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CAPÍTULO 1: DAS CAVERNAS AO DÍGITO

1.2 IMAGENS PARA TODOS

As transformações que vinham ocorrendo no campo da ciência e da técnica na segunda metade do século XVIII, aliadas a outros fatores como: a ascensão da burguesia, o aumento populacional na Europa e a ampliação da demanda dos mercados consumidores externos, provocaram a chamada Revolução Industrial. Essas mudanças, ocorridas inicialmente na Inglaterra, influenciaram diretamente na forma de se produzir e consumir imagens. A imprensa fortaleceu-se como mídia das massas, e a industrialização dos processos de reprodução de imagens contribuiu para que a gravura, e mais adiante a fotografia e o cinema, se tornassem populares entre todas as classes sociais.

Com o tempo, o modelo Neoclássico de produção artística, baseado em preceitos iluministas, entrou em declínio, principalmente devido ao crescimento do Romantismo, que procura uma arte liberta de regras, ou uma arte que não pode ser ensinada. Torna-se forte o movimento de oposição às academias, tanto pelo Romantismo, quanto pelas vanguardas que viriam em seguida. Plaza (2003) afirma que a criação de novos formatos de distribuição e promoção de arte, como galerias, salões e espaços alternativos para exposição, também condenam as academias a uma sobrevivência medíocre e fadada ao ostracismo. A arte promovida pelos salões e galerias começa a se

transformar em produto mercadológico, cujo valor artístico é estabelecido pela bolsa de valores e “tem como centro a mídia e seu colunismo social, o beau

monde, servindo também ao poder e à lavagem de dinheiro” (PLAZA, 2003,

p.01). Esse panorama provoca uma espécie de democratização míope do consumo e produção de arte, na qual várias pessoas começam a procurar uma formação principalmente em ateliês de artistas (tentativa de adaptação ao paradigma medieval) ou de forma quase autodidata, com o único intuito de entrar para o circuito das galerias e tentar enriquecer.

Foi inevitável que o florescimento industrial colocasse em crise tanto a produção artesanal e suas técnicas refinadas e individuais, quanto a produção artística institucionalizada, que sofrera uma profunda transformação na sua estrutura e na sua finalidade. Para Argan (1992, p.12), a passagem da tecnologia artesanal, que reproduzia os processos da natureza, para a tecnologia industrial, fundamentada na ciência e que impactava negativamente na natureza, foi uma das principais causas da crise na arte na segunda metade do século XVIII. Mas se, por um lado, o ritmo frenético das máquinas e dos ambientes urbanos repelia os artistas românticos a buscarem refúgio e inspiração próxima à natureza, por outro, impulsionava a produção em série, o que contribuiu para a popularização do consumo de imagens.

A modernização nos processos de reprodução gráfica multiplicou e diversificou a produção de periódicos que se transformaram no principal veículo para a difusão de cultura de massa. De acordo com Guerra (2003), a liberdade de expressão conseguida com a popularização das publicações impressas, que eram objeto de sérias restrições por parte da monarquia e da igreja em períodos anteriores, se torna um direito inalienável quando o liberalismo torna- se a força política e econômica hegemônica no final do século XVIII. Foi por meio da imprensa que Voltaire, Diderot e Mirabeau questionaram a organização social estruturada pela nobreza e pelo clero e apregoaram os ideais Iluministas e as conquistas da burguesia.

A gravura, que já havia adquirido maturidade técnica e artística no decorrer do século XVII, servindo de base para a reprodução e difusão de obras de artistas renomados e veículo para documentação e registro da cultura da época, foi rapidamente incorporada ao processo de industrialização no século XVIII. A técnica de reprodução foi fundamental para a popularização de

jornais e folhetos, pois além de deixar a publicação visualmente mais rica, contribuía para o entendimento das informações contidas no texto, pois grande parte da população ainda era analfabeta6.

Benjamin (1985, p.166) salienta que, de todas as técnicas de gravura, a litografia foi a que realmente revolucionou a forma de se reproduzir e de consumir imagens, inaugurando um longo período chamado pelo autor de “era da reprodutibilidade técnica”.

Com a litografia, a técnica de reprodução registra um avanço decisivo. O processo muito mais conciso, que diferencia a transposição de um desenho para uma pedra do seu entalhe num bloco de madeira, ou da sua gravação numa placa de cobre, conferiu, pela primeira vez, às artes gráficas a possibilidade de colocar no mercado os seus produtos, não apenas os produzidos em massa, mas ainda sob formas todos os dias diferentes. A litografia permitiu às artes gráficas irem ilustrando o quotidiano. Começaram a acompanhar a impressão (BENJAMIN, 1985, p.166).

No entanto, o artista gravador ficou de fora dos processos de impressão, que passou a ser feito por máquinas. Pedroso (2009) afirma que a sintetização na forma e na cor presentes nas gravuras utilizadas pela imprensa no século XVIII eram pensadas para ateder unicamente objetivos comerciais. Além disso, afirma que era difícil que o artista conseguisse transmitir com perfeição o que desejava, pois a hierarquia decorrente da produção industrial, à qual a gravura estava sujeita, deturpava a imagem que ele havia concebido originalmente.

Antes da Revolução Industrial, a gravura já figurava como uma forma de arte mais acessível, sendo usada para reproduções de baixo custo das obras de pintores famosos. Mas, a partir do momento em que ela começa a ser utilizada como linguagem junto à imprensa, é que realmente se torna a primeira representação imagética de massa, pois quem não podia pagar centavos por um jornal, poderia obtê-lo gratuitamente no dia seguinte para embrulhar peixe ou forrar o chão. Pela primeira vez, as imagens estavam ali, bem próximas do

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O analfabetismo na Europa começou a ser reduzido consideravelmente no final do século XVIII. Inclusive a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada na Revolução Francesa, traz no seu artigo 11 a seguinte descrição: “A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem: todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, embora deva responder pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei”. (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789).

cidadão comum, para serem consumidas pelos olhos ou simplesmente esfoladas pelos pés. Contudo, o processo de produção dessas imagens ainda se concentrava nas oficinas gráficas, onde artistas gravadores e operários de impressão se coordenavam ao redor de pesadas máquinas para a produção em série das imagens e textos.

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