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Os bovinos de pelagem da cor do barro, com fêmeas de estatura média e chifres em forma de lira, força desmedida, mas feitio dócil e mimado; e machos corpulentos, garantes da descendência e da honra da aldeia, são a ração Barrosã. Esta raça é em si mesma o garante de uma imagem para este concelho, pelas suas qualidades de resistência física e de docilidade afectiva, embora os bois tourões sejam mais violentos e possantes. Estes animais, porque nasceram em montanha, foram a força aliada do Barrosão, no cultivo da terra, nos carretos da lenha, nas carradas do centeio, nas zorras que arrastão as pedras maiores para as paredes de casas e lameiros ou mesmo quando garantem a sua descendência, irão permitir a única entrada de dinheiro vivo em casa, a quando da venda dos vitelos.

“ A raça barrosã produz-se principalmente nas terras que na província de Trás-os-Montes se estendem desde a raia da Galiza ao rio Tâmega… formando o país conhecido de há muito tempo pelo nome de Barroso. … compreende ele dois concelhos: o de Montalegre e o de Boticas. É principalmente nas terras do concelho de Montalegre e nas da freguesia das Alturas, que pertence ao de Boticas, isto é, na parte mais elevada, fria e ingrata do país, no alto

Barroso, onde a raça barrosã tem o seu centro de produção, o seu verdadeiro solar.”33

Com a liberalização do mercado e o fim das fronteiras começaram a ser conhecidas outras raças, umas mais corpulentas, outras mais leiteiras, apenas para o trabalho não apareceram grandes novidades. A realidade é demasiado dura para os amantes da raça barrosã, as vitelas barrosãs crescem metade de outros animais de outras raças. É neste ponto que a Associação dos Produtores de raça Barrosã se têm batido e conseguiram apoios financeiros importantes para compensar este desfasamento no crescimento.

Pessoalmente estou convencido que a diferenciação terá de ser feita no preço de venda da carne, porque esta carne barrosã é incomparavelmente mais saborosa que a restante e não nos podemos esquecer que até hoje não há registo de aparecimento de qualquer exemplar com o doença das vacas loucas.

A cooperativa agrícola de Montalegre, cometeu um erro histórico, quando por uma guerra de protagonismo com Boticas, para ser a detentora do livro genealógico da raça e a sua certificação, decide criar uma denominação de origem para o gado “Cruzado dos lameiros de Barroso”, que mais não é do que aproveitar o cruzamento possível entre seis

raças diferentes e dizer que se vivem neste concelho, são boas. Teve uma vantagem, protegeu a raça barrosã de ser comida completamente, num ano ou dois de boas vendas.

Aceito o argumento científico que afirma que oitenta porcento da qualidade da carne está directamente ligado com o tipo de alimentação do animal, mas tenho certeza absoluta que a raça barrosã é autóctone de Barroso (até deu o nome á região), e que a qualidade da carne é superior a qualquer outra. A promoção deste concelho de montanha, onde a maioria da riqueza que se produz vem da pastorícia, não pode perder as suas pérolas, de sanidade animal e as qualidades da raça autóctone. Estes são os melhores argumentos para uma promoção que se deseja de sucesso.

9.2. A Chega de Bois

A “chega dos bois” é a maior manifestação cultural representativa da identidade barrosã, não só de cada aldeia mas também do ser de um povo com características bem definidas.

Se o Ecomuseu de Barroso quiser apresentar um símbolo ou uma manifestação cultural que por si só seja o logótipo da região, onde tanto os locais como os visitantes reconheçam a imagem da região, apenas a “Chega dos Bois “ será consensual.

A chega de bois teve a sua origem na existência do Boi do povo. Este animal sendo muito corpulento era difícil de alimentar, por apenas um agricultor. Uma vez que as nossas aldeias viviam de forma comunitária, a existência do boi do Povo era uma necessidade inquestionável. Eram os mais novos que mais se ocupavam do tratamento de tal animal, desde roubar milho e centeio nos terrenos das aldeias vizinhas, a pernoitar no sobrado da corte do boi para que ninguém ou solte de noite para fazer alguma chega nocturna. O boi tinha tratamento vip, sendo mesmo considerado uma peça central na organização da comunidade, exemplo disso é a existência de sino na sua corte, ter uma “lama” um lameiro para pastar sozinho ou mesmo a torre sineira de Travassos do Rio com a cabeça do touro, no torreão. O bicho apenas tinha de se empenhar na garantia da descendência na aldeia e representar o orgulho da aldeia nas lutas, ou seja nas chegas dos bois.

O boi era tão importante na vida da aldeia, que em aldeias mais ricas havia dois animais, para que um fosse o reprodutor na vacas que nunca abortaram e o outro fosse usado nas vacas “estragadas”, aquelas que abortaram ou tinham alguma doença.

Os dias de chega eram dias muito importantes na aldeia. Os rituais começavam semanas antes com os longos passeios á serra, para que o boi tivesse maior preparação física. Nessas semanas dormia sempre alguém no palheiro, para não permitir que os rapazes das aldeias vizinha tentassem qualquer brincadeira de mau gosto, que seria soltar o animal, dar-lhe alguma coisa para o adoecer, ou leva-lo a fazer a chega com o outro boi que viria a turrar mais tarde, para lhe baterem para que ele apanhe medo ao outro boi e quando for a chega oficial este fuja. No dia anterior leva-se o boi a conhecer o terreno combinado para a chega e à noite a aldeia reúne-se e reza o terço, dando voltas, atrás do boi no adro da capela do padroeiro da aldeia. No dia combinado está tudo a postos, o boi com os corno afiados, os paus escondidos estrategicamente pelos membros da aldeia, para que se as coisas não estiverem a correr bem (o que acontecia quase sempre), os aldeões tivessem algo a que recorrer. Como era proibido andar de pau, apenas o que tocava o boi, o podia fazer, se perdiam a chega teriam de ganhar à paulada.

Para quem ganhava a chega era o êxtase total. Começava ali um jogo erótico em que as moças novas tiravam os saiotes (que nesse dia era sempre vermelho) para os colocar nos cornos do boi, dando início ao cortejo de vitória de regresso á aldeia, onde as mulheres mais velhas já tinham preparado uns petiscos e muito vinho, para todos, não esquecendo o boi. Esta festa podia demorar dois ou três dias, dependendo se a aldeia perdedora era mais ou menos rival. Ao rival perdedor só lhe resta um fim, como dizem ainda hoje os Barrosões de verdade: “Boi que perde vai para o talho.”

O boi, era o garante da honra e da supremacia sobre os povos vizinhos. Compreende- se, agora melhor o lugar de destaque que o boi do povo atingiu nas nossa aldeias barrosãs.

Hoje, com o aumento da riqueza das famílias, o boi do povo perde importância, apenas existe um, na aldeia de Covelães, porque os grandes agricultores têm capacidade de o manter. Isto leva a que as chegas se tornem um negócio de dinheiro, o que leva a que os animais façam mais chegas e os espectáculos sejam mais fracos. Aparece uma componente nova do acontecimento que é o bilhete para ver a chega e está destruído o orgulho da aldeia.

Em Montalegre, surge uma nova vertente do espectáculo, o relatador da chega. Ainda só há um, o Sr. Fernando do Barracão, que não perde uma chega e grava para a rádio Montalegre o relato, como de um jogo de futebol se tratasse. Entrevista os donos, recolhe as suas impressões para a chega e no final dá-lhes voz para que possam desculpar se da

derrota do seu boi. 34

34 JN, dia 07-11-2005, pag. 12

Mesmo tendo perdido o fulgor e o radicalismo, possivelmente exagerado de antigamente, as chegas dos bois continuam a ser o grande acontecimento que arrasta milhares de pessoas. Agora as chegas começam a ser feitas por bois de várias raças que não a barrosã, o que fez perder muito do brilho que a ração barrosã proporciona, no jogo e som dos cornos, bem como da capacidade de garra para a luta. No mês de Agosto é a loucura dos nossos emigrantes, povo que cristalizou de forma sólida o modo de vida que tinham antes de sair do país. São eles os melhores informantes relativamente às tradições que se baseiem em vivências.

A chega dos bois está sempre presente em qualquer comício politico, como motor de movimentação de multidões e como predisposição para a festa e a alegria que estes momentos necessitam.

Muitos escritores se sentiram inspirados a escrever sobre algo, que não é único no mundo, também o Irão, a indonésia e o Japão as têm embora mais na vertente das apostas. Em Montalegre a única aposta que pode acontecer é ser feita uma chega de “rapa” o boi que perder fica a pertencer ao dono do outro boi, mas isto acontece cada vez menos vezes, talvez os donos tenham deixado de ser tão corajosos ou os bois não sejam tanto de confiança.

Para guardar esta memória colectiva e perpetuar os inúmeros artigos publicados sobre as chegas dos bois, quer pelos escritores locais, quer por grandes nomes como Miguel Torga, o Ecomuseu tem preparada uma edição muito interessante: “As Chegas de Bois – Uma Antologia” que será lançada no mercado até dia ao final do ano de 20005.

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