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Os Imigrantes na Região das Caldas

OS ELEMENTOS FORMADORES DA JUVENTUDE 2.1 Um Verão em Berlim

2.6 Os Imigrantes na Região das Caldas

A presença da sra. Teresina e de outros imigrantes italianos que habitualmen- te frequentavam sua casa não era isolada dentro do contexto social de Poços de Caldas, e por isso precisamos olhar para esse cenário de uma maneira mais ampla para que possamos compreender todas as camadas da teia de relações que se es- tabeleciam na cidade e que abarcavam Antonio Candido.

Na década de 1930 havia na cidade aproximadamente 190 famílias italia- nas109, muitas das quais haviam se deslocado para a pequena cidade mineira em função do complexo hoteleiro que se articulava na cidade desde as duas décadas anteriores. Nesse aspecto, o que se dava em Poços de Caldas se assemelhava mui- to à configuração de alguns municípios do estado de São Paulo: uma composição social heterogênea, que combinava “pequenos proprietários rurais em volta da cida- de, artesãos, operários especializados, comerciantes, pequenos empresários e a presença relativamente majoritária de imigrantes italianos provenientes da Toscana e da Emília-Romagna, regiões onde a militância política de esquerda era considerá- vel”.110

Esse fluxo migratório estava diretamente associado a dois fatores fundamen- tais ligados ao processo produtivo do país: o primeiro, a abolição da escravatura, que levou à substituição de mão de obra escrava pela mão de obra imigrante; e o segundo, à rota de transporte do café, que através de ferrovias interligava São Pau- lo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Desde o século XIX, a política imigratória brasileira oscilou entre o desejo de alguns liberais do Império de povoar regiões sulinas com pequenos proprietários e o desejo de grandes fazendeiros de manter a política agrária calcada no latifúndio e na agricultura para exportação. Para que esse último desejo se realizasse, a disponibili- dade de mão de obra deveria ser farta, e após a abolição da escravatura o destino

109 Ver Mario Seguso, pp. 175-179, apud Luigi Biondi: “Associativismo e militância política dos

italianos em Minas Gerais na Primeira República: um olhar comparativo.” In: Revista de história, Juiz de Fora, v. 14, n. 2, 2008, p.55.

110 Ver Luigi Biondi. “Associativismo e militância política dos italianos em Minas Gerais na Primeira

dos imigrantes passou a ser a substituição dos escravizados na lavoura. Essa políti- ca imigratória passou ainda por outras questões não ligadas diretamente ao proces- so produtivo: a tentativa de “branqueamento” da população e a necessidade da pro- moção de uma nação mais civilizada − em que o binômio senhor/escravo se dissol- vesse − por meio da introdução de pequenos proprietários também compuseram uma outra faceta do esforço de facilitação da entrada de imigrantes no país.111

Entre 1894 e 1897, quando em Minas vigorou a política de passagem subven- cionada112, entraram no estado cerca de 62.000 imigrantes, dos quais 51.000 eram italianos. A partir de 1898 até as primeiras décadas do século XX, esse fluxo de imi- gração diminuiu substancialmente, retirando Minas Gerais do panorama imigratório transcontinental. A partir daí o que se observou foi um processo de migração dentro do próprio Estado e entre os Estados do Sudeste.

No caso de Minas Gerais, os imigrantes se concentraram majoritariamente na parte no sul do Estado, inicialmente na região cujos principais centros eram Barba- cena e São João del Rei, e mais tarde nas áreas de Uberaba e Belo Horizonte. O que se observou foi a seguinte tripartição do espaço migratório: I. o Sul de Minas, aqui compreendido o caso de Poços de Caldas, que podia ser considerado, pelo me- nos até o fim da Primeira República, um enclave paulista, já que a ligação com as ci- dades paulistas era muito intensa nos mais variados aspectos da vida; II. a região da Mata, que mantinha relações mais próximas com o Estado do Rio de Janeiro; e III. o Centro em expansão de Belo Horizonte, que contou amplamente com a mão de obra de trabalhadores italianos.113

111 O crescimento demográfico acelerado e o processo de industrialização tardia, como se observou

na Itália e na Alemanha, levaram a um novo arranjo socioeconômico que expulsou um enorme contingente de trabalhadores da Europa. A terra passou a estar concentrada nas mãos de poucos proprietários, os impostos sobre a propriedade se tornaram cada vez mais altos, e os pequenos agricultores acabaram por sucumbir às pressões de mercado de grandes latifúndios, passando a integrar a mão-de-obra para a indústria nascente. Nesse contexto, mais de 50 milhões de europeus deixaram o continente entre 1830 e 1930. Dos 11 milhões que se dirigiram à América Latina, 33% vieram para o Brasil. História da Vida Privada no Brasil; op.cit.,1998, pp.119-221.

112 A política de passagem subvencionada se dava por meio de acordos entre o Estado, que montou

hospedarias e financiava as viagens quase integralmente, os fazendeiros e empresas italianas que arregimentavam e endereçavam os emigrantes. Ver Luigi Biondi. op.cit., 2008, p.43.

Além dos imigrantes europeus, especialmente os italianos, o antigo Sertão do Rio Pardo passou a receber também migrantes fluminenses, paulistas e nordestinos nas últimas décadas do século XIX. Era o ciclo do café, que ganhava força no Sul de Minas e, pelos trilhos da Cia. Mogiana, transformava significativamente a economia

de toda a região.114

Os trilhos da Cia. Mogiana levaram a Poços de Caldas muitos dos novos hábitos burgueses que surgiam na capital federal e que rapidamente movimentaram os costumes e as práticas de consumo da sociedade caldense e de seus frequenta- dores. É chegada a hora de compreendermos como esse cenário de transformação socioeconômica se apresenta intrinsecamente ligada à história familiar de Antonio Candido. Depois de passarmos por duas mulheres muito fortes em sua vida, conhe- ceremos mais de perto dois homens igualmente fortes que parecem ter transforma- do o cenário da sua infância e impactado alguns de seus anseios mais profundos.

CAPÍTULO III