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O impacto dos Programas de TCR sobre a oferta de trabalho dos casais

A Tabela 6 apresenta os resultados do modelo Logit, que corresponde ao primeiro estágio no procedimento dos estimadores via escores de propensão. Foi utilizada na estimação a função pscore de Becker e Ichino (2002) para o programa computacional Stata 9.1. Nas estimativas das equações de participação da amostra completa para os cônjuges individualmente, a maioria dos coeficientes é significante e apresenta o efeito esperado. A presença de eletrodomésticos e computador bem como a escolaridade reduz a probabilidade de participar de programa de TCR. Pessoas da raça branca também são menos prováveis de recebimento de benefício social. Enquanto que, se o casal tem filhos menores de 16 anos e quanto maior for o número de filhos na faixa etária de 6 a 15 anos, maior a chance de a família tornar-se beneficiária. Quanto mais desigual a distribuição de renda do Estado em que a família reside, também aumenta a probabilidade do casal entrar em um programa de TCR. Em relação à região, as famílias residentes no Nordeste têm mais chance de participar de um programa de TCR. Isso está de acordo com os bons resultados de focalização21 do programa de Bolsa Família. Haja vista que o Nordeste é a região brasileira com a mais baixa renda per capita e maior nível de pobreza. Para a amostra de casais sem filhos, reduziu-se o poder explicativo das variáveis, mas chama a atenção o efeito positivo do percentual de indigentes, confirmando que na ausência de filhos, o critério de elegibilidade passa a ser a extrema pobreza.

Após a estimação das probabilidades de participação em programas de TRC, para a amostra completa, o conjunto de observações referentes ao marido ficou dividido em 11 blocos de observações com escores de propensão similares e as observações das mulheres ficaram divididas em 9 blocos. Para a amostra sem filhos, os dados do marido e da mulher dividiram-se em 3 blocos. Os modelos estimados satisfazem as suposições da abordagem de

21A focalização é a medida que verifica se os recursos do programa estão atendendo ao população-alvo. Tavares e Pazello (2006) apresentam um estudo sobre o tema.

escores de propensão e pode-se passar para o segundo estágio onde os escores estimados serão usados para calcular o efeito de participar de Programa de TCR sobre decisões de oferta de trabalho dos casais beneficiários (ATT). O método utilizado no pareamento é o do “vizinho mais próximo” com reposição e, conforme explicado, serão utilizadas as observações pertencentes ao suporte comum, como forma de melhorar o pareamento.

Tabela 6 – Estimativa da equação de participação em programa de TCR. Modelo Logit

Amostra completa Casais sem filhos

Variável Homens Mulheres Homens Mulheres

Idade 0,017ns (0,019) -0,003ns (0,021) 0,132ns (0,081) 0,157 (0,077) Idade ao quadrado 0,000 (0,000) 0,000ns (0,000) -0,002 (0,001) -0,002 (0,001) Anos de estudo (0,007) -0,076 (0,007) -0,069 (0,041) -0,133 (0,036) -0,101 Raça (Branca = 1) (0,047) -0,138 (0,046) -0,088 -0,442(0,279) ns -0,124(0,259) ns Conta própria (0,044) 0,170 0,067(0,069) ns 0,212(0,227) ns -0,303(0,386) ns Filhos menores de 16 anos 1,223 (0,106) 1,136 (0,109) - - Nº Filhos 6-15 anos 0,208 (0,019) 0,216 (0,020) - - Norte -0,857 (0,068) -0,890 (0,068) -1,339 (0,436) -1,404 (0,440) Sudeste -0,741 (0,065) -0,807 (0,065) -1,118 (0,412) -1,302 (0,412) Sul -0,435 (0,080) -0,500 (0,080) -0,289ns (0,424 -0,550ns (0,422) Centro-oeste (0,091) -1,117 (0,091) -1,166 (0,634) -2,085 (0,635) -2,216 Índice de Gini (1,002) 5,292 (1,001) 5,307 4,395(5,963) ns 4,685(6,019) ns Percentual de indigentes 0,558ns (0,370) 0,627 (0,370) 4,856 (2,147) 5,136 (2,161) Casa própria (0,046) 0,175 (0,046) 0,208 0,084(0,253) ns 0,168(0,250) ns Máquina de lavar roupas -0,675 (0,095) -0,695 (0,095) -0,839ns (0,632) -0,919ns (0,641) Computador -0,920 (0,267) -0,960 (0,267) 0,421ns (1,065) 0,289ns (1,074) Geladeira (0,048) -0,320 (0,048) -0,333 -0,267(0,242) ns -0,336(0,241) ns Intercepto (0,637) -5,390 (0,637) -4,886 (3,563) -7,832 (3,487) -8,215 Pseudo R2 0,097 0,095 0,096 0,088 Nº de Observações 23288 23288 2951 2951

A Tabela 7 fornece os resultados dos impactos de Programa de TCR sobre a participação dos cônjuges no mercado de trabalho. As variáveis selecionadas para representar a decisão dos cônjuges sobre a oferta de trabalho são: a participação individual dos cônjuges e as horas alocadas ao mercado de trabalho. Em relação à participação no mercado de trabalho, as evidências sugerem não haver qualquer efeito significante do Programa de TCR para os casais com ou sem filhos. Estes resultados estão alinhados com aqueles encontrados por Parker e Skoufias (2000) na análise do Programa mexicano Oportunidades e Ferro (2007) na análise do Bolsa Escola. No entanto, ao analisar as horas alocadas ao mercado de trabalho, observa-se que o Programa de TCR altera a jornada de trabalho semanal tanto dos maridos quanto das esposas para a amostra completa. Nas famílias beneficiárias, os maridos têm suas horas de trabalho semanais reduzidas em cerca de 1 hora e as mulheres em 2 horas em relação aos cônjuges de famílias não beneficiárias. Efeito similar foi encontrado por Ferro (2007) para mães de beneficiários do Bolsa Escola na zona rural. Mallucio e Flores (2005) argumentam que as famílias beneficiárias de programas de TCR, em especial as mães, deparam-se com novas responsabilidades para o cumprimento das condicionalidades, que podem afetar o seu tempo alocado ao mercado de trabalho. Ferro (2007) defende o mesmo argumento destacando que, na zona rural, a distância entre as residências e a escola geralmente é grande, implicando em um tempo maior para o deslocamento ao levar os filhos à escola. O efeito para casais sem filhos não é estatisticamente significante. Isto sugere que realmente, a redução na jornada de trabalho semanal dos pais pode estar de alguma forma relacionada com o cumprimento das condicionalidades exigidas para continuar como beneficiário do Programa de TCR.

Tabela 7 – Impacto do Programa de TCR sobre oferta de trabalho dos beneficiários.

ATT

Amostra completa Casais sem filhos Variável

Homens Mulheres Homens Mulheres

Participação mercado trabalho -0,004 (0,009) -0,009 (0,014) 0,061 (0,059) 0,017 (0,077) Horas de trabalho -1,157

Nota: Erro padrão entre parênteses

(0,478) -2,098 (0,507) 2,389 (3,186) 1,639 (2,753) Nº Tratamento 3020 3020 90 90 Nº Controle 2721 2850 92 89

3.5. Considerações finais

Neste capítulo foi mensurado o impacto de Programas de Transferência Condicional de Renda sobre as decisões de oferta de trabalho dos casais. No capítulo anterior os resultados evidenciaram um impacto negativo da participação da família em programas de transferência de renda sobre as horas alocadas ao mercado de trabalho dos cônjuges, o que mereceu uma análise mais detalhada.

Os Programas de Transferência Condicional de Renda vêm sendo bastante utilizados em países da América Latina e são considerados instrumentos eficazes para reduzir a pobreza e a desigualdade ao longo do tempo. As avaliações realizadas sobre diversos programas evidenciaram que o conjunto de condicionalidades, que é a contrapartida exigida dos beneficiários, é um componente importante dos programas. As condicionalidades referem-se principalmente ao acompanhamento de saúde e do estado nutricional de todos os membros da família e freqüência à escola das crianças e jovens em idade escolar, além do comparecimento a projetos sociais desenvolvidos pelos municípios. É através do cumprimento das condicionalidades que se pretende romper com o ciclo intergeracional da pobreza.

As decisões sobre a oferta de trabalho foi estudada de duas formas, através da participação e das horas ofertadas ao mercado de trabalho dos cônjuges individualmente. A estratégia empírica utilizada foi a técnica de escore de propensão (propensity score). Esta abordagem é adequada nas análises de impacto de programas sociais e treinamento, cuja seleção de beneficiários é realizada não aleatoriamente. O método se propõe a reduzir o viés de seleção na mensuração de efeitos sobre os indivíduos que participam desse tipo de programa.

Os resultados demonstram que Programas de TCR, em especial o Bolsa Família, sob a análise de escore de propensão, não afetam a probabilidade de participação no mercado de trabalho dos cônjuges de famílias beneficiárias. No entanto há uma redução nas horas dos cônjuges alocadas ao mercado de trabalho, sendo o impacto maior nas mulheres. Isso pode ser entendido de duas formas. Primeiro, pode estar ocorrendo um efeito renda puro, fazendo com que, com o aumento dos rendimentos via transferência de renda, os casais reduzam um pouco suas horas alocadas ao mercado e dediquem seu tempo a outras atividades como o lazer, considerando este um bem normal. Segundo, o cumprimento das condicionalidades exige que as crianças e jovens em idade escolar dediquem mais tempo aos estudos e no cuidado com a saúde, monitorado pelos pais, que por sua vez precisam realocar seu tempo para atividades

domésticas, por exemplo, antes cumpridas pelos filhos e para acompanhar estes nas demais atividades do Programa.

O fato de que Programas de TCR não afetam nem a probabilidade de participação nem as horas alocadas ao mercado de trabalho dos casais beneficiários sem filhos depõe a favor da segunda alternativa. Ou seja, as famílias beneficiárias dos programas de TCR realocam seu tempo para cumprir as condicionalidades do programa, sem deixar de participar do mercado de trabalho.

4 – ALOCAÇÃO DO TEMPO DOS CASAIS ÀS ATIVIDADES DOMÉSTICAS

4.1. Introdução

Estudos sobre os determinantes da alocação do tempo no contexto familiar têm recebido atenção crescente de diversas áreas das ciências sociais desde o trabalho de Blood e Wolfe (1960)(apud LAUK; MEYER, 2005) na sociologia e Becker (1965) na economia. As análises mostram que transformações globais de diversas fontes têm provocado mudanças no âmbito familiar, tais como, a redução do tamanho da família, induzida pelo crescimento econômico (GALOR; WEIL, 1996), ou pela introdução do uso de contraceptivos orais (GOLDIN; KATZ, 2002); inovações tecnológicas no ambiente familiar (GREENWOOD et al., 2005); mudanças na condição de emprego de membros do domicílio e evoluções de natureza social22. Estes fatores podem estar impulsionando o aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, em especial as casadas, que é uma das principais transformações sofridas no mercado de trabalho mundial.

No Brasil, os estudos mostram que, em muitos casos, a mulher tem ingressado no mercado de trabalho buscando uma complementação da renda familiar em face à deterioração dos salários reais e também por mudanças culturais de gênero ocorridas nas últimas décadas (MAIA; LIRA, 2002). A população feminina economicamente ativa no país compreende principalmente mulheres jovens, solteiras ou chefes de família. Entretanto, de acordo com Bruschini (2000), nos anos 90 foi marcante a inserção das mulheres casadas no mercado de trabalho e, apesar das limitações impostas pela maternidade e pelas atribuições domésticas, a tendência é que a taxa de participação feminina continue em pleno crescimento.

Os debates sobre a inserção maciça das mulheres casadas no mercado de trabalho trouxeram à tona questões como a alocação do tempo dos casais. Estes assuntos estão interligados, pois muitos acreditavam que, com a mulher dedicando grande parte do seu tempo ao mercado de trabalho, os maridos aumentariam seu tempo de atividades domésticas (GERSHUNY; ROBINSON, 1988). Entretanto, estudos mostram que as mudanças no mercado de trabalho são mais significativas que as mudanças no comportamento domiciliar (BIANCHI et al, 2000). Mulheres têm adiado o casamento e a maternidade para entrar no mercado de trabalho e aí permanecem após estas mudanças. No entanto, o comportamento

22 FERNÁNDEZ, FOGLI e OLIVETTI (2004) sugerem que os homens cujas mães trabalharam são mais prováveis de ter esposas no mercado de trabalho.

domiciliar continua na sua forma tradicional, recaindo sobre a mulher a maior parte das tarefas domésticas.

De acordo com Dedecca (2004), os debates sobre o uso do tempo no âmbito familiar no Brasil estão historicamente ligados aos estudos de gênero. Seus resultados com dados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios (PNAD) mostraram que em 2001 apenas 42% dos homens declararam realizar alguma tarefa doméstica contra 90% das mulheres. Além disso, mulheres com filhos de até 15 anos realizam mais atividades domésticas do que as sem filhos. Confirmando esses resultados, Knudsen e Wærness (2007), com base em uma pesquisa realizada em 2002 pelo International Social Survey Program (ISSP) em 34 países, mostraram que o Brasil ocupa um dos primeiros lugares no tempo das mulheres alocado às atividades domésticas e na desigualdade desse tempo entre por homens e mulheres. As mulheres brasileiras alocam em média 33,5 horas semanais às atividades domésticas contra 10,2 horas dos homens, perdendo apenas para as chilenas com 38,3 horas semanais, contra 9,4 horas dos maridos. Diante desses resultados, a análise dos fatores que determinam a alocação do tempo a nível familiar é fundamental para inúmeros debates políticos e análises de políticas públicas.

Nas últimas décadas diversas abordagens foram desenvolvidas com o intuito de desvendar as causas e fatores que explicam as diferenças de gênero na alocação do tempo pessoal. Mas, apesar das diversas abordagens existentes, até o momento não existe um consenso sobre qual modelo é o mais apropriado para estudar o comportamento intrafamiliar com relação ao tempo dedicado a atividades domésticas dos casais. Alvares e Miles (2006) argumentam que os modelos microeconômicos tradicionais falham porque uma importante parte da divisão de tarefas domésticas ainda depende de identidades estruturais, normas sociais e atitudes que dão suporte ao papel de gênero tradicional.

Considerando estes aspectos, a análise apresentada nesse capítulo pretende identificar os fatores que determinam a alocação do tempo dos casais aos afazeres domésticos seguindo a abordagem defendida por Anxo e Carlin (2004), que propõem a estimação de três equações relacionadas a atividades domésticas com as seguintes variáveis respostas: a proporção do tempo de atividades domésticas realizada pelo marido, que está relacionada mais proximamente com a decisão sobre a alocação do tempo intradomiciliar; o tempo do marido e o tempo da esposa alocado às atividades domésticas. As duas últimas equações servem de controle para identificar, por exemplo, se um aumento na proporção de atividades domésticas do marido corresponde a um aumento do seu tempo de atividades domésticas ou a uma redução no tempo de atividades domésticas da esposa. A estimação será realizada a partir do modelo Tobit considerando o excesso de zeros na variável resposta relacionada ao tempo de

atividades domésticas do marido.

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