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5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

5.1 PERSPECTIVA DA POPULAÇÃO LOCAL

5.1.10 Impacto das UCs e Outros Instrumentos Restritivos sobre a

Procurou-se analisar a evolução dinâmica apresentada pelo município tendo-se como ponto de comparação a criação de UC em específico, no caso a APA, no ano de 1985, ou seja, procurou-se analisar o histórico e evolução de vida (em diversos aspectos: sociais, econômicos, ambientais, culturais, espaciais) dentro de um período que compreendesse aproximadamente 40 anos – 20 anos anteriores à criação da APA (1965-1985) e 20 anos posteriores à criação da APA (1985-2005), mesmo que os efeitos da UC não fossem imediatamente percebidos após a sua criação (figura 07).

Dentro dessa perspectiva, foi possível observar a estreita relação que a APA possui com as mudanças na qualidade de vida da população.

Entretanto, pelo menos duas visões puderam ser detectadas quanto à evolução da qualidade de vida no município. A primeira visão aponta a melhoria da qualidade de vida relacionada à melhoria do acesso aos serviços públicos, como educação e saúde e à melhoria na infra-estrutura, como o aumento dos serviços como a rede elétrica e água encanada, mesmo que ainda não vivenciada por toda a população nos dias atuais.

Além disso, a melhoria da infra-estrutura, como a abertura da estrada que liga Guaraqueçaba à Antonina, para alguns, também pode ser encarada como aspecto negativo, pois, segundo a população, a própria infra-

estrutura (estrada) teria contribuído para o aparecimento das instituições ambientais como, o IBAMA, IAP, Polícia Florestal, etc.

A segunda visão apresentada vem a ser quanto ao aspecto produtivo: a principal constatação sobre os impactos referentes à APA vem a ser nesse aspecto. Há um consenso geral de que a APA e outras UCs contribuíram para o agravamento das condições de vida, apesar do progresso natural e melhoria de estrutura vivenciada no município, principalmente através das restrições quanto ao trabalho agrícola e pesqueiro.

Além das conseqüências das restrições nas condições de trabalho, outros impactos decorrentes das UCs são observados, como por exemplo as relações de conflito entre a população local e os órgãos e ONGs ambientais; a atuação inadequada do governo local; fragilidade organizacional quanto à entrada de instituições externas, como igrejas e ONGs; a desestabilização social (nível familiar e comunitário), entre outros.

Particularmente sobre o impacto na cultura tradicional local causado pelas UCs e pelos outros mecanismos legais de proteção, tem-se basicamente duas situações, a primeira provocada pela proibição (no Parque) e restrição (na APA) das roças de subsistência, o que impactou negativamente a prática do mutirão; a segunda causada pela proibição e restrição da extração de madeira, o que, por extensão, inviabiliza a fabricação de canoas e instrumentos de fandango, causando impacto nestas práticas tradicionais. Dessa forma, ao interromper a prática do mutirão e do fandango, que ocorrem com forte conexão, a cooperação entre os comunitários é afetada drasticamente.

Também é importante citar que o Parque Nacional impossibilitou a permanência do grupo Guarani que habitava o Morro das Pacas. Atualmente este local passou a ser refúgio de caçadores e exploradores de palmito.

Além disso, como fator complementar de impacto, tem-se a questão das desigualdades sociais estruturais da região. Sabe-se que no passado, lutas e grilagens da terra na região fizeram com que os pequenos produtores fossem aos poucos expulsos de suas áreas de origem, nos vales dos grandes rios, deslocando-se em migrações internas. Em decorrência deste fato, foram abandonando a agricultura, para trabalhar na pesca artesanal, à

beira do estuário. Aos poucos, a cultura tradicional foi diminuindo, devido às influências externas, como os meios de comunicação em massa, religião e vias de acesso.

A fiscalização por parte dos órgãos ambientais sem o oferecimento de alternativas às proibições são motivo de revolta entre toda a população. A ação política também é citada negativamente entre as causas da queda da qualidade de vida.

“Antigamente tinha muita fartura. Produzia-se alimento em quantidade, não se comprava nada fora. Hoje falta coisa, não tem mais fartura. Agora as pessoas estão cada vez mais indo embora”.

Pequeno agricultor de Batuva.

“Da época do meu avô, pro meu pai, pra mim e pro meu filho teve uma mudança medonha. Antigamente, na época do meu pai, se plantava de tudo. Tem duas visões sobre as mudanças que aconteceram aqui. Um exemplo: quando eu era criança, não tinha luz elétrica nem água encanada em Batuva. Porém tinha quatro vendas, muito mais gente e muito mais trabalho do que se tem hoje. A roça nos sustentava, sustentava os nossos bichos e os bichos silvestres. Agora se fechou tudo, o bicho silvestre não vem mais procurar comida aqui. Agora procura comida longe. Os bichos não estão em extinção, só estão longe procurando comida”.

Pequeno agricultor de Batuva.

“Era muito melhor em tudo. Tinha mais gente, mais camarão, todo mundo tinha dinheiro e emprego”.

FIGURA 07. O MUNICÍPIO, ANTERIOR E POSTERIORMENTE A APA E O PARQUE (%)

Fonte: pesquisa de campo.

“Não é só APA: Guaraqueçaba está protegida sob várias formas”.

Morador do Morato.

“Guaraqueçaba caiu muito. A gente vê o povo de Guaraqueçaba hoje assustado, querendo ver o que pode fazer”.

Liderança da Ilha das Peças.

Finalmente, questiona-se a viabilidade da categoria APA para a região, uma vez que a mesma apresenta-se através da legislação bastante confusa, pelas particularidades que evidencia. Em relação ao Parque Nacional, questiona-se a viabilidade da incorporação de comunidades tradicionais no interior da UC, uma vez que as mesmas, estando presentes por vários séculos na região, necessitam de utilizar os recursos e manejar o ambiente para sua sobrevivência, o que torna a situação, no mínimo, paradoxal.

72,5 12,5 6,25 5 3,75 0 10 20 30 40 50 60 70 80