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Impactos da reestruturação produtiva: precariedade e vulnerabilidade social

A propósito do surgimento da reestruturação e dos impactos gerados por ela sobre os trabalhadores, João Bernardo em a Transnacionalização do capital e fragmentação dos

trabalhadores, argumenta que a reestruturação capitalista assumiu, como sempre acontece na

história do capitalismo, a forma de uma recuperação dos temas que haviam sido propostos pelos trabalhadores. Ou seja, desde a crise do fordismo em fins dos anos 60 e início dos 70, com as revoltas do “operário-massa” contra as formas de exploração tayloristas-fordista no trabalho, em que os trabalhadores ocuparam empresas e passaram a geri-las, demonstrando não precisarem de patrões e administradores, surgiu uma forma de inovação da organização do processo de trabalho, de remodelação das hierarquias e de tomadas de decisões pelos próprios trabalhadores, talvez sem precedentes na história do capitalismo (BERNARDO, 2000).

Assim, foram os próprios trabalhadores, ao desenvolverem as lutas fora do consenso estabelecido entre dirigentes sindicais e patrões, legitimados pelo Estado de Bem-Estar social, que inauguraram uma forma de remodelar as relações de trabalho e a disciplina no espaço produtivo. Pois, segundo João Bernardo, eles demonstraram a capacidade de controlar diretamente não só o movimento reivindicativo, mas o próprio funcionamento das empresas (Idem). Expuseram aos patrões a sua inteligência, iniciativa e capacidade de organização.

Dessa forma, os capitalistas compreenderam que havia outra possibilidade de explorá-los, não os privando de “qualquer iniciativa e mantendo-os enclausurados nas compartimentações estritas do taylorismo e do fordismo” (Idem, p.29). Mas podiam agora ampliar o seu lucro, explorando não apenas a força de seu trabalho, mas a imaginação, os dotes organizativos, a capacidade de cooperação, enfim todas as virtualidades da inteligência. Foi com a finalidade de se apropriar da subjetividade operária sua capacidade organizativa que se desenvolveram a tecnologia eletrônica e os computadores e que se remodelaram os sistemas de administração de empresa, implantando-se o toyotismo, a qualidade total e outras técnicas similares de gestão (Idem).

Com isso, a reestruturação produtiva, para Bernardo (2000), é o resultado das lutas empreendidas pelos trabalhadores nos anos 60 e 70, pois com as inovações, sobretudo organizacionais em que se privilegia a criatividade e disciplina no trabalho, o capital soube assimila-las colocando-as inteiramente à sua disposição para uma nova forma de exploração e domínio sobre os trabalhadores.

Paralelamente a isso é possível notar também a instauração do reino da flexibilidade por meio dos contratos temporários. Estes surgem como mais um dos artifícios da reestruturação produtiva que, na verdade, decorre das práticas políticas neoliberais, visando à individualização das relações salariais. Nesse sentido, trata-se de medidas que, juntas às exigências de participação (polivalente) dos trabalhadores no processo produtivo, formam o cenário perfeito a auto- exploração, de modo que ao se situarem em determinadas dependências hierárquicas do processo de valorização do capital, os trabalhadores são obrigados a se submeterem racionalmente às exigências do auto-controle, imposto pela lógica da sociedade regida pelo capital. A conseqüência disso, desnecessário dizer, é a quebra da solidariedade de classe.

Diante disso, tem-se uma nova forma de subordinação do trabalho ao capital, que se caracteriza principalmente pela organização flexível do trabalho. Desregulamentação, subcontratação e precarização do trabalho, tornam-se, portanto, novas formas de superexploração do trabalho, definidas pela pressão do desemprego estrutural e pelas cotas produtivas, as quais os trabalhadores devem alcançar se quiserem permanecer empregados. Portanto, surgem aí os novos “chicotes invisíveis” da exploração capitalista, ou seja, a participação cotidiana do trabalhador, mesmo fora dos muros da fábrica e de seu espaço de trabalho, no processo de valorização do capital.

Em um estudo bastante interessante sobre algumas regiões da Europa e do Reino Unido, Huw Beynon (2002) esboça algumas conclusões em torno dessas questões ao analisar “as

práticas do trabalho em mutação” naquelas regiões. Trata-se de uma análise em que o autor

busca demonstrar o processo de mudança em curso na sociedade contemporânea.

Visualiza-se, portanto, um conjunto de fatores que convergem em um único processo, qual seja, a reestruturação produtiva. Assim, desde o fechamento de fábricas, visando um novo arranjo geográfico, até o enxugamento das empresas com redução do quadro de funcionários, a reestruturação produtiva tem sido um processo recorrente adotado pelas empresas para aumentar a capacidade de concorrência internacional (BEYNON, 2002).

Na verdade, tais mudanças podem ser caracterizadas também pela incorporação de diversas formas de cortes de pessoal combinadas com procedimentos e técnicas, que alteram o processo de trabalho, porém, com o objetivo de aumentar a produtividade por parte dos remanescentes. Dessa forma, segundo Beynon, “os níveis de emprego também são reduzidos, em decorrência das técnicas de terceirização”, que recomendam subcontratar atividades específicas de outras empresas mais especializadas (2002, p.12).

Assim, nasce o que o autor denominou de “trabalhador hifenizado”. Esse tipo de trabalhador expressa, na verdade, as alterações processadas nas relações de trabalho e de emprego decorrentes da reestruturação produtiva. Seus impactos sobre os trabalhadores puderam ser visualizados a partir da criação, nos anos 1990, de diferentes tipos de empregados. É o que nos apresenta Hum Beynon quanto a esses “trabalhadores hifenizados”, ou seja, trabalhadores em tempo parcial (part-time workers), temporários (temporary workers), em emprego casual (casual

workers) ou mesmo por conta própria (self-employed-worker). Eles são a marca indelével do

novo padrão de acumulação flexível, isto é, a parte mais significativa da nova economia no século XXI (BEYNON, 2002).

Nesse sentido, o capitalismo contemporâneo atingiu um desenvolvimento histórico em que a precariedade do emprego e o próprio desemprego estrutural tornaram-se características dominantes dessa nova forma de reprodução do capital. Segundo Mészáros,

Atingimos uma fase do desenvolvimento histórico do sistema capitalista em que o desemprego é a sua característica dominante. Nessa nova configuração, o sistema capitalista é constituído por uma rede fechada de interrelações e de inter- determinações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego em áreas limitadas, em agudo contraste com o período desenvolvimentista do pós-guerra, em que políticos liberais de alguns países privilegiados afirmavam a possibilidade do pleno emprego em uma sociedade livre (MÉSZÁROS, 2006, p. 31).

Portanto, é possível dizer que, nessa sua nova configuração, o sistema edificou novas “modalidades de assalariamento”, entre as quais o “trabalho atípico” assume um papel predominante (VASAPOLLO, 2005).

Em um importante estudo sobre o “trabalho atípico” e a precariedade em vários países da Europa, Vasapollo (2005) atenta-se para as transformações do capitalismo nos últimos anos, que compreendem uma transição da produção em massa, característica do fordismo, para a produção e distribuição flexíveis. Segundo ele,

As mudanças vêm sendo percebidas desde o segundo pós-guerra, com o desenvolvimento tecnológico, seja no método de produção, seja, de forma mais direta, no mundo do trabalho. A indústria vem se transformando, os equipamentos, criados para melhorar a produtividade do trabalho nos processos repetitivos, vêm, na verdade, aumentando os ritmos e os encargos dos trabalhadores, sem responder com iguais incrementos de salários reais ou correspondentes reduções das jornadas de trabalho (VASAPOLLO, 2005, p.18).

Houve ainda nessa perspectiva, um movimento importante de passagem da grande indústria que abrigava em seu interior todos os processos de produção, para um modelo de descentralização produtiva (Idem). Dessa forma, tais mudanças que vieram acompanhadas por mutações tecnológicas não colocam em xeque a centralidade do trabalho, ou mesmo o seu desaparecimento, mas ao contrário, inauguram um “trabalho atípico” que, segundo Vasapollo (2005) possui um forte conteúdo de precariedade.

A nova organização capitalista do trabalho é caracterizada cada vez mais pela precariedade, pela flexibilização e desregulamentação, de maneira sem precedentes para os assalariados. É o mal-estar do trabalho, o medo de perder seu próprio posto, de não poder mais ter uma vida social e de viver apenas do trabalho e para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. É o processo que precariza a totalidade do viver social (Idem, p.27)45.

Apesar de ser encarada como alternativa do capital para combater o desemprego, a flexibilidade possui, na verdade, um outro significado, quando se verifica a sua definição essencial, funcional ou organizativa. Dessa forma, ela pode ser entendida, conforme nosso autor, como:

45 Um exemplo de flexibilidade, precarização e desregulamentação, característico dessa nova forma de ser do capitalismo é dado por Sennet (2000) quando realiza uma análise sobre as muitas mudanças na organização e representação do trabalho dos padeiros numa padaria de Boston, que alterou o seu processo de trabalho com a incorporação de máquinas. Diante dessas mudanças, Sennet constatou os inúmeros paradoxos e complicações para o trabalho daqueles padeiros que representaram a desqualificação e alienação total do processo. Pois, imersos num local de trabalho high-tech, flexível, onde tudo é fácil de usar, os empregados se sentem pessoalmente degradados pela maneira como trabalham. A conseqüência dessas mudanças é que os padeiros não mais sabem de fato como fazer pão e dependentes de programas e controles de processos, eles não só perdem suas habilidades enquanto padeiros, mas já não podem ter o conhecimento prático. “O trabalho não é mais legível para eles no sentido de entender o que estão fazendo”. Assim, para Sennet, há um motivo econômico para os computadores, mostradores, prensas e fornos fáceis de usar, pois, eles permitem à empresa contratar trabalhadores que possuem as qualificações – embora hoje todos tenham qualificações técnicas formais mais elevadas. Desse modo, a dificuldade, para o capital, é contraprodutiva num regime flexível porque quanto mais fácil e sem resistência são os métodos produtivos, mais condições para a atividade acrítica e indiferente por parte dos usuários se cria (SENNET, 2000, p.80-102).

• liberdade da empresa para despedir parte de seus empregados, sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem;

• liberdade da empresa para reduzir ou aumentar o horário de trabalho, repetidamente e sem aviso prévio, quando a produção necessite;

• faculdade da empresa de pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho, seja para solucionar negociações salariais, seja para poder participar de uma concorrência internacional;

• possibilidade de a empresa subdividir a jornada de trabalho em dia e semana de sua conveniência, mudando os horários e as características (trabalho por turno, por escala, em tempo parcial, horário flexível etc.);

• liberdade para destinar parte de sua atividade a empresas externas;

• possibilidade de contratar trabalhadores em regime de trabalho temporário, de fazer contratos por tempo parcial, de um técnico assumir um trabalho por tempo determinado, subcontratado, entre outras figuras emergentes do trabalho atípico, diminuindo o pessoal e índices inferiores a 20% do total da empresa (VASAPOLLO, 2006, p.45-6).

Com isso, a flexibilidade não pode ser a solução para aumentar os índices de ocupação, o que seria uma grande ilusão, quando se percebe o seu significado substantivo. Dito de outro modo, a flexibilização é uma imposição do capital ao trabalho, cujo objetivo é precarizar as condições de trabalho, fazendo com que os trabalhadores aceitem-nas com salários reais baixos e contratos de trabalho desregulamentados, sem garantias sociais. As conseqüências disso são nefastas para o sujeito trabalhador.

Robert Castel em seu livro, “As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário

(1998)”, afirmou que inversamente ao trabalho estável que possui uma inserção sólida numa área

de investigação, a ausência de participação em qualquer atividade produtiva e o isolamento relacional conjugam seus efeitos negativos para produzir a exclusão, o que em outras palavras, segundo o autor, representa uma certa “desfiliação”46 (CASTEL, 1998). Nesse caso, não se trata apenas de um mal-estar daqueles que continuam no mundo do trabalho, ainda que precarizados, mas se trata também daqueles que se tornaram supérfluos ao sistema, ou seja, os inúteis sociais,

46 Desfiliação significa, portanto, perda de raízes sociais e econômicas e situa-se no universo semântico dos que foram desligados, desatados, desamarrados, transformados em sobrantes, inúteis e desabilitados socialmente (CASTEL, 1998; KOWARICK, 2003).

que não encontram mais suas raízes no cotidiano do trabalho, do bairro ou da vida associativa (Idem). Essa é a nova questão social a que Castel (1998); Boltanski e Chiapello (2002); Kowarick (2003); Ramalho e Santana (2003) chamam a atenção.

Nesse sentido, a investigação de Robert Castel é grandiosa porque problematiza as interpretações que deflagraram o fim do trabalho ao demonstrar que há uma metamorfose em curso. No entanto, essa metamorfose se dá em relação à sociabilidade anterior, na medida em que sua coesão é quebrada por um conjunto de mudanças que fazem emergir uma nova problemática acerca do pertencimento dos indivíduos à sociedade. Ou seja, o trabalho ainda é uma dimensão de identificação do sujeito porque constitui o elemento central da coesão social, bem como a sensação de pertencimento dos indivíduos a uma determinada sociabilidade.

Todavia, essa coesão tem sido quebrada pela ascensão do novo padrão de acumulação flexível do capital, que instaurou, contraditoriamente, em seu interior uma crise denominada por (CASTEL, 1998) de “crise da sociedade salarial”. Ela traz à tona uma nova questão social em relação à sociedade salarial anterior, no sentido de que é marcada inexoravelmente por um processo em massa de desenraizamento e vulnerabilidade social e econômica47.

Portanto, as antigas comunidades em que prevalecia uma sociabilidade operária popular em torno das associações de bairro, dos sindicatos e dos partidos, que eram recorrentes nos anos 50 e 60 na Europa, agora não encontram mais coesão social. Segundo Lúcio Kowarick,

Seja pelo aumento do desemprego e trabalho precário, seja pela crise econômica pós- 1975, pelas mudanças tecnológicas e organizacionais decorrentes do modo de acumulação flexível ou por inúmeras outras causas (...) o importante a realçar é

47 Num estudo que se propõe debater no âmbito das ciências sociais na França questões pertinentes ao trabalho, à exclusão e à precarização, Helena Hirata e Edmond Preteceille (2002) tem como objetivo central perceber o processo gerado pelas transformações econômicas em curso e como elas aparecem no debate francês. Esse processo que aconteceu numa conjuntura duplamente desfavorável para os franceses foi constatado pelos autores na presente síntese: “A dupla transformação do trabalho a que se assiste hoje, por um lado, no conteúdo da atividade e, por outro, nas formas de emprego, exige que se analisem, simultaneamente, tanto a organização do trabalho nas empresas como o mercado do emprego. Com efeito, essa transformação é aparentemente contraditória. De uma parte, a implementação de novos modelos de organização exige a estabilidade e o envolvimento do sujeito no processo de trabalho, o que se dá por meio de atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade, comunicação. De outra, os vínculos empregatícios tornam-se sempre precários com o desenvolvimento das formas instáveis, antigamente chamadas atípicas, de emprego. Essas duas exigências contraditórias, de estabilidade nos postos de trabalho – para tornar possível o envolvimento e a reprodução ampliada das qualificações – e de fluidez do volume do emprego – acarretando a instabilidade para grande número de assalariados – decorrem das exigências de flexibilidade tanto no interior da empresa (polivalência, rotatividade, adaptabilidade dos trabalhadores) quanto no mercado de trabalho (diminuição das imposições jurídicas) para os recrutamentos e as dimensões, flexibilidade do tempo trabalhado, segundo o volume de produção, e no mercado de produtos às flutuações das demandas” (HIRATA; PRETECEILLE, 2002, p. 58).

que esses mundos operários-populares se desfazem: neles, os conflitos e as reivindicações contrapunham-se a opositores visíveis – o Estado, a burguesia, o patronato – e a violência inerentes a essas lutas construía significados e sentidos que visavam a alterar a balança dos benefícios e das riquezas, e não poucas vezes projetavam valores de uma nova sociabilidade (...) (KOWARICK, 2003, p.71).

Acontece que esses valores de uma nova sociabilidade não são considerados na ótica do capital, de modo que na conjuntura acirrada dos anos 1980 e 1990, desarticulam-se as formas associativas que sedimentavam identidades assentadas no trabalho assalariado e na vida comunitária (Idem). Por isso, trata-se de uma crise da sociedade salarial (CASTEL, 1998).

Os efeitos dessa crise “são sentidos em toda a parte”, no dizer de Pierre Bourdieu, porque a precariedade atingiu não só o setor privado, mas também o público, as instituições de produção e difusão cultural, bem como a educação e o jornalismo dentre tantos outros setores da vida social. Entretanto, em todas as dimensões é possível perceber mais ou menos os mesmos efeitos, que se tornaram particularmente visíveis no caso extremo dos desempregados: “a desestruturação da existência privada, entre outras coisas, de suas estruturas temporais e a degradação de toda a relação com o mundo e, como conseqüência com o tempo e o espaço” (BOURDIEU, 1998, p.120). Assim,

A precariedade afeta profundamente qualquer homem ou mulher, expostos a seus efeitos, tornando o futuro incerto, ela impede qualquer antecipação racional e, especialmente, esse mínimo de crença e de esperança no futuro que é preciso ter para se revoltar, sobretudo coletivamente, contra o presente, mesmo o mais intolerável (BOURDIEU, 1998, p.120).

A precariedade impõe-se, portanto, como uma forma de instaurar o medo, atormentando a consciência e o inconsciente, pressionando-os acerca de sua fragilidade. Portanto, ela representa a capacidade de promoção generalizada da insegurança objetiva e subjetiva cujo fundamento primeiro é aterrorizar o conjunto dos trabalhadores. Dessa forma, a fragmentação desses trabalhadores implica, em certa medida, no princípio da desmoralização e da desmobilização a qual todos devem se submeter, independentemente de sua posição social, qualificação técnica ou competência profissional. Pois, “os desempregados e os trabalhadores destituídos de estabilidade não são passíveis de mobilização, pelo fato de terem sido atingidos em sua capacidade de se projetar no futuro” (BOURDIEU, 1998, p.121).

Diante desse quadro de flexibilização que se impõe sobre a força de trabalho, os trabalhadores são obrigados a se submeterem às piores condições de trabalho e de salários, em

razão de ajustes condicionantes produzidos pelo sistema do capital para recuperar o seu controle sobre o trabalho. Nesse sentido, o desemprego tem servido como uma das principais estratégias do capital para ampliar não apenas seu controle sobre o trabalho, mas também recuperar suas bases reprodutivas48.

No que concerne às últimas transformações no interior da lógica expansiva de acumulação do capital não as entendemos como resultado de um processo linear de avanço da ciência e da tecnologia aplicadas ao processo produtivo, mas como uma processualidade contraditória na qual o trabalho está imerso em seu caráter multifacetado constituindo, portanto, uma nova morfologia do mundo do trabalho49 (ANTUNES, 2000; 2005).

Essa nova morfologia do trabalho a que Antunes (2005) se refere para explicar os efeitos da reestruturação capitalista também se aplica ao Brasil, na medida em que ela surge como estratégia defensiva das empresas na tentativa de se recuperarem da crise econômica que atinge o país nos anos de 1980. Todavia, com a abertura da economia na década de 90 em que ocorre a emergência tanto da ideologia, quanto de práticas políticas neoliberais, a reestruturação produtiva assume um caráter sistêmico, como parte das exigências do novo padrão de acumulação do capital.

Tendo em vista tal processo, analisaremos a seguir de que forma isso se deu no Brasil, e de que maneira o caso da Zanini se insere nesse contexto de transformações da economia nacional e de instauração da reestruturação produtiva. Diante disso, buscar-se-á apreender os impactos gerados sobre a classe trabalhadora, especialmente os trabalhadores da Zanini na década de 90.

48 O desemprego não pode ser entendido como resultado natural de um ajuste estrutural do sistema, produzido pela incorporação de novas tecnologias ao processo de trabalho. Ao contrário, é preciso levar em consideração que ele é conseqüência da luta de classes entre capitalistas e trabalhadores que se confrontam no âmbito das relações sociais estabelecidas pela lógica do capital.

49

Ao observar as múltiplas processualidades que envolvem o mundo do trabalho, Antunes verifica um processo de desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países avançados, havendo uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Operou-se também uma expressiva expansão do trabalho assalariado no setor de serviços bem como uma significativa heterogeneização do trabalho, conforme se incorporou o trabalho feminino no mundo operário. Somando a isso, a expansão do trabalho parcial, temporário precário, subcontratado, terceirizado, pode-se dizer que, de acordo com o autor, a sociedade do capitalismo contemporâneo é marcada por uma dualidade. Pois, se de um lado temos a redução do operariado industrial, com as novas técnicas de produção, acompanhadas pela incorporação da ciência e tecnologia ao processo de trabalho. De outro, há um aumento do trabalho precário, temporário e subcontratado, que marca, por assim dizer, uma maior heterogeneização, fragmentação e