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4 IMPACTOS NEUROCOGNITIVOS DECORRENTES DO TRATAMENTO

4.1 Impactos Neurocognitivos

4.1.1 IMPACTOS NEUROCOGNITIVOS DECORRENTES DO

A quimioterapia isolada, substituindo a irradiação craniana, tem sido considerada o tratamento padrão para crianças diagnosticadas com LLA. No entanto, ainda são escassos os estudos acerca dos impactos neuropsicológicos resultantes do uso da quimioterapia isolada, notadamente no que se refere aos fármacos utilizados na etapa do tratamento direcionado à proteção do sistema nervoso central. Vale salientar que se soma à escassez anteriormente aludida, relativa polêmica acerca das relações entre a eficácia de cura desta modalidade de tratamento, comumente identificada como menos prejudicial, e a presença de sequelas neurocognitivas, embora estas últimas pareçam ser mais sutis do que aqueles relacionadas à radioterapia (Cole & Kamen, 2006).

O uso da combinação MADIT (metotrexato,citarabina e dexametasona intratecal) é recomendado para a profilaxia e tratamento da leucemia no SNC e está presente em quase todas as etapas do protocolos utilizados. A administração pela via intratecal permite que esta combinação atinja o fluído cérebro-espinhal (FCE). Atualmente admite-se que a administração de quimioterapia intratecal tripla pode substituir a radioterapia cranial, mesmo em crianças com alto risco. Esta via de administração requer cuidados mais específicos. Citarabina e metotrexato possuem longos tempos de meia-vida no FCE e devem ter suas doses ajustadas quando o paciente também fizer uso destes mesmos medicamentos sistemicamente, evitando assim eventos ligados à toxicidade destes agentes (Cazé, Bueno, & Santos, 2010).

Destaca-se ainda conjunto de estudos que busca explicitar a natureza dos declínios neurocognitivos decorrentes do uso exclusivo de fármacos específicos (sem

radioterapia) nas diferentes etapas do tratamento quimioterápico. Em especial são destacados o metotrexato, a citarabina e os corticoesteróides (Nathan , et al., 2007). O Metotrexato é a base de toda terapia e parece estar associado a efeitos cognitivos tardios, notadamente quando há associação do uso intravenoso ou intratecal com a radioterapia de crânio (Moleski, 2000). Ainda não há relação claramente estabelecida entre o efeito acumulativo de doses do fármaco e distúrbios neurocognitivos. Portanto, a fisiopatologia da neurotoxicidade decorrente do uso de metotrexato ainda não é esclarecida totalmente, mas acredita-se que seja de caráter multifatorial. Hipóteses predominantes fundamentam-se em alterações de folato em vias metabólicas, resultando em processo subclínico de desmielinização, na produção de aminoácidos excitatórios e no comprometimento da síntese de neurotransmissores, tais como a serotonina e a dopamina (Buizer , Soneville, & Veerman, 2009).

No que se refere à citarabina, acredita-se que o uso intravenoso provoca grande neurotoxicidade, incluindo dentre os efeitos as disfunções cerebelares, no entanto tais implicações parecem estar mais relacionadas ao tempo de exposição ao fármaco do que à intensidade da dose (Spiegler, et al., 2006; Cole & Kamen, 2006). Os corticoesteróides, igualmente utilizados em todos os protocolos, são ministrados oralmente (prednisona ou dexametasona) e na modalidade intratecal (hidrocortisona). A hidrocortisona, em especial, tem sido associada a déficits neurocognitivos tardios (Waber, et al., 2000). Entretanto, a necessidade do uso combinado dos fármacos dificulta o estabelecimento de relações precisas entre um fármaco específico e um déficit neurocognitivo tardio peculiar (Nathan , et al., 2007).

Por fim, estudo norte-americano conduzido por Carey, et al., (2007) discutiu o efeito do uso intravenoso do metotrexato, avaliando dois grupos de crianças em início

de tratamento, submetidos a dois protocolos distintos. Um dos grupos fez uso de 1g/m² de metotrexato intravenoso no período de 24 horas, enquanto o outro grupo fez uso de 2g/m² de metotrexato intravenoso no período de 4 horas. Foram realizadas medidas nos domínios da memória de trabalho, memória não-verbal e memória verbal, em dois momentos, a saber, logo após o diagnóstico de LLA e um ano depois. Os resultados oriundos do estudo sugerem a existência de comprometimentos significativos, detectados apenas um ano após o tratamento, tanto no domínio da memória de trabalho quanto em habilidades não-verbais e que o nível desses impactos estão diretamente relacionados à severidade do tratamento (dose maior de metotrexato em intervalo menor de tempo). Entretanto, é interessante notar que em fases posteriores do tratamento, ou seja, quando o uso do metotrexato ocorre na fase de manutenção, não são observados indícios de diferença significativa entre o desempenho em testes neuropsicológicos, para a avaliação da atenção e da memória, entre subgrupos de crianças que tomaram doses altas (8 g/m2 x 3 doses) ou muito altas (33,6 g/m2 x 3 doses) de metotrexato. Porém, ambos os grupos apresentaram desempenho inferior quando comparados aos grupos-controle, o que reforça a tese do risco de seqüelas neurocognitivas decorrentes da utilização deste fármaco.

De acordo com Temning & Jenney (2010), resultados de estudos que avaliaram o desempenho neurocognitivo, pós tratamento, em crianças que foram submetidas somente ao tratamento quimioterápico enquanto tratamento profilático para o SNC, são heterogêneos. Embora a maioria dos estudos apontee um bom desempenho neurocognitivo em longo prazo, uma revisão recente sugere efeitos tardios sobre funções cognitivas específicas como: atenção, velocidade de procesamento, memória, compreensão verbal, habilidades visuo-espaciais e

funcionamento visuo-motor, enquanto a função intelectual global foi considerada relativamente preservada.

Desta forma, constata-se que a utilização da quimioterapia sem radioterapia direcionada ao SNC não pode ser assumida como uma forma benigna de tratamento (Buizer , Soneville, & Veerman, 2009). O Quociente de Inteligência (QI) é uma medida frequentemente presente nos estudos acerca dos impactos neurocognitivos provenientes do tratamento de LLA. A maioria dos estudos encontrados por Buizer et al. (2009), que fizeram uso de tal medida, demonstrou que não havia diferença expressiva entre o QI global de crianças diagnosticadas com LLA tratadas apenas com quimioterapia e o grupo-controle igualmente avaliado. Isto posto, a polêmica derivada de tais resultados aborda a possibilidade desta medida não ser suficientemente sensível e/ou adequada para investigar os déficits cognitivos progressivos decorrentes do tratamento quimioterápico, notadamente quando são consideradas as queixas de dificuldades escolares emergentes nesse subgrupo (Butler & Haser, 2006).

De acordo com Moleski (2000), os efeitos da quimioterapia no SNC podem envolver déficits relacionados a habilidades específicas. Deste modo, a constatação que os testes de inteligência avaliam uma série de habilidades simultaneamente, e que estes não são elaborados para dar informações sobre as competências específicas, justificam porque estes déficits podem ser obscurecidos. Para isso, torna-se necessária a utilização de uma bateria neuropsicológica mais abrangente.

Em artigo de revisão da literatura, Campbell, et al., (2007) destacam estudos que apontam para a existência de déficits neurocognitivos significativos, em especial nos domínios da atenção, velocidade de processamento de informação e funcionamento executivo. Nessa mesma direção, a revisão realizada por Peterson et al. (2008),

apresenta estudos que revelam a predominância de déficits leves na habilidade motora fina, prejuízos no funcionamento executivo e na memória verbal.

Nesta mesma direção, Moleski (2000) realizou levantamento da literatura publicada entre 1981 e 1997 sobre os impactos decorrentes do uso da quimioterapia isolada em pacientes pediátricos diagnosticados com LLA. Neste estudo, foram obtidas evidências de que crianças sobreviventes de LLA apresentam frequentemente rebaixamento em um ou mais domínios do funcionamento cognitivo, notadamente, déficits a longo prazo no âmbito da atenção e da memória não-verbal. Prejuízos importantes de funcionamento executivo também têm sido frequentemente identificados em crianças sobreviventes de LLA tratadas apenas com quimioterapia, sendo associados a problemas de comportamento e baixo desempenho na escola. No entanto, foi possível observar que a taxa de crianças com LLA tratadas apenas com quimioterapia e que necessitam de serviços de educação especial foi relativamente baixa quando comparada a publicações anteriores acerca de pacientes pediátricos com LLA que receberam radioterapia craniana (Buizer , Soneville, & Veerman, 2009).

4.1.2 IMPACTOS NEUROCOGNITIVOS DECORRENTES DO TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO E RADIOTERÁPICO

A combinação da quimioterapia intratecal com a radioterapia craniana tem sido considerada como a terapêutica associada a prejuízos neurocognitivos tardios mais severos em sobreviventes de LLA (Raymond-Speden, Tripp, Lawrence, & Holdaway, 2000). Alguns estudiosos propõem que isto se deve ao fato de a radioterapia

proporcionar maior permeabilidade da barreira hematoencefálica aos componentes neurotóxicos presentes na quimioterapia (Cole & Kamen, 2006).

Os efeitos do tratamento profilático para o SNC vem sendo estudados nas últimas décadas. Meadows, et al., (1981), em estudos iniciais, avaliou o desempenho intelectual em crianças que receberam 24 Gy de radiação craniana combinado com metotrexato e intratecal como profilaxia do SNC. Nesse estudo foi verificado que essa combinação resultou em um declinio do funcionamento intelectual, particularmente em crianças mais novas.

Um certo número de estudos subsequentes continuaram a avaliar a inteligência e o desempenho acadêmico após tratamento de radioterapia combinada com a quimioterapia intratecal, os resultados foram bem sucedidos no estabelecimento de um geral padrão de declínio dessas habilidades (Fletcher & Copeland, 1988). Uma meta- análise em 30 estudos que analisaram o efeitos da irradiação craniana sobre a inteligência determinaram que, esta modalidade está associada a diminuição da inteligência entre os sobreviventes de LLA na infância (Cousens, Waters, Said, & Stevens, 1988).

Embora grande parte dos estudos iniciais tenham focado na ivestigação intelectual e acadêmica, alguns pesquisadores começaram a reconhecer as limitações dos mesmos, para defenir mais claramente os déficits cognitivos que fundamentam a diminuição no QI e no desempenho acadêmicos das crianças sobreviventes de LLA. Um dos primeiros estudos que avaliou déficits neuropsicológicos discretos associados com a profilaxia do SNC foi publicado por Rowland, et al., (1984). Os efeitos da quimioterapia intratecal e radioterapia a uma dose de 24 Gy foram relatados, e

verificou-se que essas crianças não só sofreram déficits intelectuais globais, como também em domínios como: atenção e desempenho baixo em aritimética.

A subsequente série de estudos confirmou e estendeu estes resultados, com a utilização de avaliações mais abrangentes que envolviam mais funções neuropsicológicas, incluindo o nível da inteligência, raciocínio não verbal, integração visuo-motora e velocidades de informações (Copeland, Fletcher, & Pfefferbaum- Levine, 1985). (Butler, Hill, Steinherz, Meyers, & Finlay , 1994), administrou uma abrangente bateria de testes neuropsicológicos em 120 pacientes da oncopediatria tratados com quimioterapia e radioterapia associada a quimioterapia. Mesmo após ajuste para a idade, nível sócioeconômico, idade do momento do diagnóstico, meses de cessão dos tratamentos do SNC, tempo perdido de escolaridade, e presença do câncer no SNC, verificou-se que, a radioterapia combinada a quimioterapia foi significativamente associada com défictis em várias funções neuropsicológicas como: inteligência não- verbal, localização perceptual, habilidades motoras da mão não dominante, integração visuo-motor e susceptabilidade à distração e interferência perceptual.

Estudos mais recentes como o de Waber, et al., (2007), comparou o funcionamento cognitivo de dois grupos de crianças diagnosticadas com LLA de risco intermediário submetidas a tratamentos diferenciados. O primeiro grupo, composto por 39 crianças, recebeu irradiação craniana de 18Gy, fracionados em duas doses de 9Gy ao dia, combinada à quimioterapia intratecal dupla, composta pelos fármacos metotrexato e citarabina. O outro grupo com 30 crianças foi submetido à intensiva quimioterapia intratecal tripla, constituída pelas drogas metotrexato, citarabina e hidrocortisona. Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos no que se refere ao desempenho nas tarefas que avaliaram capacidades cognitivas básicas. No entanto, foi

visto que as crianças tratadas com irradiação associada à quimioterapia intratecal dupla apresentavam pior desempenho em provas de fluência verbal e, de acordo com relatos de familiares, exibiam dificuldades na modulação do comportamento.

De acordo com Moleski (2000), embora não haja consenso sobre uma gama particular de prejuízos a longo prazo em sobreviventes de LLA, pode-se afirmar com segurança que aqueles que receberam uma combinação de radioterapia e metotrexato intratecal apresentam déficits na memória de longo prazo, memória visoespacial, memória verbal, memória auditiva, na metacognição, reconhecimento verbal, em habilidades visoespaciais e motoras , na velocidade de processamento e atenção, visto que são domínios frequentemente relatados como afetados.

Outro estudo desenvolvido por Campbell et al. (2007) verificou que os grupos de LLA que receberam radioterapia somado à quimioterapia intratecal apresentam um desempenho significativamente pior no funcionamento intelectual geral quando comparados àqueles que receberam quimioterapia intratecal isolada. Entretanto, os efeitos para outras variáveis específicas do funcionamento cognitivo ou não indicou nenhuma diferença significativa entre os grupos de tratamento ou os resultados foram inconsistentes considerando os métodos de comparação.

5 FUNÇÕES COGNITIVAS INVESTIGADAS: BREVE APRESENTAÇÃO

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