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Os Programas de Transferência Condicional de Renda (TCR) ganharam popularidade nos países em desenvolvimento, devido em parte ao caráter populista que agrega, favorecendo uma maior divulgação dos governos. Esses Programas consistem essencialmente na transferência de quantias em dinheiro para famílias desfavorecidas, exigindo em troca uma contrapartida dos beneficiados (condicionalidade). De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (2006), as avaliações do impacto dos Programas de TCR mostram que estes podem ser instrumentos eficazes para reduzir a pobreza e a desigualdade ao longo do tempo e que a condicionalidade é um componente importante dos programas. Por exemplo, as avaliações do programa do México, um dos programas pioneiros de transferência de renda em todo o mundo, mostram que ele teve efeito positivo de longo prazo na educação, na nutrição e na saúde dos beneficiários, especialmente as crianças, e aliviou a pobreza extrema.

No Brasil, o governo destina anualmente cerca de R$ 9 bilhões para tais programas. Até outubro de 2003, o Brasil tinha quatro Programas de TCR no âmbito federais, a saber: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), primeiro a ser criado, em 1996 e voltado para crianças de 7 a 15 anos obrigadas a trabalhar ou submetidas a atividades perigosas, insalubres e degradantes; o Bolsa Escola, criado em 2001; o Bolsa Alimentação, um programa da área da saúde, que veio logo depois do Bolsa Escola; e o Cartão Alimentação, criado em 2003 e destinado a famílias atendidas pelo Programa Fome Zero, sob a tutela do extinto MESA - Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Nutricional, e Combate à Fome, cujo uso estava limitado, exclusivamente, à compra de alimentos.

O Bolsa Família, criado em 2004 unificou os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação, anexando ainda o Auxílio-Gás8. Em dezembro de 2005, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil foi também integrado ao Bolsa Família. Com a unificação, os beneficiários dos antigos programas passaram a migrar para o Bolsa Família, porém esse é um processo demorado e até no ano de 2008 ainda há famílias que utilizam o cartão magnético dos programas Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. Considerando que os programas convivem durante determinados períodos, a PNAD recomenda evitar a análise de

8 Auxílio bimestral de R$7,50 fornecido pelo Ministério das Minas e Energia a ser pago a beneficiário do bolsa escola ou do bolsa alimentação.

cada programa isoladamente. A seguir serão detalhados os principais programas de transferências de renda no Brasil que irão embasar a análise empírica.

Bolsa escola

O Programa Bolsa Escola Federal foi implantado em 20019 e interrompido em 2003 para ser anexado ao Programa Bolsa Família. Esse programa de transferência condicional de renda vinculado ao Ministério da Educação tinha como objetivo garantir o atendimento escolar da população de 6 a 15 anos, reduzir a pobreza no curto prazo, reduzir a incidência de trabalho infantil e atuar como uma espécie de rede seguridade, mediante a concessão de bolsas que complementassem o orçamento mensal de famílias pobres (FERRO; KASSOUF, 2003). O programa caracterizou-se por ser descentralizado, delegando às prefeituras municipais o cadastramento dos beneficiários. O critério de elegibilidade das famílias é de que deveriam ter renda mensal per capita de até 90 reais. O valor da bolsa, por criança em idade escolar, foi definido em 15 reais sendo o máximo por família, o referente ao pagamento de bolsa para três crianças. O benefício deveria ser pago preferencialmente às mães dos alunos beneficiários.

As prefeituras municipais se comprometiam, ao aderir ao Programa, a instituir um programa de renda mínima por meio de lei municipal e a cadastrar e selecionar, de acordo com o critério de elegibilidade, as famílias beneficiárias. Como contrapartida da adesão ao Programa, as prefeituras deveriam desenvolver ações sócio-educativas em horário complementar ao das aulas, sem qualquer repasse financeiro. Além disso, os responsáveis pela educação municipal seriam os responsáveis pelo controle da freqüência escolar das crianças beneficiadas, devendo ser garantida sua presença em 85% das aulas. Para acompanhar a gestão do programa nos municípios impôs-se a criação dos Conselhos de Controle Social, compostos por mais de cinqüenta por cento dos membros pertencentes à sociedade civil sem vínculos com a administração municipal.

O Programa Bolsa Escola Federal foi considerado um modelo de combate à exclusão social e de promoção da educação. Com o diferencial de aliar a educação a um programa de renda mínima, desviou o foco tradicional de programas de seguridade social (renda) para uma política estrutural de longo prazo (investimento em educação). Ou seja, a contrapartida da família de manter as crianças na escola caracterizou o Programa como educacional e não

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O amparo legal foi fornecido pela Medida Provisória n° 2.140 de 13 de fevereiro de 2001 e a lei n° 10.219 de 11 de abril de 2001.

apenas uma ação de garantia de renda mínima. Por outro lado, ao eleger a mãe como responsável pelo recebimento da bolsa, o programa buscou uma forma de promover a equidade de gênero. Desse modo o Programa virou referência e serviu de modelo para similares em diversos países de diferentes contextos sociais, econômicos e culturais tais como, Argentina, Bolívia, El Salvador, México, Tanzânia, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, entre outros (WERTHEIN, 2003).

De acordo com Ferro e Kassouf (2003), as principais críticas em relação ao modelo adotado pelo Programa Bolsa Escola Federal foram as seguintes: i) o programa brasileiro não levava em conta o aumento no custo de oportunidade das crianças de acordo com a idade, mantendo o mesmo valor da bolsa no ensino básico e fundamental; ii) como exigia uma contrapartida municipal, as regiões mais necessitadas não eram atendidas, pois seriam incapazes de financiar um programa social desta natureza; iii) famílias com todas as crianças menores de seis anos eram desclassificadas, mesmo que extremamente pobres; e iv) como o programa não exigia um número mínimo de semestres ou períodos letivos freqüentados, os pais poderiam tirar as crianças que trabalhassem em atividades sazonais da escola em determinados períodos, e retorná-las ao programa em seguida, como forma de aumentar seus ganhos anuais, mesmo que isso prejudicasse o acúmulo de capital humano daquela criança. Além do mais, devido ao caráter descentralizado, poderia haver considerável variação na qualidade da implementação do programa e na magnitude do seu efeito sobre as respostas escolares esperadas, devido em parte, a características da política econômica local na tomada de decisões (BOURGUIGNON; FERREIRA; LEITE, 2003).

Bolsa alimentação

O Programa Bolsa Alimentação, vinculado ao Ministério da Saúde10, surgiu como complemento à Bolsa-Escola, que contemplava famílias com crianças em idade escolar. O Programa consistia na complementação da renda familiar, com recursos da União, para melhoria da alimentação e das condições de saúde e nutrição. Foi lançado nacionalmente em setembro de 2001 e englobado pelo Programa Bolsa Família em 2003. O programa era voltado para famílias com gestantes, mães amamentando crianças até seis meses de idade e crianças de seis meses até 6 anos de idade, de baixa renda e em risco nutricional. A seleção dos beneficiários era realizada pelos agentes comunitários, equipes de Saúde da Família ou pelas unidades de saúde nas localidades onde não há PACS (Programa de Agentes

Comunitários da Saúde) ou PSF (Programa de Saúde da Família). Os conselhos municipais de saúde realizavam a homologação final das listas.

Cada família cadastrada poderia receber de R$15,00 até R$45,00 por mês, ou seja, até três Bolsas-Alimentação, pagas preferencialmente às mães. O benefício tinha a duração de seis meses, prorrogáveis por períodos iguais, caso a pessoa se mantivesse nas condições de pobreza e cumprisse as condicionalidades do programa, que eram representadas pelo cumprimento de uma agenda de compromisso. Esta agenda consistia de um conjunto de ações relativas à saúde que o responsável pelo recebimento do benefício se comprometia a cumprir. As gestantes deveriam fazer consultas de pré-natal e participar de atividades educativas realizadas pela unidade de saúde. A mãe, pai ou responsável deveria apresentar registro de nascimento da criança, manter a amamentação da criança (no caso da nutriz) e pesá-la periodicamente, manter a vacinação da criança em dia e participar de atividades educativas realizadas pela unidade de saúde.

Ao aderir ao programa o município comprometia-se a oferecer os serviços de vacinação, pesagem das crianças e assistência à saúde, que eram exigidos dos beneficiários.

Bolsa família

O Programa Bolsa Família,11 vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), unificou em 2003 diversos programas de transferência de renda do governo federal. Caracteriza-se por ser focalizado (atendimento a famílias socialmente vulneráveis), condicionado (é necessário o cumprimento de condicionalidades por parte das famílias beneficiárias) e de livre utilização (não é necessária a apresentação de nota fiscal comprovando a utilização do dinheiro). De acordo com o MDS, os objetivos do programa podem ser traduzidos como: o alívio imediato da pobreza (transferência de renda), a ruptura do ciclo intergeracional da pobreza (condicionalidades) e desenvolvimento das famílias mais pobres (ações complementares). Considerando que os programas sociais que vigoravam à época funcionavam isoladamente uns dos outros e que parte significativa das famílias estavam inscritas em apenas um programa, quando teria direito a mais de um, o Governo Federal promoveu a união dos programas buscando assim o aumento da qualidade dos gastos públicos, a partir de uma gestão coordenada e integrada, de forma intersetorial.

11 Instituído legalmente pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004 e alterado pelo Decreto nº 5.749 de 11.04.2006 e pelo Decreto nº 6.157 de16 de julho de 2007.

As famílias elegíveis ao Bolsa Família são divididas em dois grupos: i) as que se encontram em situação de extrema pobreza, com renda mensal de até R$60,00 por pessoa e ii) as famílias pobres entendidas como aquelas com renda mensal per capita de até R$ 120,00 por pessoa, e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças e jovens entre 0 (zero) e 16 (dezesseis) anos incompletos. Os benefícios recebidos pelas famílias podem ser de dois tipos: o básico, no valor de R$ 58,00 que será concedido às famílias em situação de extrema pobreza, independente da composição e do número de membros do grupo familiar, e o variável, no valor de R$ 18,00, para famílias pobres e extremamente pobres que tenham sob sua responsabilidade crianças e jovens na faixa de 0 a 16 anos incompletos, até o teto de 3 (três) benefícios por família. As famílias em situação de extrema pobreza poderão acumular o benefício básico e o variável, chegando ao máximo de R$ 112,00 mensais (R$ 58,00 do benefício básico mais R$ 54,00 do benefício variável). As famílias em situação de pobreza com renda entre R$ 60,01 e R$120,00 podem receber até R$ 54,00.12

Para que possam permanecer no Programa, as famílias devem cumprir as seguintes condicionalidades:

a) Acompanhamento de saúde, inclusive pré-natal, e do estado nutricional de todos os membros da família.

b) Freqüência à escola: todas as crianças em idade escolar devem estar matriculadas e freqüentando o ensino fundamental.

c) Educação alimentar: todas as famílias beneficiárias devem participar de ações de educação alimentar oferecidas pelo Governo Federal, estadual e/ou municipal, quando oferecidas.

O Programa Bolsa Família é descentralizado e sua realização requer o esforço dos três níveis de governo. Cabe aos entes federados oferecer serviços educacionais e de saúde; os municípios são ainda responsáveis pela inscrição das famílias pobres no Cadastramento Único. Desse modo, são vários os responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização do cumprimento das condicionalidades: o MDS, no que diz respeito ao apoio, à articulação intersetorial e à supervisão das ações governamentais para o cumprimento das condições do Programa Bolsa Família. Sendo também responsável pela disponibilização da base atualizada do Cadastramento Único do Governo Federal aos Ministérios da Educação e da Saúde; o Ministério da Educação, no que diz respeito à freqüência mínima de 85% da carga horária escolar mensal, em estabelecimentos de ensino regular, de crianças e adolescentes de 6 a 15

12 Esses valores foram atualizados pelos Decretos nº 5.749 de 11.04.2006 e nº 6.157 de16 de julho de 2007. Os valores afixados originalmente para a elegibilidade da família eram de R$ 50,00 para as extremamente pobres e R$ 100,00 para as pobres com dependentes entre 0 e 16 anos incompletos. Os valores dos benefícios, fixo e variável eram R4 50,00 e R$ 15,00, respectivamente.

anos; o Ministério da Saúde, no que diz respeito ao acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, da assistência ao pré-natal e ao recém-nascido, da vacinação, bem como da vigilância alimentar e nutricional de crianças menores de sete anos; e, os estados, Distrito Federal e municípios que reunirem as condições técnicas e operacionais para a gestão do acompanhamento das condições do Programa Bolsa Família que poderão exercer essa atribuição na forma disciplinada pelos Ministérios envolvidos.

Os Primeiros Resultados da Análise da Linha de Base da Pesquisa de Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família13 realizada em 2005 pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) sobre os indicadores de gastos domiciliares, educação, trabalho e empoderamento da mulher nos domicílios beneficiados ou não pelo Bolsa Família, mostraram um efeito positivo para os beneficiários do programa em relação aos gastos domiciliares, especialmente nos gastos com alimentos e educação. Em relação à educação, a pesquisa acusou impacto positivo na freqüência escolar das crianças beneficiárias e também uma menor evasão escolar destas, no entanto, ao comparar os resultados relativos à progressão escolar, não se observou diferenciais significativos entre beneficiários e não beneficiários do programa, ou seja, o programa não resolve o problema da qualidade educacional. Em relação à ocupação dos adultos, os resultados indicam uma maior participação no mercado de trabalho dos beneficiários do Bolsa Família, destacando-se as mulheres, com taxa de ocupação das beneficiárias bastante superior às das não beneficiárias. Quanto ao empoderamento da mulher, os resultados demonstraram um maior poder de barganha entre as mulheres de famílias beneficiárias.

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