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3 OS MÚLTIPLOS SENTIDOS DO ATO DE LER: OS QUADRINHOS E AS

3.1 A IMAGEM

Imagem 27 - Homem Aranha tirando uma foto. Fonte: Granov, Adi. Amazing Spider-Man #552 (capa variante)

Para entendermos o sentido do ato de ler aplicado às HQs destacamos o único elemento que não pode faltar em um quadrinho – a imagem.

Com este objetivo utilizamos como base teórica o livro a Imagem do estudioso francês Jacques Aumont (1993) que trabalha amplamente a questão. Nossa escolha se pauta no fato de além de ser uma obra primorosa na qual o autor define seu ponto de vista para a construção de uma “pedagogia da imagem” e opta por permanecer em conceitos gerais de várias áreas do conhecimento e não teorizar sobre um tipo específico de imagem, o que está de acordo com nossa proposta da construção de um pensamento multidisciplinar em nossa investigação sobre

as HQs como fontes de informação, proporcionando desta forma uma visão mais ampla da questão junto ao nosso campo específico, a CI. Segundo o autor:

É banal falar de “civilização da imagem”, mas esta expressão revela bem o sentimento generalizado de se viver em um mundo onde as imagens são cada vez mais numerosas, mas também mais diversificadas e intercambiáveis. O cinema hoje, é visto na televisão, como a pintura a bastante tempo, é vista em reprodução fotográfica. Os cruzamentos, as trocas, as passagens da imagem são cada vez mais numerosos e pareceu-me que nenhuma categoria particular de imagem pode atualmente ser estudada sem que se considerem todas as outras. (AUMONT, 1993, p.8, grifos do autor).

Os cruzamentos aos quais o autor se refere fazem parte da realidade dos quadrinhos tanto do ponto de vista de sua materialidade, já que muitas histórias não apenas são transpostas para formato digital como algumas são criadas e difundidas unicamente neste ambiente (Web comics)21; como roteiros e personagens que são transpostos para o cinema e a estética reproduzida através da pintura, por exemplo. Sem falar em narrativas que se complementam (transmídia) como é o caso de Matrix dos irmãos Wachowski cuja história é dividida entre os filmes, animações, um game e quadrinhos.

O autor sintetiza em cinco questões a problemática da Teoria da Imagem:

1. Já que este livro é dedicado às imagens visuais, é preciso começar por perguntas sobre a visão das imagens. O que é ver uma imagem, o que é percebê-la, e como essa percepção se caracteriza com relação aos fenômenos perceptivos em geral? 2. A visão, a percepção visual, é uma atividade complexa que não se pode, na verdade, separar das grandes funções psíquicas, a intelecção, a cognição, a memória, o desejo. Assim, a investigação, iniciada “do exterior”, ao seguir a luz que penetra no olho, leva logicamente a considerar o sujeito que olha a imagem, aquele para quem ela é feita, o qual chamaremos de seu espectador.

3. Sempre seguindo o mesmo fio imaginário, é claro que esse espectador jamais tem, com as imagens que olha, uma relação abstrata “pura', separada de toda a realidade concreta. Ao contrário, a visão efetiva das imagens realiza-se em um contexto multiplamente determinado: contexto social, contexto institucional, contexto técnico e contexto ideológico. É o conjunto desses fatores “situacionais”, se assim se pode dizer, fatores que regulam a relação do espectador com a imagem, que chamaremos dispositivo.

4. Ao ter assim considerado os principais aspectos da relação entre uma imagem concreta e seu destinatário concreto, torna-se possível levar em conta o funcionamento próprio da imagem. Que relação ela estabelece com o mundo real – ou seja: como ela o representa? Quais são as formas e os meios dessa representação, como ela trata as grandes categorias de nossa concepção da realidade que são o espaço e o tempo? E, também, como a imagem inscreve significações?

5. Enfim, não é possível falar da imagem sem fazer referência às imagens efetivamente existentes. Entre essas imagens reais este livro optou por privilegiar as imagens artísticas. […] (Op. Cit., p.8-9, grifo nosso).

No primeiro ponto o autor discorre sobre o mecanismo da percepção visual; apresenta uma série de elementos técnicos sobre como nosso corpo reage os estímulos externos e os transforma nas imagens. Destaca com este intuito os processos biológicos e químicos da interação de nossos olhos com a luz que resultam tanto na reprodução de imagens reais como de ilusões de ótica.

No segundo, o autor busca definir quem é o espectador da imagem? Ou seja, que elementos definem a especificidade daquele que observa a imagem (contexto social e histórico, assim como vivências pessoais, etc.);

No terceiro, discorre sobre qual a relação que se estabelece entre a imagem e o espectador Aqui, Aumont utiliza o termo “dispositivo” para descrever o conjunto de dados/determinações materiais e organizacionais que

englobam e influenciam qualquer relação individual com as imagens. Entre essas determinações sociais figuram em especial os meios e técnicas de produção das imagens, seu modo de circulação e eventualmente de reprodução, os lugares onde elas estão acessíveis e os suportes que servem para difundi-la. (Op. Cit.,p. 139).

No quarto, sobre como a imagem representa a realidade. O autor recorre a conceitos como o de analogia na busca de um entendimento sobre o que é representado pela imagem e sua significação;

No quinto, busca uma definição para a imagem artística. Aqui, são destacados elementos sobre a questão afetiva na relação entre o espectador e a imagem.

Para complementar esta visão geral das teorias de Aumont e reforçar nossa defesa dos quadrinhos como objeto artístico que veicula a informação sobretudo pelos laços de afeto e empatia entre o leitor e a obra, trazemos a fala da cientista da informação e doutora em filosofia Lídia Brandão Toutain sobre a imagem e sua representação:

A imagem pertence ao campo da representação das ideias e afetos. Se o ícone é usado para representar fatos artísticos é porque tem valor em si mesmo, o que permite a criação de um modelo para dar corpo aos objetos e figuras. Entretanto, essas formas não são ícones universais; por isso, ao contemplá-las, deve-se ter presente a interpretação que podemos lhe dar. (TOUTAIN, 2010, p. 77).

Tais questões teóricas são importantes para pensarmos o que é uma imagem e qual o seu papel na narrativa quadrinística. Trazemos na Imagem 27, que abre este capítulo, a figura do super-herói de quadrinhos Homem Aranha, cuja identidade secreta é Peter Parker, um fotógrafo que lida em seu cotidiano com diversos dispositivos da imagem e vive em um jogo constante de perspectivas. Capturando imagens em ângulos privilegiados para publicar em um jornal. Entre o real e arte brincando com o olhar do espectador.

A situação vivida pelo personagem nos serve como uma gancho lúdico para refletirmos sobre o que foi dito por Toutain e Aumont sobre a imagem, sobretudo com relação a interpretação dada a ela de acordo dos olhos de quem a vê.

Entendemos a imagem como uma linguagem passível de interpretações diversas. Uma forma de expressão e narração que é parte fundamental das HQs. Já vimos que a leitura deve ser entendida de uma perspectiva que vai além do texto escrito. Neste tópico demos enfase a imagem. No próximo abordaremos o conceito que faz com que a linguagem se torne encantada. O jogo das formas de expressão que contam/cantam o mundo – a narrativa.