mundo virtual onde vivem mais tempo do que ficam na escola ou em casa. Os jogos fizeram eles se conhecerem e trabalharem juntos, frente a frente. O jogo criado é uma obra: a materialização da arte da presença.

Diante do avanço da virtualização do mundo, a experiência offline ainda é notada: um show de uma banda, uma festa na cidade, uma peça teatral, um espetáculo de circo, um palhaço no hospital, uma conversa sobre política, uma dança realizada no meio da rua, uma música cantada num bar, uma manifestação, uma

performance. Todas essas são experiências vivas em nossas memórias propostas

pelas artes da presença, aquelas que necessitam - ainda - estarem no mesmo espaço-tempo para serem experienciadas.

A experiência presente é necessária.

Mas não nego que o avanço da dimensão digital já esteja confundindo os contornos daquilo que é presente. Se é possível se comunicar com alguém no outro

lado do mundo em tempo real, talvez seja necessário um mergulho completamente

online para investigar se, e como, a barreira espacial está se extinguindo.

Depois de muito tempo de estudos práticos e teóricos, encontro-me em uma encruzilhada de caminhos que me fogem à vista: quais são os limites da experiência presente. Que novos contornos ela pode assumir com o desenvolvimento das tecnologias digitais, crescido ao lado da juventude do milênio?

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