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Mobilidade híbrida ou ampliada

No documento DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 62-66)

PARTE I O DISPOSITIVO

CAPÍTULO 2 – Mobilidades, fluxos e lentidão

2.1 Mobilidade híbrida ou ampliada

Até o século XX, os meios de comunicação de massa não dispunham de ferramentas ubíquas como o celular, capazes de promover essa mobilidade híbrida, a que Lemos (2009b, p. 29) chama de ampliada. O conceito de computação ubíqua pode

63 ser aplicado aos telefones celulares pela sua condição pervasiva, em que atuam também como computador pessoal, tanto em capacidade de armazenamento, nível de interação e relacionamento, quanto em produção de conteúdo.

Em Lemos (2009b, p. 29), a mobilidade é ampliada quando amplifica as dimensões física (extensibilidade) e informacional (acessibilidade) e admite uma relação diretamente proporcional: quem detém mais mobilidade física também detém mais mobilidade informacional e ambas as dimensões aumentam ou diminuem de acordo com a imediaticidade e a instantaneidade exigidas.

O autor percebe uma correlação entre deslocamento nos meios virtuais e nos meios físicos. Para ele, a mobilidade digital, de certo modo, determina o “volume” de mobilidade física e instrumental passível a cada usuário.

Pensemos, por exemplo, naqueles que se deslocam em transportes públicos e/ou privados, nos que têm acesso à Internet por banda larga ou linhas discadas, nos que podem viajar o mundo e nos que nunca saem dos seus lugares de nascimento. Parece haver hoje uma correlação e ampliação dos poderes já que quanto maior a potência de mobilidade informacional-virtual, maior é a mobilidade física e o acesso a objetos e tecnologias. (LEMOS, 2009b, p. 29)

Aqui, Lemos fala de acessibilidade digital, de inclusão social via inclusão tecnológica. Mas será que uma maior apropriação de técnicas ou instrumentais digitais, por si só, garantem vantagem no percurso físico móvel? É crível a máxima de que grupos sociais alijados do acesso às tecnologias digitais, sobretudo por questões econômicas, também estão sendo alijados dos processos de deslocamento, de mobilidade social e de aquisição dessas mesmas tecnologias?

Desde que a tecnologia celular escapou do uso restrito por executivos japoneses para cair no gosto popular, ela trouxe consigo um viés compreensivo que possibilitou que mesmo se estando no lugar mais improvável, que seja da cabine de uma colheitadeira de soja em uma fazenda do interior de Mato Grosso127, se tenha acesso a uma tecnologia móvel equiparável (e acessável) à disponibilizada a um diretor da sede mundial da Nestlé, em Vevey, na Suíça. “Os transeuntes nas calçadas se beneficiam tanto, se não mais, da internet quanto os fazendeiros” (JOHNSON, 2008, p. 214).

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Observa-se que o crescimento de linhas de celular é consideravelmente maior nas regiões onde há deficiência de linhas fixas, como o Norte e o Centro-Oeste do Brasil. Por exemplo, Cuiabá, a capital do estado de Mato Grosso, tem uma das maiores concentrações de linhas de celular do Brasil por habitante (16ª posição). Atualmente são 141,20 linhas para cada grupo de 100 habitantes. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/ncelddd.asp>. Acesso em: 12 maio 2012.

O celular é tomado como instrumento central de conexão entre “os diferentes”, não só no sentido óbvio de que pode estabelecer uma conexão telefônica, mas principalmente como ponto comum e unânime que aproxima personagens remotos. Um rebelde afegão passa a ter uma condição midiática tão (des)vantajosa quanto a de um soldado americano em área de ocupação. Via celular, ambos registram e postam suas produções em rede mundial. Isso se desdobra sem dúvida em conflitos, mas desta vez não tão assimétricos.

O atual papa fala ao celular. O presidente dos Estados Unidos também. A popstar Lady Gaga manda torpedos. Adele, a cantora mais reproduzida no último ano, faz postagens móveis no Facebook. Todos eles, assim como nós, dispomos do mesmo rol de aplicativos, dispositivos e condições de conexão. A variação, é óbvio, se dá pelo uso, por aspectos estéticos, econômicos, de distinção social, que podem resultar no luxo e excepcionalidade de um aparelho de até R$ 16 milhões128. Mas nada mais que isso.

Essa ideia de acesso ampliado, em grande medida, inclusivo, antes de ser tida como acrítica ou otimista, reconhece que o celular é um meio que democratiza os acessos e a cultura, ao deixar de ser exclusivo de uma minoria privilegiada de “intelectuais burgueses”129.

Ainda que enxerguemos isso, temos a clara noção de que a democratização do celular vem com outros combos, nem sempre contabilizados: a ampliação e a nossa submissão ao controle, ao poder e à vigilância (chips de rastreamento de aparelhos, escutas ilegais, hackeamento de dados, exposição em rede de informações íntimas). O aparelho convergido, convertido e integrado é um fenômeno tecnológico e cultural com variantes regionais de usos que abre possibilidades, mas, como contrapartida, nos imprime restrições.

E o contraponto, dentre tantos, aponta para um controle total do “intelecto geral” (ŽIŽEK, 2011b, p. 8) com a mediação e monitoramento de tudo aquilo que for produzido pela conexão total e localização permanente, vide pacotes de minutos e aplicativos de smartphones. Nesse cenário, negocia-se com a privacidade, a própria ou a alheia, com as relações sociais mediadas, com o tempo e com o espaço. “Portanto, tudo

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A joalheria inglesa Stuart Hughes, especialista em fabricar gadgets de luxo, lançou o celular mais caro do mundo: o iPhone 4 Diamond Rose, a 5 milhões de libras, ou R$ 16 milhões. Revestido com 500 diamantes rosas que somam mais de cem quilates. Disponível em:

<http://stuarthughes.com/newdawn/product_info.php?products_id=102>. Acesso em: 12 maio 2012.

129 Cf. ENZENSBERGER, 1974. O autor foge do tom apocalíptico dos frankfurtianos (teóricos da Escola

de Frankfurt) para validar o que entende como um progresso da massificação, quando a massa passa a desfrutar de um conteúdo antes só disponível à burguesia e suas castas.

65 é acessível, mas mediado por uma empresa que possui tudo, software e hardware, dados e computadores. [...] o acesso global se baseia cada vez mais na privatização quase monopolista da nuvem que oferece o acesso” (ŽIŽEK, 2011b, p. 9).

E, a respeito dessas interpenetrações das mobilidades que estamos tratando, é possível sustentar que a mobilidade tecnológica permite que haja ampliação da capacidade de deslocamento e até de ocupação virtual de um lugar na trama real, uma ressignificação dos espaços de presença, que se imbrica no exercício de vigilância.

Neste contexto, a mobilidade, que antes poderia, em certos casos, ser uma forma de escapar à vigilância ou transgredi-la, se torna seu meio privilegiado: estar em movimento ou ser móvel significa, muitas vezes, estar sujeito à vigilância e ao monitoramento uma vez que não há mais distância material, espacial, temporal ou informacional que se interponha entre o sistema de vigilância/monitoramento e o sujeito/objeto vigiado. (BRUNO, 2009, p. 138- 139)

Para Rheingold (2002, p. 27), quando o assunto é telefone celular, estamos a falar de dois espaços: “o espaço em que ocupam fisicamente e o espaço virtual da conversa (o espaço conversacional)”. Como exemplo temos as teleconferências nas quais membros ausentes se fazem telepresentes, via Skype130 ou outro software, compartilhando momentos e comemorações enquanto perdurar a conexão. E isso, que fique claro, pode ser feito sim e a qualquer tempo a partir de um telefone celular com conexão à internet. Com o programa Team Viewer131, por exemplo, pode-se até mais: que de outros terminais remotos pessoas autorizadas entrem em sua máquina (celular) e nela faça alterações, inclusive com sua participação direta (ou não).

Não é que o celular apague as distâncias ou promova a telepresença, mas com ele experimenta-se uma transformação da distância. Pela integração, o celular deixou de ser apenas um instrumento de comunicação, mas também de memória (percorrendo todos os seus processos: apagamento, manutenção ou feitio), algo improvável para inúmeras outras mídias massivas portáteis como o computador de mão ou até mesmo a máquina fotográfica.

E é sobre a relevância dessa ideia de memória portátil que se refere, entre outras coisas, Koskinen (2003). Segundo ele, houve com o celular uma mudança na motivação

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Skype é um software que permite comunicação pela internet através de conexões de voz e vídeo sem custos entre usuários do software, que também é gratuito.

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O Team Viewer estabelece um acesso remoto a qualquer computador ou servidor em todo o mundo,

habilitando controles passivos do computador por outro usuário que, à distância, se comporta como se estivesse sentado à frente da sua máquina.

de se tirar fotografias (fotografias de viagens, por exemplo), que pode demarcar o fim do cartão postal. Originalmente, uma fotografia era usada como substituto da memória. Tirava-se uma foto para não se esquecer da aparência de um lugar ou de uma pessoa. Hoje, com a fotografia digital móvel, tirar uma foto é um meio de comentar o presente e criar sociabilidade.

A grande quantidade de espaço nas memórias rígidas (HDs) dos dispositivos também favorece esse tipo de produção. O descarte faz parte do processo de produção, diferentemente da câmera analógica em que o descarte era evitado a fim de se evitar o encarecimento do clique.

No documento DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (páginas 62-66)