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2.3 Usos competitivos da água em um trecho de rio

2.3.3 Geração de hidroeletricidade

2.3.3.3 Impactos ambientais provocados por UHE

A construção de uma usina hidrelétrica requer o barramento do curso d’água e este tipo de intervenção tem impactos, que em muitos casos são irreversíveis para o ecossistema. Conforme a World Water Development Report (WWAP, 2009) dos 230 principais rios do mundo, aproximadamente de 60% são fragmentados por estas transformações, com consequências consideradas de moderadas a sérias.

Existem diversas formas de diferenciar UHE’s, por exemplo, quanto à altura da queda de água, quanto à quantidade de potência instalada, quanto ao tipo de turbina utilizada para geração de energia elétrica, quanto à capacidade de regularização do reservatório, entre outras.

Como o foco desta seção é a apresentação dos impactos ambientais propiciados por UHE, é interessante optar pela análise da classificação quanto à capacidade de regularização do reservatório. Quanto à esta capacidade, as usinas hidrelétricas podem ser classificadas conforme o “Manual Inventário Hidrelétrico de Bacias Hidrográficas” (ELETROBRÁS, 1984), da seguinte forma:

a) De acumulação: constituída por um reservatório que garanta uma alimentação constante de fluxo nas turbinas, reservando águas afluentes no período de cheia e descarregando águas no período de estiagem.

b) A fio d’água: quando a reservação eventual não tem a finalidade de regularizar as vazões, tendo o objetivo de sustentar a adução e manter a queda de projeto.

De modo geral, a construção de qualquer tipo de empreendimento hidrelétrico pode causar alterações no regime hidrológico, temperatura da água, transporte de nutrientes e sedimentos, alimentação de deltas, bloqueio na migração de peixes (DAILY et al., 1997), (BEAN e THOMAS, 2013). Também podem ser observadas perdas substanciais por meio de evaporação dos reservatórios (WWAP, 2009).

Em se tratando das usinas de acumulação, os principais impactos são causados pela constituição de grandes reservatórios que, conforme Souza (2009), altera os períodos de ocorrência de eventos de cheias desconectando rios em suas

direções longitudinal e lateral na cheia, e conectando além do usual na estiagem, pela regularização.

Para as usinas que operam a “fio d’água”, existem os casos com a geração no “pé da barragem” onde a casa de força é acoplada ao barramento e tendo a água vertida e turbinada juntas imediatamente após este barramento; e as que fazem a geração utilizando um trecho de vazão reduzida (TVA) onde a casa de força principal não está junto ao barramento (JAIN, 2015).

Neste ultimo caso parte da vazão afluente é liberada para o TVA e parte é desviada para ser turbinada, sendo esta última conduzida por túneis ou canais de adução até a casa de força, e na sequência somada à descarga escoada pelo TVA, quilômetros após. Como pode ser observado na Figura 2.4.

Figura 2-4 – Divisão do escoamento em aproveitamentos com TVA.

Q TVA

Q Aflu

Q Tur

Q Aflu = Q Tur + Q TVA

Fonte: Adaptado de UFSM/FEPAM (2006)

O principal impacto neste formato de usina é a criação de um “curto-circuito” no rio para aproveitar o declive topográfico natural, desconectando o rio longitudinalmente e alterando o regime no trecho de vazões reduzidas (SOUZA, 2009). A derivação de grandes vazões de cursos naturais também pode causar um impacto negativo na quantidade e na qualidade da água restante disponível para atendimento dos usos múltiplos para o trecho de rio. A quantidade de água que

permanece no trecho original pode ser suficiente para a manutenção dos diversos usos da bacia hidrográfica ou pode ser insuficiente e causar a disputa pelo recurso.

Neste último caso, pode resultar em uma situação mais crítica, com a interrupção da vazão neste trecho e a suspensão das atividades a ele relacionadas. Esta situação pode não ser aceita e deve estar prevista no processo de outorga e licenciamento de empreendimentos que utilizam a água desta forma. Há casos em que a utilização da água pode chegar ao limite da disponibilidade hídrica no rio (COLLISHONN, 2014).

Dentre as diversas situações relacionadas aos usos competitivos da água, que podem contribuir para o aumento dos impactos ambientais no TVA, destaca-se a irrigação e a diluição de cargas. Considerada uma das atividades com maior percentual de consumo, a irrigação representa aproximadamente 70% do consumo total (MAYERS et al., 2009). Por outro lado, como já discutido anteriormente, a irrigação propicia uma garantia da produção, considerando que a água proveniente das precipitações pode não ser suficiente ao completo e satisfatório desenvolvimento das plantas. Conforme Petry (2004), a água é o principal responsável pelas variações na produtividade e rendimento de grãos das culturas.

O aporte de cargas poluidoras no TVA pode resultar em uma situação ainda mais impactante. A partir deste aporte há uma alteração qualitativa na água do TVA, formando uma barreira para a manutenção de um padrão mínimo de qualidade, adequado ao enquadramento.

A manutenção da qualidade está associada à capacidade de diluição dessas cargas no TVA. Conforme Souza (2009) quanto maior o TVA, maior os impactos associados. Se no trecho de vazão reduzida existir uma contribuição significativa de carga orgânica, a vazão que está sendo mantida pela efluência da barragem poderá não ser suficiente para promover a diluição destas cargas e manter os níveis de qualidade dentro do padrão aceitável na legislação vigente.

Para que o uso hidroagrícola exista no TVA de uma usina hidrelétrica que recebe cargas poluidoras provenientes de uma área urbana, o planejamento da operação da usina deve considerar, além da demanda ambiental, a demanda das lavouras que dependem da mesma fonte de água. Mesmo no caso de captações para irrigação que ocorrem a montante da usina, a situação interfere nas vazões a serem turbinadas, pois estas serão menores após as captações para irrigação.

Portanto, para que o empreendimento contemple os múltiplos usos na região, é necessário um planejamento para obtenção do balanceamento da operação da usina com as demandas dos outros usos ao longo do TVA ou logo a montante, no caso da irrigação. Para que este balanceamento seja representativo, deve estar previsto no licenciamento ambiental com o regramento dos usos da água a partir de análises prévias, para que sejam decididos e limitados os valores disponíveis de água para cada usuário. Porém este é um desafio aos tomadores de decisão, porque envolve as condições ambientais e socioeconômicas de cada região em análise, contrapondo a dependência da geração hidrelétrica no contexto do país.

Deve-se enfatizar ainda a complexidade da avaliação destes múltiplos usos, já que o uso da água para irrigação, assim como o controle da capacidade de diluição das cargas poluidoras no TVA possuem um caráter local, enquanto a geração de energia em hidrelétricas, principalmente em UHE de médio e grande porte, possuem um caráter mais amplo uma vez que a eletricidade gerada nestas UHE são inseridas no Sistema Interligado Nacional (SIN), não contribuindo exclusivamente para a região onde está localizado o TVA.

Com relação aos impactos verificados em trechos de rio com vazões reduzidas diversos estudos abordam as questões ambientais, como o equilíbrio do ecossistema aquático e ribeirinho. Em Jain (2015) o autor enfatiza que no contexto da geração considerando o uso para manutenção ambiental, o conceito de sustentabilidade sugere que os ecossitemas devam ser preservados. Se a demanda atual excede o potencial renovável da água deve-se decidir o quanto de água utilizado diretamente para a demanda da sociedade e o quanto deve ser usado indiretamente para o equilíbrio dos ecossistemas.

Estas questões geralmente resultam em definir uma vazão ou um regime de vazões no TVA para que sejam contemplados os aspectos ambientais. Esta vazão é geralmente caracterizada com base na série histórica de vazões e em muitos casos com um valor fixo que pode ser considerado muito conservador, restringindo os usos da água no trecho.

Neste contexto os estudos atuais também demonstram a preocupação em não oferecer um ambiente com muita restrição de usos da água, pois as questões sociais e econômicas também devem ser apreciadas.

Um exemplo disso é o caso citado por Richter et al. (1997), em que os usuários da água para geração hidrelétrica questionam a necessidade de se manter um nível do rio em prol de espécies de peixes. Surge a discussão sobre o mínimo admitido para um rio sem grandes prejuízos aos peixes, por interesse de instalações de hidrelétricas. Com a finalidade de se buscar o limite para se manterem estas espécies, mas que também que possa atender aos demais usos, incluindo a irrigação.