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Imobilidades e lentidões forçadas

No documento DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 66-68)

PARTE I O DISPOSITIVO

CAPÍTULO 2 – Mobilidades, fluxos e lentidão

2.2 Imobilidades e lentidões forçadas

Logo, se a condição móvel desterritorializa o ciberespaço, ela permite algo próximo às bilocações132 da literatura sacra ou à ubiquidade que nos é mais familiar, mas é territorializada na mesma medida, por meio de territórios (vigiados e controlados) a exemplo de perfis em redes sociais populares como Twitter, Orkut e Facebook. A comunicação converte o tempo num lugar (TRIVINHO, 2001). Uma vez na rede e contrariando Augé (2010) sobre seus não lugares, o indivíduo pode pertencer a um lugar de trânsito e um lugar social133, a exemplo dos transportes públicos.

A mobilidade não deve ser vista apenas como o percurso entre pontos, ou o acesso à determinada informação (LEMOS, 2009b). Isso sim nos interessa. A mobilidade não é neutra e revela formas de poder, controle, monitoramento e vigilância, devendo ser lida como potência (SENNETT, 2006, p. 143) e performance.

Neste percurso, sucedendo narrativas sobre tecnologias móveis em ambientes móveis temporariamente imobilizados, uma provocação relevante não pode ser esquecida: como se comportam mídias móveis em ambientes fixos? E mais, como se processam essas mesmas mídias móveis em sociedades fixas, não nômades

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Bilocação aqui sugere viagens “mentais” ou virtuais, em que o indivíduo se projeta para ambientes virtuais quando impossibilitado fisicamente de fazê-lo. Dessa forma, um mesmo indivíduo estaria em “dois lugares”. Originalmente, a palavra bilocação é associada a figuras santificadas, o que não se constitui como nossa intenção. Aqui, diz respeito à presença simultânea de uma pessoa em dois lugares diferentes.

133 Cf. De Souza e Silva (2004) no qual lugar social aparece como espaços usados para comunicação.

Disponível em: <http://www.souzaesilva.com/research/phd/DefenseSlidesPhD.pdf>. Acesso em: 10 maio 2012.

67 (MAFFESOLI, 2001) e não curvilíneas, diferentes da brasileira (BASTIDE, 1959; LAPLANTINE, 1993, 1997)? Haveria uma cisão entre mundo móvel e mundo não móvel?134

Portanto, não só mobilidade deve estar no plural. Imobilidade, no sentido de paralisia, estagnação, marcha interrompida, também deve. Imobilidades desveladas não apenas pela questão física de deslocamento, mas pelo veio tecnológico, aquele que pode limitar o acesso aos meios, sejam eles materiais ou virtuais.

Sobre isso, Lemos (2009b, p. 29) considera que os estreitos vínculos entre as mobilidades e imobilidades as mantêm enredadas, uma vez que “os meios de transporte e de comunicação, incluindo aí os novos dispositivos móveis, implicam em mobilidades constrangidas por imobilidades infraestruturais e dificuldades de acesso e de deslocamento”.

No entremeio das questões de mobilidade e imobilidade físicas ou operacionais, estas já discutidas, outros cenários coexistem como o da lentidão no trânsito das grandes cidades. Lentidão aqui pode ser entendida como o “entre” da condição de movimento e da ausência dele. Nessa pesquisa, é relatada com períodos de stop and go, de andar e parar, nas quais o complexo tecido urbano móvel, composto por gente e por máquinas, se reveza na desconfortável sensação de avanços e pausas sucessivas capazes de ampliar/prolongar o tempo consumido135, de espera nos deslocamentos, nas viagens e trajetos até os respectivos destinos. Nessa condição, o usuário de telefone celular, esteja ele em um transporte público ou em seu automóvel, tem de lidar com o mesmo sentimento de impotência a que fazíamos referência em parágrafos anteriores.

Estar conectado, acessável e móvel é uma condição nova para pensar tempo e espaço neste século. O telefone celular é um dispositivo que atende às duas situações: mobilidade e conexão em/à rede sob uma fronteira cada vez mais circunscrita à infraestrutura tecnológica do equipamento ou da localidade por onde se está circulando.

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Em banca de qualificação desta tese, no dia 07 de nov. de 2011, na PUC/SP.

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Por tempo consumido, entenda-se o tempo cronológico, especializado, das horas gastas além das previstas em função de engarrafamentos e lentidão no trânsito. A cena é muito variável. O envio do SMS/TORPEDO, por exemplo, inicialmente era da cultura de quem estava parado. Afinal, parado dava para revirar a lista de contatos. Porém, nos últimos anos, com a prática do usuário, o envio de SMS também se dá no movimento. A mudança de comportamento, depois de gerar inúmeros incidentes, como atropelamentos e acidentes, está resultando em multa e apreensões em todo o mundo. Disponível em: <http://g1.globo.com/planeta-bizarro/noticia/2012/05/cidade-multa-pedestre-visto-enviando-torpedo- enquanto-caminha-nos-eua.html>. Acesso em: 14 maio 2012.

Assim, os dispositivos móveis136 agregam aos indivíduos a capacidade “de estar simultaneamente consigo mesmo e em rede” (CASTELLS et al., 2004, p. 239).

A mais atual revolução na área móvel continua sendo a conexão sem fio à internet, o que para Lévy (1993, p. 102) se configura num “envoltório técnico” determinante para a evolução cultural e as atividades cognitivas.

O celular representa um dispositivo para o desenvolvimento de várias práticas no espaço urbano, tais como produção, consumo ou circulação de informação, pois se constitui num objeto caracterizado pela portabilidade, conectividade e mobilidade (HEMMENT, 2005) e isso ganha outra dinâmica em cidades que, como São Paulo, “atrai gente que vem não para consumi-la, mas para habitá-la, no sentido forte que esse gesto assume na cidade: misturar-se, viver a irresolução que a cidade oferece, o desequilíbrio das regras da segregação e da identidade” (CAIAFA, 2007, p. 38).

Haveria uma diferença no padrão de uso dos telefones celulares em outros contextos culturais diferentes? Nesse sentido, Horst e Miller (2006) nos mostram que os telefones celulares são apropriados de maneiras muitas vezes peculiares.

Para entender esses modos de apropriação dos telefones celulares, é preciso antes de tudo compreender os padrões culturais das sociedades em questão, no caso específico os usuários de transporte público e de celular em trânsito em São Paulo (Brasil) e Frankfurt (Alemanha). Nesse ponto, torna-se importante pensar em um conceito que reflita sobre os modos através dos quais a tecnologia passa a fazer parte de nossas vidas, assim como o papel da cultura nesse processo: o conceito de apropriação, que estará em foco na PARTE II.

No documento DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 66-68)