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8 RESULTADOS

8.4.4 NÍVEL DE ESCOLARIZAÇÃO DA MÃE

Por fim, foi realizada a análise da interferência da variável escolaridade da mãe sobre o desempenho do grupo de crianças e adolescentes com leucemia. De forma similar às demais variáveis sócio demográficas e clínicas, a opção pela inclusão desta variável veio pautada por estudos anteriores, inclusive alguns desenvolvidos pelo LAPEN, nos quais esta despontou como preditora do desenvolvimento e da aprendizagem de crianças sobreviventes do câncer. Para operacionalização da mesma foram considerados três subgrupos: mães que concluíram ou estão cursando o ensino fundamental (n=6), mães que concluíram ou estão cursando o ensino médio (n=5) e mães que concluíram ou estão cursando o ensino superior (n=2).

A Tabela 15 apresenta as médias, medianas e valores de significância encontrados (Oneway ANOVA) para os escores obtidos pelos subgrupos supracitados nas medidas do WISCIII. Nota-se que não foram identificadas diferenças significativas em função desta variável. Convém destacar que os estudos anteriormente citados fazem referência ao impacto da baixa escolaridade da mãe, ou seja, mães analfabetas ou com menos de 3 anos de estudo, condição esta que não foi identificada neste estudo e que pode vir a explicar a ausência de diferenças estatisticamente significativas em função dos desempenhos dos subgrupos:

Tabela 15. Médias das crianças no WISC-III em função da escolaridade da mãe

QIV QIE QIT ICV IOP IRD IVP

E sc olarid ad e d a mã e Fundamental Mediana 22,5 11,0 14,0 25,5 17,0 10,0 20,5 Média 28,67 27,33 26,67 30,17 27,00 18,50 31,50 DP 29,30 34,56 32,40 28,19 31,52 28,18 32,36 Médio Mediana 45,0 3,0 12,0 53,0 5,0 10,0 5,0 Média 39,80 16,00 25,60 41,80 16,20 25,00 11,00 DP 38,27 25,61 32,28 39,76 24,16 27,58 13,25 Superior Mediana 67,0 16,0 38,5 68,0 12,0 57,0 54,0 Média 67,00 16,00 38,50 68,00 12,00 57,00 54,00 DP 1,41 15,56 16,26 9,90 15,56 25,46 9,90 P Oneway ANOVA 0,373 0,389 0,144 Kruskal-Wallis 0,629 0,574 0,594 0,316

Resultados similares àqueles encontrados para as medidas do WISCIII foram identificados para os demais instrumentos utilizados na avaliação neurocognitiva.

Sendo assim, conclui-se que não foram identificadas diferenças significativas entre os escores obtidos pelos subgrupos em função da escolaridade da mãe para todas as funções cognitivas investigadas, conforme ilustrado a seguir:

Tabela 16. Médias das crianças nos testes cognitivos em função da escolaridade da mãe T AC 1 T AC 2 T AC 3 Re y Cópi a Re y M em ór ia Re cor daç ão d e Hi stó rias ime diatam en te Re cor daç ão d e Hi st ór ias - tar diame nte T ril has Colorid as (F or m a 2) Sp an Au ditivo d e Palav ras em S en te as Flu ên cia Ve rb al (F on ológi ca) Flu ên cia Ve rb al (Sem ân tic a) E sc olarid ad e d a mã e Fundamental Mediana 49,0 3,0 27,5 10,0 20,0 16,5 10,5 1,0 10,5 12,0 30,0 Média 44,83 3,17 29,50 15,00 18,50 15,00 10,67 4,83 10,50 13,50 28,33 DP 9,77 1,33 12,57 8,37 7,58 6,93 4,03 9,02 6,09 10,48 10,63 Médio Mediana 46,0 4,0 31,0 20,0 10,0 12,0 10,0 3,0 12,0 24,0 29,0 Média 45,20 3,60 30,60 30,00 22,00 14,00 10,80 2,60 12,20 20,80 30,40 DP 4,66 1,82 14,12 25,50 21,68 7,38 6,61 2,07 5,22 10,71 5,37 Superior Mediana 49,5 4,5 31,0 15,0 10,0 19,5 13,0 0 16,5 23,5 34,0 Média 49,50 4,50 31,00 15,00 10,00 19,50 13,00 0 16,50 23,50 34,00 DP 0,71 2,12 1,41 7,07 0 2,12 8,49 0 10,61 ,71 9,90 p Oneway ANOVA 0,635 0,742 0,633 0,876 0,536 0,372 0,735 Kruskal- Wallis 0,411 0,316 0,525 0,236

9 DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo principal investigar o impacto das modalidades de tratamento da Leucemia Linfóide Aguda sobre as habilidades neurocognitivas de crianças e adolescentes sobreviventes, ou seja, que se encontram fora de tratamento. Adicionalmente, foram investigadas as possíveis interferências de conjunto de variáveis clínicas e sócio-demográficas, apontadas pela literatura da área, como preditoras de possíveis déficits cognitivos associados ao câncer e seu tratamento. Nesse sentido, investigou-se a interferência do sexo, tempo decorrido do término do tratamento, idade da criança no momento do diagnóstico e nível de escolaridade da mãe.

Como afirmado anteriormente, as análises foram realizadas em diferentes etapas. Inicialmente o GT (grupo total de crianças e adolescentes com leucemia) foi comparado à população amostral de mesma faixa etária (escores oriundos do WISCIII) e com o grupo controle (para os demais instrumentos que compuseram a bateria neurocognitiva). O grupo controle foi constituído por crianças saudáveis, na proporção de 3:1 do GT, controlando-se as variáveis sexo e idade.

Posteriormente os participantes do GT foram agrupados em dois subgrupos de acordo com a modalidade de tratamento a qual foram submetidos. Sendo assim, o Grupo 1A foi constituído por participantes que se submeteram exclusivamente à quimioterapia e o Grupo 1B foi constituído por participantes que foram submetidos a tratamento quimioterápico e radioterápico. Tais grupos tiveram seus escores de desempenho comparados com os dos seus respectivos grupos-controle, considerando-se as variáveis clínicas e sócio-demográficas supracitadas.

De forma global, os resultados encontrados no presente estudo apresentam semelhanças e dissonâncias quantos aos achados de outras pesquisas realizadas com o mesmo grupo clínico. Tais pesquisas têm apontado a presença de déficits neurocognitivos significativos em crianças sobreviventes da LLA. Os déficits comumente destacados estão circunscritos aos domínios da atenção, memória, habilidades visoespaciais e velocidade de processamento. Destas, o presente estudo traz consonância em relação ao comprometimento da memória, das habilidades visoespaciais e da velocidade de processamento para o grupo de crianças e adolescentes com LLA. Por outro lado, foram identificados comprometimentos no domínio verbal ainda não relatados por outros pesquisadores.

No que tange à interferência das variáveis clínicas e sócio-demográficas sobre o desempenho dos participantes, destaca-se aqui a variável sexo. Isto porque a maioria dos estudos conflui para um pior desempenho de pacientes do sexo feminino quando comparados aos do sexo masculino. Nesta pesquisa, os dados seguiram direção oposta, com as meninas obtendo melhores desempenhos, notadamente nas tarefas de cunho verbal.

Com o objetivo de adensar a discussão acerca dos resultados do estudo, serão aprofundados os resultados que atingiram nível de significância estatística. Como estratégia de apresentação dos resultados seguir-se-á à análise dos dados para cada função cognitiva específica contemplada pelos instrumentos que compuseram a bateria neurocognitiva da pesquisa.

9.1 Capacidade Intelectiva

O Quociente de Inteligência (QI) é uma medida frequentemente presente nos estudos acerca dos impactos neurocognitivos provenientes do tratamento de LLA. Como mencionado anteriormente a capacidade intelectiva dos participantes dessa pesquisa foi avaliada através do WISC-III, instrumento descrito na seção do método.

Os dados obtidos pelo presente estudo revelam diferenças estatisticamente significativas entre os desempenhos do GT e os dados normativos da escala para a população da mesma faixa etária. As discrepâncias foram identificadas nas medidas da capacidade intelectiva global (QIT), a inteligência não-verbal (QIE), bem como nos índices fatoriais de Organização Perceptual, Resistência à Distração e Velocidade de Processamento.

Tais resultados vêm robustecer o que muitos estudos recentes nessa área vêm destacando, a saber, o efeito progressivo do tratamento para o câncer sobre a inteligência. Na verdade, como discutido por muitos autores, não se trata de diminuição da inteligência, e sim de impactos sobre habilidades básicas, notadamente a velocidade de processamento, que termina comprometendo a aquisição de novos conhecimentos e o aprimoramento de habilidades cognitivas, culminando com o declínio progressivo das pontuações em teste de mensuração da capacidade intelectiva (Mulhern & Palmer, 2003; Temning & Jenney, 2010).

A redução da velocidade de processamento supracitada, apontada como uma das variáveis determinantes da redução dos escores em testes de inteligência, parece estar relacionada à radioterapia de crânio e neuroeixo. Seu impacto acomete tanto a destruição da substância branca existente, bem como o seu desenvolvimento, com

repercussões sobre a mielinização, vascularização e supressão da proliferação de células (Palmer, et al., 2012; Watanabe , et al., 2011; Brinkman , et al., 2012; Rieken, et al., 2011; Duffner, 2010). É interessante notar que os déficits significativos sobre a velocidade de processamento foram identificados exclusivamente no grupo 1B, constituído por crianças e adolescentes submetidos a tratamento combinado de quimioterapia e radioterapia craniana.

Este mesmo grupo demonstrou rebaixamento significativo no índice fatorial de resistência à distração (IRD), este avalia conjunto de habilidades executivas, além de habilidades matemáticas. Funções executivas, tais como, flexibilidade cognitiva, atenção auditivo-verbal, memória auditiva imediata, processamento sequencial e memória operacional, estão associadas a este índice fatorial. Dados equivalentes foram encontrados por Lofstad, Reinfjell, Hestad, & Diseth (2009) em estudo que revelou redução nos escores do IRD, bem como em habilidades verbais. Entretanto, no estudo citado, o rebaixamento em habilidades verbais foi encontrado no grupo de meninos, diferentemente desta pesquisa na qual as meninas obtiveram escores significativamente inferiores aos esperados para sua faixa etária. Defende-se aqui que este dado não pode ser analisado de forma isolada, ou seja, como dito anteriormente, a composição das variáveis clínicas parece ser decisiva para o surgimento de impactos significativos sobre o funcionamento cognitivo. Nesse sentido, a variável sexo não teria o poder de explicar isoladamente a presença ou ausência de fragilidades cognitivas. Outras variáveis são apontadas como mais relevantes, tais como modalidade de tratamento e idade da criança no momento diagnóstico (Gomes, Leite, Garcia, Maranhão, & Hazin, 2012).

No que diz respeito à análise dos resultados de desempenho do grupo 1A no WISCIII, constituído por participantes submetidos apenas a tratamento quimioterápico

isolado, os dados encontrados apontam para déficits estatisticamente significativos, nas medidas de capacidade de inteligência não-verbal e no índice fatorial de organização perceptual. Tais resultados ganham relevância na medida em que há grande polêmica e controvérsia em termos dos benefícios deste protocolo terapêutico, o qual substituiu a radioterapia craniana pela quimioterapia intratecal (fármaco lançado diretamente no canal medular) na etapa de prevenção da invasão de células leucêmicas no sistema nervoso central. Inicialmente este procedimento foi apontado como redutor de danos cognitivos, mas na atualidade este posicionamento vem sendo criticado por diversos estudos que apontam a manutenção de déficits cognitivos, ainda que estes sejam mais específicos e sutis (Massimino , et al., 2012).

O estudo realizado por Ediana Gomes no LAPEN, investigou o funcionamento cognitivo de crianças diagnosticadas com LLA em dois momentos, a saber, em tratamento e fora de tratamento. Todas as crianças investigadas haviam sido submetidas exclusivamente à quimioterapia sistêmica e intratecal (Gomes, 2011). Os resultados obtidos foram semelhantes ao do presente estudo, mas apenas para o grupo que estava fora de tratamento. Este achado sugere que déficits tardios podem caracterizar o impacto do tratamento quimioterápico sobre o neurodesenvolvimento. Estes comprometimentos podem ser resumidos em dificuldades nas habilidades de processamento visual, planejamento e aprendizagem não-verbal.

9.2 Sistema Mnemônico

Como relatado na seção de revisão de literatura, estudos destacam a associação entre as modalidades de terapêuticas de tratamento contra o câncer (quimioterapia e

radioterapia) e prejuízos importantes no âmbito da memória. Na presente pesquisa, inicialmente foi investigada a dimensão da memória verbal, nas etapas de consolidação, armazenamento, evocação imediata e tardia do material verbal apresentado, bem como a interferência de efeitos distratores sobre a aprendizagem. Adicionalmente foi investigada a memória episódica (imediata e tardia), ou seja, a capacidade de codificação, armazenamento e recuperação de material circunstanciado no tempo e no espaço. E por fim, avaliou-se a memória visual imediata.

No que se refere aos dados oriundos da comparação do GT com o GC, foram encontradas diferenças significativas nas tarefas envolvendo a memória episódica tardia, bem como a memória visual imediata. Nestas, o GT teve desempenho significativamente inferior ao GC.

Devido à centralidade da memória para a realização das atividades de vida diária e para o processo de aprendizagem, deficits neste domínio comummente representam impactos significativos. Diversos estudos destacam o comprometimento de sistemas de memória em grupos clínicos submetidos à irradiação craniana (Monje, et al., 2013).

De acordo com estes estudos, o hipocampo, localizado nos lobos temporais mediais, em trabalho conjunto com as estruturas corticais orquestram a função da memória declarativa, ou seja, da memória que envolve a recuperação consciente de informações. Nestes estudos, lesões hipocampais identificadas em crianças foram associadas a comprometimentos no sistema de memória episódica (Monje et al, 2013).

Trabalhos recentes realizados com animais e seres humanos, ajudaram a esclarecer a etiologia da disfunção da memória induzida por radiação. De acordo com estes estudos, os danos seriam causados devido a alterações do processo de neurogênese (desenvolvimento de novos neurônios) na região do hipocampo. Acredita-se que o

tratamento contra o câncer causa uma inibição no processo de neurogênese, contribuindo significativamente para a disfunção hipocampal, bem como da rede neural mais ampla envolvida na função de memória episódica (Monje, et al., 2013; Monje, 2008; Dietrich, Han, Yang, Mayer-Pröschel, & Noble, 2006; Campbell, et al., 2007).

Outro dado merece destaque nesta discussão, a saber, o rebaixamento significativo dos escores dos meninos, em comparação com os das meninas, em tarefas de memória episódica. Nesta direção, Mello & Xavier (2005), propõem que os processos que envolvem a mielinização e a especialização hemisférica podem estar implicados em diferenças neurodesenvolvimentais relacionadas ao sexo, sugerindo, por exemplo, que o processo de mielinização em áreas relacionadas à linguagem (hemisfério esquerdo) ocorre mais precocemente em crianças do sexo feminino. Sendo assim, pode-se tomar como hipótese explicativa para estes resultados que o melhor desempenho das meninas estaria relacionado ao desenvolvimento precoce das habilidades verbais, potencializando a memória episódica, uma vez que esta se estabelece enquanto construção narrativa circunscrita no tempo e espaço.

Por fim, destaca-se os dados referentes à comparação dos desempenhos dos grupos 1B e 1A, nas tarefas de memória visual. Nesta, o grupo 1B obteve rendimento inferior ao grupo 1A. Segundo Nathan (2009), a maioria das origens das dificuldades de memória são multifatoriais, podendo o armazenamento de novas informações ser agravado pela diminuição da atenção e déficits no processamento de informações. A atenção e função executiva comprometida podem impedir uma eficaz codificação da informação, portanto tal afirmação pode justificar o baixo desempenho na memória visual no Grupo 1B, uma vez que o mesmo também apresentou rebaixamento nas funções citadas pelo referido autor.

9.3 Sistemas Atencionais

Os resultados oriundos da investigação da atenção fornecem informações acerca de diferentes sistemas atencionais, tais como a alternância do foco atencional, a seletividade e a manutenção do foco atencional (concentração). De modo geral, não foram encontradas diferenças significativas na comparação entre o GT e o GC, bem como entre o Grupo 1A e o grupo 1B quando comparados aos seus respectivos grupos controle.

Adicionalmente, a análise da interferência das variáveis clínicas sobre o desempenho atencional de crianças e adolescentes diagnosticados com leucemia sugere que aquelas cujo diagnóstico foi dado em idades anteriores a cinco anos obtiveram desempenho significativamente inferior ao grupo de crianças diagnosticadas após os cinco anos de idade. Entretanto, este rebaixamento foi identificado exclusivamente nas tarefas que avaliaram a alternância do foco atencional, sendo esta uma função executiva vinculada a mecanismos de flexibilidade cognitiva.

O estudo realizado por Gomes (2011) encontrou dados semelhantes ao supracitado. Na sua pesquisa, crianças diagnosticadas com LLA que se encontravam fora de tratamento, obtiveram pontuações significativamente inferiores ao grupo de crianças em tratamento (Gomes, 2011). Em outro estudo, Buizer , Soneville, & Veerman (2009), corrobora com estes dados, encontrando déficits atencionais (seletividade e alternância) em crianças também diagnosticadas em tenra idade submetidas a tratamento quimioterápico.

Na mesma direção, os dados do estudo desenvolvido por Mennes, et al. (2005) advertem que os sobreviventes de LLA apresentam um bom desempenho em tarefas de

atenção seletiva, entretanto, quando um número maior de informações precisa ser processado de forma combinada, ocorre um atraso na realização da tarefa devido à maior lentificação na execução da mesma que parece ser proporcional à complexidade da atividade (Mennes, et al., 2005).

Ainda corroborando com os dados aqui encontrados, o estudo de Butler & Haser (2006), com crianças que receberam os dois tipos de tratamento, quimioterápico e irradição craninana, identificou a presença de déficits atencionais nos três mecanismos de atenção (seletiva, alternada e sustentada) para o subgrupo crianças diagnosticadas com menos de 5 anos de idade.

O estudo realizado por Reddick, et al. (2006) identificou pontuações significativamente reduzidas no desempenho de testes de atenção em crianças com LLA, independentemente de terem sido ou não irradiadas. Porém, conclui que o volume reduzido de substância branca parece estar associado a maiores déficits de atenção, bem como da capacidade intelectiva e do desempenho acadêmico (Reddick, et al., 2006). Nesta mesma direção, Rourke (1987) afirma que a interrupção do processo de mielinização durante a infância pode se caracterizar como um dos mecanismos subjacentes à disfunção cognitiva demonstrada por crianças submetidas a tratamentos direcionados ao SNC (Rourke, 1987).

De forma semelhante ao que foi identificado nesse estudo, Jansen, et al. (2005) destacam que há relação direta entre a presença de déficits atencionais e a redução da velocidade de processamento. De acordo com os autores, isso ocorre devido à imaturidade do SNC infantil, sendo este susceptível a danos significativos na proliferação da substância branca e cinzenta, como discutido anteriormente, em especial

nas áreas frontais, uma vez que estas são as últimas a atingirem a maturidade, sendo, portanto frágeis diante da presença de agentes neurotóxicos.

9.4 Visoespacialidade e Visoconstrução

Os dados oriundos desta pesquisa apontam a presença significativa de déficits nos domínios da visoespacialidade e visoconstrução no interior do grupo de crianças e adolescentes diagnosticados com LLA, independentemente da modalidade de tratamento a qual foram submetidos. As habilidades de visoconstrução e visoespacialidade representam construtos complexos que envolvem a conjugação de diferentes processos, uma vez que o sujeito precisa operar sobre dados visuais perceptivos e espaciais, tais como: discriminação visual, diferenciação figura e fundo, síntese visual, percepção e associação de cores, localização de pontos no espaço, julgamento de direção e distância, orientação topográfica, percepção de profundidade e de distância (Malloy-Diniz, Paula, Loschiavo-Alvares, Fuentes, & Leite, 2010).

Dados semelhantes aos encontrados por esta pesquisa forem relatados no estudo desenvolvido por Carey, et al. (2007). O autor identificou comprometimentos em habilidades visuais e perceptuais em crianças submetidas às quimioterapias intratecal e sistêmica. Para ele, o fármaco metotrexato (MTX) é destacado como o antimetabólico que mais contribui com tais déficits (Carey, et al., 2007). Comumente, o MTX é associado à grande poder de neurotoxidade, contribuindo decisivamente para o estabelecimento de dificuldades cognitivas em longo prazo em sobreviventes da leucemia (Moore, 2005).

Outro estudo demonstrou que o tratamento com quimioterapia intratecal e sistêmica pode estar associado com comprometimento motor e tempo de percepção, mesmo quando se tem estatisticamente dados que comprovem o QI preservado. Estes resultados sustentam a hipótese de que os efeitos tardios do tratamento podem afetar sistemas cerebrais de suporte de temporização e motor, isto é, cerebelo e córtex pré- frontal (Mahone et al., 2007).

9.5 Funções Executivas

Os dados oriundos da execução do presente estudo revelam impactos significativos no domínio das funções executivas para o grupo de crianças e adolescentes diagnosticados com LLA, em especial nas habilidades de planejamento e velocidade no processamento da informação. Déficits mais acentuados foram associados aos desempenhos obtidos pelo grupo 1B, com destaque para as funções executivas de planejamento, memória operacional e velocidade de processamento. Para o grupo 1A foi identificado déficit relativo à habilidade de planejamento.

No que tange à interferência das variáveis clínicas e sócio-demográficas sobre os desempenhos dos grupos de estudo (1A e 1B), duas delas merecem destaque, a variável

sexo masculino que apresentou dados significativamente inferiores quando comparados

aos das meninas na tarefa de fluência verbal e; a variável tempo de término de

tratamento, no qual a habilidade de velocidade de processamento da informação

apresentou-se mais uma vez rebaixada para aqueles que terminaram o tratamento há mais de dois anos (efeito tardio).

Conforme relatam Mulhern & Palmer (2003) muitos dos déficits centrais vivenciados pelos sobreviventes de LLA são definidos pelo termo "funções executivas", caracterizadas pela capacidade de alocar recursos atencionais e organizar o comportamento e o pensamento, imprescindindo, para tanto, da integridade do córtex pré-frontal. Além disso, funções mais amplamente distribuídas, como velocidade de processamento mental, capacidade de sustentar a atenção para aprender e obter novas informações de forma eficiente, e utilização de informações previamente aprendidas para fornecer um contexto para novas aprendizagens, também parecem ser afetadas negativamente neste subgrupo (Mulhern & Palmer, 2003).

Vários estudos apontam que as ações da radioterapia sobre a velocidade de processamento de informações levam à lentificação no ritmo de aquisição de novas aprendizagens (Palmer, et al., 2013). Este aspecto acrescido do caráter tardio, como visto neste estudo, e progressivo deste impacto, em muitos casos se manifesta através de decréscimos de QI, que à primeira vista e erroneamente, pode levar à crença de que as crianças perdem capacidades cognitivas previamente adquiridas. Entretanto, ressalta-se que esta perda não ocorre, de modo que aprendizagens anteriores em geral são mantidas em crianças com câncer, havendo uma maior dificuldade na aquisição de novas aprendizagens (Palmer et. al., 2013).

Em outro estudo, Schatz, Kramer, Ablin, & Matthay (2000), encontrou resultados semelhantes a este. O autor discute que os efeitos causados pela QT e RTX implicam em rebaixamento do QI total. No entanto, este rebaixamento é, em geral, consistente com a hipótese de comprometimento da velocidade de processamento e da memória operacional. Em particular, o déficit na memória operacional parece ser uma

característica predominante do grupo de crianças submetidas à radioterapia, conforme igualmente demonstrado pelo presente estudo.

A comparação entre os desempenhos obtidos pelos grupos 1A e 1B revela que o segundo obteve menores escores de QI’s quando comparado ao primeiro. Em associação a este resultado, o mesmo grupo obteve menores escores nas tarefas de

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