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Governo Médici: discurso oculto na comunicação institucional – o caso AERP

IMPLEMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL NO GOVERNO MÉDIC

A necessidade de estruturar um sistema de comunicação do poder Executivo com a função de reproduzir e legitimar o discurso governamental foi cogitada desde o primeiro período da implantação do regime militar. A idéia de criar um órgão que cuidasse da imagem pública do governo havia nascido junto com o golpe, apesar da resistência do marechal Castello Branco.

José Maria Toledo de Camargo, mais tarde escolhido chefe da Assessoria de Comunicação do governo federal, justifica a posição do presidente: “Castello tinha muitos traços do extinto udenismo. E os udenistas, quando pensavam em propaganda oficial, lembravam logo do DIP de Getúlio, o que lhes provocava até arrepios”.99

Talvez menos udenista, embora ligado à facção de Castello, identificada como os “sorbonistas”, Costa e Silva, candidato, permitiu a criação de um grupo de trabalho de Relações Públicas, estruturado inicialmente para cuidar de sua campanha para a Presidência da República. O grupo funcionou sob o mais absoluto sigilo, coordenado pelo coronel Hernani d’Aguiar, que havia feito um curso de Relações Públicas na PUC do Rio e se apaixonara pelo tema.

Embora o motivo inicial do grupo de trabalho tenha sido construir a imagem pessoal do presidente Costa e Silva, denotava preocupações políticas com as causas da crescente impopularidade do regime militar: “Um governo digno, honrado, austero e de autoridade, com receio de praticar demagogia, deixou de dialogar com o povo, deixou de informá-lo. Deixando de esclarecê-lo, não procurou persuadi-lo, conquistá-lo e integrá-lo aos seus alevantados ideais.

98 Estado de São Paulo, setembro de 1970. 99

Em conseqüência, tornou-se impopular e, mais do que isso, malquisto por todas as classes sociais e em todos os setores da vida nacional”.100

No mesmo documento que justifica a criação de um serviço de Relações Públicas são apontados os reflexos da falta de sintonia entre Estado e sociedade, no plano internacional. Mal-informada sobre o país e sob a influência do comunismo internacional, a opinião pública mundial identificava o novo governo como ditadura militar.

Orientado por essas premissas, o grupo propunha a criação de um Serviço Nacional de Relações Públicas, cujos objetivos e ações visavam restabelecer o diálogo entre governo e povo e neutralizar a ação subversiva e corruptora. Nesta fase, todas as ações de comunicação se preocupavam em manter a impessoalidade e evitar o culto à personalidade ou criação de mitos. A implantação do sistema de comunicação do governo federal se efetivou com a criação da Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), subordinada ao Gabinete Militar da Presidência, com a função inicial de coordenar os fluxos e mensagens de comunicação entre o poder central, órgãos setoriais e vinculados e a sociedade civil como um todo101.

Tal sistema se consolidou no período Médici e sobrepôs-se ao caráter personalista do seu antecessor, com a proposta de usar a comunicação como forma de resgatar o diálogo entre Estado e sociedade para a formação de uma nova consciência de brasilidade orientada para as metas de segurança e desenvolvimento. No período Costa e Silva a comunicação do governo assumiu caráter defensivo diante das seguidas manifestações de repúdio ao regime militar; no governo Médici as condições políticas que forjaram o consenso em torno da representatividade de sua liderança acabaram modificando o objeto e os fins do processo de comunicação governamental.

Com o reconhecimento da guerra revolucionária no país, torna-se necessário evitar sua popularização com medidas de repressão e controle: “em decorrência, como observou Schwarz, cresceu o peso da esfera ideológica, o que se traduziu em profusão de bandeiras nacionais, folhetos de propaganda e na

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Jornal “O Estado de São Paulo”. “A imagem oficial retocada para o consumo”.Op. Cit. 101 Brasil. Lei, decretos, etc. Dec. 67.611, de 19/11/70.

instituição da ginástica e civismo para universitários. Subitamente renascida, em toda parte se encontra a fraseologia do patriotismo ordeiro”.102

Respaldada pelo aparato de coerção, com a instauração das normas de excepcionalidade institucional, a comunicação do governo Médici refletiu a desaceleração gradativa dos focos de tensão e agitação política. Era, pois, necessário contrapor uma nova imagem, uma imagem de país potente e coeso. Era preciso divulgar as medidas de integração nacional e a nova forma de nacionalismo103.

A AERP se propunha a abrir canais de comunicação entre governantes e governados como meio de obter a integração do sistema político para a execução do projeto governamental. Formulou também os princípios que orientariam as ações de comunicação social do governo: legitimidade, impessoalidade e verdade, como princípios éticos, e integração e eficiência como marcos da ação operacional do sistema de comunicação, buscando a utilização produtiva dos recursos e técnicas disponíveis, com a participação de todos os meios de comunicação. A adesão popular ao projeto governamental, traduzida pela participação, é considerada condição básica para a consecução dos objetivos nacionais.

Em seu pronunciamento como candidato à Presidência, Médici afirmou não acreditar em plano de governo que não corresponda a uma ação nacional. Ele afirmou que, na marcha para o desenvolvimento, o povo deveria ser o protagonista principal e não apenas o espectador.

Para o cel. OCTÁVIO COSTA era necessário buscar técnicas mais modernas e “estimular a extraordinária capacidade dos homens de comunicação brasileiros”. A técnica de apresentação das mensagens deveria ser indireta, inteligente e não oferecer conclusões, lições ou dogmatismos, mas ensejar “ao homem, essa divindade soberana, o surgimento de suas próprias conclusões, sem servir verdades eternas na bandeja”.104

A afirmação tenta descaracterizar a mensagem governamental como peça de propaganda política de caráter manipulativo, e defini-la como produto cultural

102

SCHWARZ, Roberto. “Cultura e Política 1964-1969” em “O pai de família e outros estudos”, p.72. Cia das Letras, São Paulo, 1988.

103SILVA, Luísa Maria N. de Moura e. “Segurança e desenvolvimento: a comunicação no Governo Médici”. Revista INTERCOM, n. 55, p. 44.

que busca sensibilizar, mobilizar e instrumentalizar a coletividade para participar do esforço do desenvolvimento nacional. Esta estratégia de superar a situação tradicional usando seus elementos para compor o moderno encontra em SCHWARZ a explicação para a penetração do movimento tropicalista na sociedade brasileira. A mesma comparação pode ser aplicada à comunicação social do governo: “o veículo é moderno e o conteúdo, arcaico”.105

No período Médici, o aprofundamento do modo de produção capitalista refletiu-se no desenvolvimento industrial, atingindo diretamente os meios de comunicação. Os critérios políticos de concessão de canais e incentivos aliados à dinâmica de captação de recursos criaram as condições para a expansão de algumas empresas de comunicação, em detrimento de outras, caso típico do crescimento da Globo e do descenso dos Diários Associados.

Com a associação do segmento de comunicação ao capital internacional, novas tecnologias dos meios audiovisuais privilegiaram a televisão como veículo de comunicação primordial para a reprodução do discurso do regime militar. A escolha da televisão, pela AERP, como o veículo principal para a difusão da propaganda governamental deve-se principalmente ao fato de que esta mídia é democrática, niveladora, e seus avanços em todo o mundo tendem a reduzir desigualdades, a aplainar diferenças, a mudar conceitos de status. Colocando-se como veículo nacional, a televisão concentrou, gradativamente, as inversões publicitárias. “Em 1950, sua participação no bolo publicitário era de 1%; em 1960, de 24%; em 1970, de 38% e em 1979, de pouco mais de 50%”.106

O governo, além de não subvencionar a televisão privada, “recebe o benefício de dez minutos diários de anúncios gratuitos, em todos os canais, o que faz do Poder Público o maior anunciante (em espaço ocupado), mas os quais não correspondem receitas para as emissoras”.107 (esta nota e a seguinte referem-se ‘a mesma conferência feita pelo Mauro /Salles)

Indicando o interesse público como a única circunstância capaz de justificar a requisição, pelo Governo, do espaço das emissoras de rádio e televisão, o publicitário Mauro Salles enfatiza, em 1978, numa conferência na 104COSTA, Otávio. “Discurso de abertura do encontro de Relações Públicas”, em Encontros de Brasília, p. 386. De 21 a 31 de julho de 1970. Presidência da República - AERP

105 SCHWARZ, Roberto. Op. Cit., p.74. 106

CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de Massa sem Massa, p. 10. 107 MACEDO, Cláudia, et alli. Op. Cit., p. 18 e 19.

Escola Superior de Guerra: “O que não se justifica é a compulsoriedade e a regularidade de um processo que acaba por banalizar a comunicação oficial, tirando-lhe grande parte do mérito”.(11) Salles repudiava a incapacidade da comunicação governamental de sobrepor os objetivos sociais aos políticos nos critérios para a utilização dos meios de comunicação.

No início do Governo Médici, a AERP, ao definir suas estratégias de veiculação, constatou “...que a linha promocional de administrações passadas não coincidia com a filosofia do novo governo. Além disso, irritava o público, pois alguns canais de televisão, exageradamente interessados em parecer simpáticos ao governo, repetiam alguns filmes até a saciedade”.108

No período Médici, com a criação da AERP, a política de comunicação governamental assumiu a tarefa de utilizar os meios de comunicação como agentes de reprodução dos valores e ações do projeto, complementando a face de controle das informações. A centralização do planejamento da comunicação governamental na AERP possibilitou a sistematização das estratégias de produção e veiculação da mensagem governamental, com os mais modernos critérios e técnicas. Coordenado por Octávio Costa, a AERP inicialmente fixou o caráter educativo das estratégias de comunicação, em oposição aos objetivos da propaganda política.

A despeito do caráter nitidamente autoritário do regime militar, a AERP enfatizou a missão social da propaganda governamental, que, embora utilizada como instrumento de persuasão, embutia finalidades educativas e democráticas.

O modelo de comunicação política apresentado pelo governo através da AERP, que se colocava acima das condições de funcionamento do sistema político propunha-se democrático, num regime autoritário; ressaltava seu caráter social e participativo, num sistema de decisões centralizadas, em que a participação popular era limitada pelo controle e manipulação das informações.