• Nenhum resultado encontrado

Logo que a parte detrás é reunida à parte da frente A igreja brilha com sua parte central clarificada. Pois claro é aquilo que claramente se une com o claro E claro é o novo edifício invadido pela nova luz105. Suger de St. Denis (1081-1151)

No presente capítulo, exploro a importância da luminosidade junto ao conjunto de vitrais e, a partir disso, investigo a relação entre os debates referentes à metafísica da luz, nos séculos XII e XIII, bem como a arquitetura da catedral106, a fim de propor uma

explicação sobre a organização dos programas iconográficos dos vitrais, orientado pelos cruzamentos das referências astronômicas e teológicas, quando analisada a localização dos diversos temas.

Como ponto de partida, penso na orientação geográfica da catedral, pois o costume cristão107 buscava construir as igrejas com sua cabeceira voltada para o Leste,

entretanto, nem todas assim foram construídas, e a catedral de Chartres encontra-se dentre as exceções.

Em Chartres, a sequência de diferentes edifícios que foram construídos e reconstruídos, do século VI ao XIII, preservou a mesma orientação geográfica para a catedral: 48º 26’ 51’’ para o Norte e 1º 29’ 14” para o Leste, uma posição muito próxima do alinhamento com o nascer do sol no solstício de verão: 51,58º graus Leste para o Norte; logo, tal alinhamento enfatiza a importância dos conhecimentos astronômicos para favorecer a entrada da luz no templo, a qual ganhou um destaque ainda maior no século XII, mesmo que isto seguisse o “alinhamento típico” da igrejas cristãs conforme mostra a imagem abaixo:

105Pars nova posterior dum jugitur anterior,/ Aula micat medio clarificata suo. / Claret enim claris quod clare concopulatur, / Et quod perfundit lux nova, clarete opus / Nobile... SUGER DE SAINT-DENIS. De

Consagratione. Transcrição: PANOFSKY, Erwin. "O abade Suger de S. Denis". In: PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 149-190, p. 173. (Tradução nossa)

106 No imaginário popular, os clérigos exaltaram a preservação da Sancta Camisia, relíquia que pertencera a Virgem Maria. Diz a crença de que Nossa Senhora desejara um templo maior, à altura de sua santidade, uma explicação piedosa para a motivação do incêndio da igreja. A catedral de Chartres, assim como a de Soissons, foi pensada como uma cruz latina, tendo sua cabeceira ocupada pela abside, em torno da qual há um duplo deambulatório com capelas radiais, destinadas à exposição de relíquias para a contemplação dos peregrinos.

107 Constitutiones Apostolorum. Livro II, capítulo 57 in YARZA, J. (ORG.) Fuentes y documentos para

Esquema da orientação da catedral de Chartres em relação ao eixo Leste-Oeste108

A ampliação da catedral que deu origem ao edifício gótico, construído após o incêndio de 1194, preservou a mesma orientação, dessa forma a cabeceira da igreja está alinhada num ângulo de 23,5º graus em relação ao eixo Leste-Oeste; segue, portanto, uma angulação próxima à 23,27º graus, que é a inclinação da Terra em relação ao

108 STRACHAN, Gordon. Chartres: Sacred geometry, sacred space. Edinburgh: Floris Books, 2003, p.11.

seu eixo109, facilitando não só o alinhamento da luz com os vitrais presentes na abside,

mas também dos vitrais presentes nas outras partes da igreja.

A importância dessa angulação em relação ao eixo Leste-Oeste envolve a observação da trajetória que o Sol realiza aparentemente no céu, resultado de um movimento elíptico, dessa forma, permitiu a marcação dos raios solares no solstício de verão e de inverno, dados considerados na elaboração da planta da catedral.

As observações astronômicas e geográficas produziram informações que uniram o

sagrado e o profano na construção110 da catedral de Chartres, havendo uma dinâmica

bastante fecunda entre a importância da luz e sua relação com as imagens, seus lugares e a liturgia, que estabelece um repertório religioso a respeito do evento cultuado, enaltecido pela ornamentação do espaço: o belo, enquanto integrante do culto, a partir das imagens e cores.

A posição dos vitrais é um elemento chave, porque seu locus (altar-mor, abside, coro, deambulatório, transepto, naves laterais e fachada) implica estabelecer uma relação da categoria ordem com o conceito de visualidade, e este se relaciona com a hierarquia (o que deve ser visto primeiro e por último), reiterando, por sua vez, a ideia do edifício religioso como um lugar de imagens; tudo isso orientado pela luz.

O conceito de lugar de imagens se apresenta na reflexão sobre o locus numa concepção cruzada com o decor, porque envolve a ideia de honra, ou mesmo prestígio, que a imagem tem e que, por sua vez, também se relaciona com o elemento da temporalidade; uma vez que se pense tanto no tempo litúrgico, quanto no tempo ordinário, relacionado à marcação de algum fenômeno astronômico (como o solstício ou equinócio).

Dessa forma, a temporalidade em seus diferentes contextos de manifestação, era articulada com a devoção, a qual se organizava numa ampla variedade de imagens no interior do templo e, assim, sua estrutura arquitetônica e os elementos

109 SCHWARZ, Felix. Cathédrales: symboles et lumière. Paris: Éditions Nouvel Angle, 2009, p. 114- 115.

110 A nave central de Notre-Dame de Chartres é uma das obras-primas góticas, uma vez que as tribunas são suprimidas pela primeira vez e a parede é dividida em três níveis, o menor correspondendo às arcadas que separam as naves, a central ao trifório e o superior para a galeria de janelas, onde o vitral substitui a parede para dar maior luminosidade e leveza ao edifício, além da abóbada quadripartida, o habitual do século XIII, em todo o templo. Para o exterior, apresenta contrafortes poderosos que indicam a força da construção, servindo de apoio à abóbada ao receber o empuxo dos contrafortes, pois em toda a catedral de Chartres, encontramos o sistema de contrafortes voadores para distribuir as pressões, desenvolvendo sua estrutura de forma imponente.

ornamentais111 dialogavam com a ação dos fiéis e clero nos ritos sagrados, envolvendo passado, presente e futuro simultaneamente: o equilíbrio das formas, matéria e cores; a harmonia dos gestos, ações e cânticos, em suma, a delicadeza da criação divina em sua plena funcionalidade.

Na observação dos elementos estéticos, pode ser destacado o peso da geometria. Henri Focillon112 apresenta a possibilidade de uma aproximação estética entre a

concepção artística de Villard de Honnecourt e seu contemporâneo Robert Grosseteste (1168-1253), pois este último declarava que, sem a geometria, seria impossível entender a Natureza113, porque todas as formas dos corpos são, em

essência, geométricas (linhas, ângulos, figuras regulares etc.) e também confirma a importância da metafísica para a união da harmonia musical e a luminosa.

A proposta de Otto von Simson114 é de que o sistema geométrico usado na fachada

ocidental de Chartres tenha sido obtido por Thierry de Chartres, diretor-mestre do Capítulo da cidade. Com uma perfeição ainda maior do que em Saint-Denis, essa fachada evoca o caráter místico do templo como "Casa de Deus e Porta do Céu". Ao redor do Pantocrator, aparecem os coros de anjos e santos no "concerto" da hierarquia celestial. Em "medida, número e peso", Thierry de Chartres tentou apreender o princípio básico da Criação115.

É na relação entre a imagem e seu lugar que a noção de ordem, enquanto categoria filosófica, articula-se com duas outras categorias, o equilíbrio e a variedade, as quais permitem pensar a questão do programa iconográfico dentro da junção dos temas ali representados e a relação destes com as reflexões sobre a importância da luminosidade.

Entendo que o próximo passo seja apontar elementos existentes na dinâmica dos conhecimentos técnicos dos mestres-construtores da catedral e sua relação com a produção filosófica e teológica dos séculos XII e XIII, quanto à metafísica da luz e seu desdobramento para a organização dos vitrais.

111 DE BRUYNE, Edgar. Études d’esthétique médiévale. Bruges: De Tempel, 1946. Vol. III.

112 FOCILLON, Henri. Art D’Occident: Le Moyen Âge Roman et Gothique. Paris: Librairie Armand Colin, 1955, 3ª ed.

113 CROMBIE, A. C. Robert Grosseteste and the Origins of Experimental Science. Oxford: Claredon Press, 1961, p. 116.

114 SIMSON, Otto von. A catedral gótica: as origens da arquitetura gótica e o conceito medieval de

ordem. Lisboa: Editorial Presença, 1991, 1ªed.

Em suas reflexões filosóficas sobre o Cosmos, Guilherme de Conches (1090-1154), estudioso que pertencera ao Capítulo de Chartres, apresenta uma série de considerações relacionadas à observação do desvio da elíptica em relação à linha equatorial celeste em seus Diálogos de Filosofia, fornecendo algumas referências da importância da Astronomia como um saber científico, integrante do quadrivium nas Artes Liberais116.

Dentre os temas investigados entre os séculos XII e XIII, a luminosidade ocupou um lugar especial, tanto nos desdobramentos dos estudos neoplatônicos que se desenvolviam no capítulo de Chartres, quanto nos estudos de óptica de Robert Grosseteste117 no século XIII, que o levaram a insistir no problema da luz: ela fornece

uma imagem do universo formado por um único fluxo de energia, de energia luminosa, que é ao mesmo tempo fonte de beleza e de ser.

A perspectiva do pensamento de Grosseteste é emanacionista: da luz única derivam, por rarefações e condensações progressivas, as esferas astrais e as zonas naturais dos elementos, e, consequentemente, as gradações infinitas da cor e os volumes mecânicos-geométricos das coisas: “Por isso, ou a corporeidade é a própria luz, ou ela age desse modo e confere as dimensões à matéria, porque participa da natureza da luz e age em virtude dela.”118

O conjunto de vitrais representa uma significativa massa de vidro, responsável por facilitar a entrada de luz e, ao mesmo tempo, trazer, na sua superfície, diversas imagens, as quais formam um rendilhado brilhante e colorido que preenche o interior da igreja, dotando-a de beleza, vitrum vestitum, nas palavras de Suger119, analisadas

por Erwin Panofsky120, ao se preocupar com a reflexão do abade de Saint-Denis sobre

o belo e a relação deste com o templo e o louvor a Deus.

116 TOMASINI, María Cecillia. La orientación de la catedral de Chartres y su relación con los solsticios:

una lectura neoplatónica. Cuadernos Medievales 18 – Junio 2015 – p. 23-37, p. 34. Grupo de

investigación y Estudios Medievales, Facultad de Humanidades UNMdP, Mar del Plata, Argentina. 117 GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 583.

118 NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do. O tratado sobre a luz de Roberto Grosseteste. Trans /

Form / Ação , Marília, v. 1, p. 227-237, 230, 1974. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

31731974000100013&lng=en&nrm=iso>. acesso em 08 de abril de 2018.

http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31731974000100013.

119 KESSLER, Herbert. Spiritual seeing: picturing God’s invisibility in Medieval Art. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2000.

120 PANOFSKY, Erwin. "O abade Suger de S. Denis". In: PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes

Na epígrafe deste capítulo, entendo não só a importância da luz que se expande pela igreja, como descreve poeticamente Suger; mas também a dicotomia entre luz e treva, pensando como a primeira, exaltada por Dionísio Pseudo-Areopagita, contrasta-se com a segunda, reiterando os conceitos de præsentia e revelação, numa dimensão regrada pela anagogia, pela ideia de elevar o humano ao divino; dessa modo, a luz separa as formas, estabelece os contornos e permite a existência de diferentes formas de representação, seja na pedra, seja no vidro.

Dentre as metáforas121 que aparecem nos textos cristãos para aludir ao poder de

divino, a luz é um desdobramento da ação criadora da divindade, tendo um papel decisivo na organização de uma concepção espiritualizada do Universo; pois, se é a luz que define a forma do que é visto, ela fornece a definição das cores nas mais variadas intensidades. Pelo pensamento cristão, o ser humano estaria partilhando uma fração da magnitude divina, já que a plenitude lhe seria fatal, uma vez que é inferior pela lógica da Criação.

O pensamento neoplatônico manifesta-se a partir da concepção de que “Deus é luz”, presente nas palavras do Evangelho de João 122 ou ainda pelos escritos de Plotino:

“(...) Tu te vês neste estado? Então te tornaste uma visão; tem confiança em ti; embora permanecendo aqui, hás subido ao alto, e não tens necessidade de guia. Fixa o teu olhar e contempla. Porque este olho só é o que pode ver a grande Beleza. (...) Porque é necessário que o olho se faça semelhante e parecido com o objeto visto, para poder contemplá-lo. Jamais veria um olho o sol, sem haver-se tornado semelhante ao sol; nenhuma alma veria o belo sem ser bela (...)?”123

A teologia mística de Dionísio Pseudo-Areopagita124 é o vértice sistematicamente

necessário das concepções teológicas neoplatônicas que aparecem desde o princípio

121 Dentre as primeiras representações conhecidas do Cristo – o mosaico vítreo do Cristo-Sol conduzindo o carro celeste de Apolo, 103,5 x 142,5 cm, na abóboda do Mausoléu M “dei Iulii” da Necrópole Vaticana, provavelmente de meados do século III – aponta a identificação entre Apolo e a luz do sol e nisso, é possível identificar a associação e o trânsito da figura de Apolo com a de Cristo. 122 Jo 1: 5-7. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus Editora, 2002, p.1842.

123 PLOTINO. Tratado das Enéadas. (Trad.) SOMMERMAN, Américo. São Paulo: Polar Editorial, 2002, p.33.

124 O Corpus Dionysiacum consultado nesta pesquisa compreende Dos Nomes divinos, a Hierarquia

Celeste e a Teologia Mística no intuito de buscar uma visão de conjunto do pensamento deste religioso

que viveu no Oriente cristão por volta do século VI e que fora dotado de uma significativa fortuna crítica, seja no âmbito de sua pessoa (a questão da falsa identificação com o primeiro bispo de Atenas ou mesmo com o bispo de Saint-Denis), seja nas traduções e comentários de sua obra que ocuparam figuras de grande projeção como Hilduíno, João Escoto Erígena, Alberto Magno, Hugo de São Victor e São Tomás de Aquino.

até o fim de seus escritos, que portam uma teologia mística sem fratura na elaboração arquitetônica da obra.

Neste contexto, a tendência do homem em direção a Deus é precedida do amor divino pelo mundo – a graça. A experiência mística, nas palavras de Dionísio Pseudo- Areopagita, tal como em toda a tradição judaico-cristã, é um dom divino. Para Plotino, é uma consequência do esforço humano.

Enquanto a união, em Plotino, é uma tomada de consciência da unidade primordial entre o homem e Deus, a união mística de Dionísio é um novo estado, uma passagem do criado ao incriado – uma deificação. Demonstradas as diferenças entre o neoplatonismo e o pensamento dionisíaco, cabe o questionamento da razão das semelhanças. Tal pergunta conduzirá às motivações da obra do Pseudo-Areopagita. Observa-se uma concepção emancipacionista do Bem; tendo, por inspiração, a Luz. O Bem é o belo e a harmonia da Luz, ao homem cabe vê-la, contemplá-la e aspirar a ela. Nesta perspectiva, observa-se uma possibilidade de indução ao êxtase místico pela contemplação do divino materializado nos objetos e elementos decorativos. Segundo Salvatore Lilla125, Dionísio Pseudo-Areopagita está inserido no

neoplatonismo tardio; dessa forma, a leitura de sua obra implica a compreensão da importância de se voltar para Deus em um percurso ascendente. Trata-se da busca da iluminação; porque, neste caminho em direção ao divino, está o leigo que irá se relacionar com o sagrado através da hierarquia celeste.

O Pseudo-Areopagita apresenta uma comparação entre o bem metafísico e o sol, e esta relação se aproxima daquilo que Platão apresenta no livro Timeu, onde sublinha a importância do olho, que só pode compreender o que é visível a partir de terceiro elemento, a luz; dessa forma o elemento inteligível, a ideia, seria compreendido se ambos, olho e ideia, fossem iluminados pelo bem:

“um quarto gênero de sensação que é forçoso que determinemos, pois envolve em si mesmo um grande número de variedades; a todas elas chamamos “cores”. Trata-se de uma chama que emana de todos os corpos, cujas partículas têm a mesma dimensão que as do raio de visão de modo a produzir a sensação; nos discursos anteriores dissemos algo sobre as causas da origem da visão. No que respeita às cores, eis a explicação que está mais de acordo com a verossimilhança e que parece ser adequada para expor detalhadamente. As partículas que vêm de outros corpos e chocam-

125 LILLA, Salvatore. L’oriente greco: dai cappadocci allo Pseudo-Dionigi L’Aeropagita, in DALCOVOLO, E. (org.), Storia dela teologia 1: Dalle origini a Bernardo di Chiaravalle. Bologna: Dehoniane, 1995, pág. 321-331.

se com o raio de visão são por vezes mais pequenas, por vezes maiores e por outras têm a mesma dimensão que as do raio de visão.”126

Assim, o sol não somente torna visível as coisas inteligíveis, mas também sustenta o ser delas. O sol, portanto, é o bem inteligível, pois é o próprio visível; a geração de crescimento que o sol proporciona implica estar numa relação de dignidade e poder acima do ser. Neste cotejo, observa-se a aproximação com o pensamento de Proclo que aponta, neste caso, a origem do dito latino "O bem se difundiu por si".

A esse respeito, a transmissão da luz, de uma ordem para outra dentro da hierarquia celeste127, implica a observação daquilo que vem do mais perfeito, Deus, para aquilo

que vai em direção ao menos perfeito, o ser humano, assim sendo, a contemplação da luz e daquilo que esta revela, tem por perspectiva, a busca do sagrado. A relação que Pseudo-Areopagita estabeleceu entre a luz e bem favorece o olhar sobre o conceito de anagogia:

"E da bondade é que derivam os ordenamentos supra cósmicos, as suas uniões, as suas relações recíprocas, e as distinções não confusas, e o poder do seres inferiores de tender para o superiores, e a providência dos antigos sobre o subordinados, e o cuidado com os atributos de cada potência, e a involução às irreversíveis em torno de si mesmos, e assim mutabilidades e elevações acerca do desejo do bem. Tudo o que concerne à Hierarquia Celeste, ou seja, as purificações dignas da hierarquia; suas iluminações, que não são deste mundo, o acabamento toda a perfeição angélica, tudo provém da bondade, que é a causa universal e sua fonte . Desta forma revelar em si mesma a bondade escondida e tornar-se verdadeiramente anjos, enquanto anunciadores do silêncio divino, colocados, por assim dizer, como luzes resplendentes que interpretam aquilo que está no lugar inacessível." 128

126 PLATÃO. Timeu-Crítias. (Trad.) LOPES, Rodolfo. Coimbra: FCT, 2011, 1ª edição, p.166.

127 A revelação da divindade de Deus, em primeiro lugar, dá-se aos anjos e daí se concebe a visualização de uma hierarquia. Deus ocupa o seu topo e junto dele, encontra-se a primeira tríade formada pelos serafins, querubins e tronos. Logo abaixo, encontra-se a segunda tríade composta pelas dominações, principados e potestades. Por fim, a última tríade organizada pelas virtudes, arcanjos e anjos.

128 DIONÍSIO PSEUDO-AREOPAGITA. Dos nomes divinos. (Trad.) SANTOS, Bento Silva. São Paulo: Attar Editorial, 2004, 1ªed, p. 91.

Na reflexão sobre o espaço sagrado e as atividades que ali ocorrem, as imagens presentes e o culto praticado sublinham o interesse do encontro com Deus, pois este conjunto se articula como elemento de mediação entre o terreno e o divino.

Tomando as palavras do Pseudo-Areopagita, a luz sensível, oriunda do sol permite estabelecer uma metáfora para se pensar a “luz divina” que seria percebida pela experiência mística, resultante do sentimento da fé e portanto, passível de oferecer ao fiel uma vivência transcendental e daí alcançar a ascese espiritual129.

Neste processo, como alerta o Evangelista João, “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz”130, ocorreram inúmeros desvios, o

que os afastou da “Luz Verdadeira” que é Cristo e os aproximou da luz caliginosa, as trevas e nelas, o domínio do mal, Lúcifer, marcado pela soberba e inveja.

A devoção a Deus é expressa pelo conjunto de experiências que envolvem o sentimento de præsentia: os gestos, as preces, os ritos e como nestes procedimentos diversos, a luminosidade; e, por assim dizer, a própria visualidade tem uma relevância, ao ocupar o espaço existente entre o homem e Deus.

A contemplação das imagens no lugar sagrado destaca a construção de um repertório religioso, a qual envolve a dimensão estética manifestada nas imagens que possuem diferentes relações entre si dentro de uma mesma janela e com outras na catedral e, assim, colaboram não só para a contemplação dos visitantes, mas também para constituição de uma forma de louvor a partir da ostensão das imagens aos olhos de Deus; o belo, portanto, constitui-se como oferenda, reiterando a fé e a retomada do contato com o princípio de tudo.

129 Na diferenciação dos conceitos da luz sensível e da “luz divina”, recorro a Henri-Charles Puesch, no

Documentos relacionados