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Capítulo 3 – Apresentação do setor de saúde suplementar brasileiro e sua regulamentação

3.4 Impacto da regulação na estrutura do mercado

No setor da saúde, a questão da intervenção do Estado por meio de

regulamentação sempre surge. Dentro os muitos estudos, BARROS & MARTINEZ-

GIRALT (2012), ressaltam as seguintes razões para que haja regulamentação: (a) a

complexidade do mercado permite que os provedores tirem vantagem dos

beneficiários; (b) a saúde é um bem fundamental para deixar que o mercado se

autorregule; (c) a saúde gera externalidades; (d) pessoas de baixa renda devem ter

acesso à saúde e (e) informação assimétrica entre médicos e pacientes demanda

proteção do paciente. Além dessas, colocam que o mercado de saúde está longe de

ser um mercado perfeito.

A Lei brasileira tirou o sistema de saúde suplementar de uma atuação livre no

mercado para uma atuação controlada em duas áreas: seja para as operadoras,

seja para os produtos oferecidos por elas. Devemos lembrar que estes produtos irão

caracterizar não só a prestação do serviço de saúde, como o acesso à saúde em si

mesmo.

Tanto cooperativas quanto sociedades limitadas devem obter autorização de

funcionamento, seguir regras contábeis, fornecer informações padronizadas de

forma regular, compor reservas financeiras e, em especial, adquiriram status de

empresa, (CONASS, 2011) tais como empresas do sistema financeiro, ficando

suscetíveis à intervenção da entidade fiscalizadora. Por estas regulamentações,

assim que a ANS determina regime de direção fiscal ou técnica, dirigentes,

proprietários, diretores passam a ter seus bens indisponíveis.

Para isso, foram introduzidos requisitos mínimos para o funcionamento, como capital

mínimo, constituição de reservas, contabilidade estruturada, entre outros. Também,

a empresa que deseja encerrar sua atuação do mercado passará por análise

criteriosa e ficará impedida de sair do mercado sem que antes transfira a sua

carteira de clientes, bem como dívidas com prestadores de serviços, entre outras.

Com estas exigências, já não se pode iniciar um negócio nesta área com apenas um

pequeno escritório, alguns vendedores e uma pequena carteira de prestadores de

serviço; nem esta empresa poderá fechar suas portas quando assim entender.

Quanto aos produtos oferecidos e comercializados, as alterações foram ainda mais

contundentes. A fim de garantir o acesso a qualquer indivíduo, criou-se a

impossibilidade da operadora selecionar quais consumidores quer ter em sua

carteira de clientes. Não há mais a possibilidade de limitar procedimentos ou leitos

de alta tecnologia, bem como ficou vedada a exclusão por doença ou lesão pré-

existente. Não há mais a seleção de risco. Além disso, o contrato passou a ter

prorrogação automática, impedindo a operadora de rescindi-lo unilateralmente. As

carências máximas estão dispostas na lei, os reajustes anuais são ditados pela

ANS. As faixas etárias definidas restringiram a variação máxima entre elas em até

seis vezes (antes da legislação, chegavam a 33 vezes e alguns contratos previam

mudança de faixa etária anual). Foram permitidas coberturas para tratamento

psiquiátrico, incluindo tratamento de alcoolismo, droga adição e tentativa de suicídio.

Também estão cobertas próteses cirúrgicas, transplantes de córnea e rim,

radioterapia e quimioterapia. Restringiu-se a segmentação em ambulatorial ou

hospitalar, sendo a obstétrica opcional, tendo a ANS determinado uma lista de

procedimentos mínimos para cada segmento. (CONASS, 2011).

Temos que o procedimento regulatório visou equilibrar as forças do setor e, com

isso reduziu a oferta. A legislação dificulta o acesso às informações e reais

necessidades dos pacientes, ou seja, a operadora não tem informações se está

lidando com pacientes de baixo ou alto risco. Ao ser obrigada a oferecer um padrão,

a operadora estipula uma taxa média. Os pacientes de baixo risco são prejudicados

e os de alto risco, beneficiados. Para minimizar os impactos do processo de seleção

adversa, seria necessário oferecer maior gama de contratos, maximizando lucros

(pela oferta) e maximizando a utilidade com a aquisição de planos adequados ao

perfil do consumidor (SANTACRUZ, 2010).

Quanto ao risco moral, o paciente pode entender que uma vez que paga o plano

poderá utilizar além da sua necessidade real. No mercado, observa-se que as

operadoras, prevendo tal atitude e a possibilidade de uso excessivo de tratamento,

aumentam o valor do plano de saúde.

Em ambos comportamentos, vemos que conduzem à perda do bem-estar e levam a

uma ineficiência econômica, pois os preços dos planos são superiores à capacidade

de pagamento dos consumidores (SANTACRUZ, 2010). Os preços altos dificultam o

ingresso de consumidores individuais, e assim não se chega a uma eficácia

satisfatória do sistema de saúde suplementar. Mesmo com significativo crescimento

em investimentos e movimentação financeira, no Brasil inteiro, apenas 25,1% da

população, em março de 2012, possui esta cobertura assistencial (ANS, 2012). Em

março de 2000, esta porcentagem era 17,8% da população.

A legislação e a ANS adotam claramente uma posição de proteção ao consumidor,

muitas vezes em detrimento do equilíbrio econômico. Se considerarmos a exigência

de requisitos mínimos e a constituição de reservas para as operadoras, temos uma

concentração de mercado. As exigências para o funcionamento das operadoras

dificultam a criação de novas, ou seja, restringe a concorrência e impede o

crescimento de operadoras de pequeno porte. Das 1005 operadoras existentes, 183,

ou seja, 18,2% das operadoras concentram 80,1% dos beneficiários, mais de 38

milhões de consumidores de um total de 47,8 milhões (ANS, 2012).

Além disso, temos que as regras de reajuste muitas vezes não refletem os custos

reais e nem acompanham os índices de preços do mercado, diminuindo a margem

de lucros dos prestadores de serviços, apesar dos altos preços dos planos para os

consumidores.

Enfim, para minimizar as falhas de mercado, em prol da proteção do consumidor, a

lei não permitiu que houvesse uma real e prévia análise do estado de saúde do

beneficiário, instituindo uma situação de seleção adversa. Cabendo à operadora

maximizar seu atendimento pelo risco médio de seus beneficiários, o que criou uma

situação de preços elevados dos planos de saúde, dificultando a entrada de

beneficiários no sistema de saúde suplementar. Além disso, o alto preço do plano

muitas vezes não se reflete no pagamento do prestador do serviço (a média de

honorários pagos pela operadora para o médico está em R$ 46,12).

Assim, pelos elementos acima expostos, (i) a elevação dos custos assistenciais e

regulatórios e (ii) a necessidade de racionalizar o processo produtivo, temos que o

mercado brasileiro apresenta uma tendência à verticalização (SANTACRUZ, 2010),

que é caracterizado pela integração do gerenciamento dos planos de saúde com a

prestação dos serviços médicos em uma única unidade empresarial. Este tipo de

integração pode levar a um melhor gerenciamento dos riscos e custos, realizando,

por exemplo, programas de prevenção de doenças e mesmo alinhando o interesse

dos médicos (como prestadores de serviços), dos consumidores (que pagam

mensalidades) e das operadoras (sendo para estas os médicos um custo e os

consumidores, uma receita).

Também há outra tendência (SANTACRUZ, 2010) que se concretiza nos processos

de fusão e aquisições a fim de aumentar ganhos de escala. Muitas vezes, é mais

vantajoso para uma operadora vender a sua carteira ou a própria operadora, do que

se ajustar às determinações legais, evitando os custos regulatórios.

Capítulo 4 –Ensaio sobre a demanda na relação indivíduos e prestadores de