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2 ESTABELECENDO AS BASES DA RESPONSABILIDADE

3.1 Obrigação Ambiental Internacional

3.1.4 Implementação das obrigações ambientais internacionais

Conforme Sands, os Estados implementam as obrigações internacionais relacionadas ao meio ambiente em três fases distintas. Na primeira, adotam de medidas nacionais de execução, enquanto na segunda asseguram que as medidas nacionais serão cumpridas por aqueles sujeitos à sua jurisdição e controle. Na terceira e última fase, cumprem com as obrigações tomadas com as organizações internacionais relevantes, tais como relatar as medidas adotadas para atingir as obrigações assumidas.128

É importante salientar que, ainda que um Estado tenha ratificado um tratado, as obrigações relacionadas a este e que não tenham sido implementadas na esfera nacional (com a adoção ou modificação da legislação interna, por exemplo) enfrentarão grandes dificuldades para serem exigíveis nos tribunais nacionais129.

No entanto, a obrigação assumida internacionalmente permanece exigível, ainda que haja certa dificuldade em determinar quais Estados ou atores internacionais podem assegurar a implementação destes tratados. A UNCLOS é um dos tratados que fixam de forma mais clara a aplicação das medidas de execução e jurisdição em relação às questões ambientais.130 Suas regras são detalhadas, determinando quais as obrigações dos Estados de bandeira, dos Estados portuários e discriminando a jurisdição aplicável aos casos de ocorrência de dano ou suspeita de fundado risco ao meio marinho. Em relação às áreas para além da jurisdição nacional, os Estados estão sujeitos às regras da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos nos

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SANDS, 2003, p. 174. 129

A legislação da União Européia é uma exceção importante à esta realidade, conforme se depreende do artigo 249 do tratado de sua constituição, amparado na chamada “direct effect doctrine”. Um exemplo de implementação forçada pode ser visto na decisão da Corte Européia no caso EC Comission v. Italy. 130

assuntos relacionados à poluição e outras ameaças ao meio marinho e à conservação dos recursos naturais marinhos.

Ocorre que nem a UNCLOS com suas prescrições consideravelmente detalhadas, tampouco outros instrumentos internacionais, possuem resposta para todas as questões relacionadas ao cumprimento forçado das obrigações assumidas pelos Estados internacionalmente.

Quando verificado que determinado membro de um tratado não está cumprindo com as obrigações assumidas, surge o direito, dentro da comunidade internacional, de que sejam tomadas medidas para garantir o cumprimento da obrigação ou de que um tribunal possa ser provocado a manifestar-se sobre o descumprimento do tratado. A legitimidade dos atores internacionais para agir ou para demandar em juízo depende da natureza e da base legal da alegada violação, da matéria envolvida e das obrigações internacionais controvertidas.

Os Estados possuem papel fundamental no cumprimento das normas de direito ambiental internacional e, por isso, é deles que este trabalho se ocupa. Segundo a regra geral do direito processual, para demandar em juízo o autor tem que comprovar que possui legitimidade. No caso dos Estados, de acordo com o Projeto de Artigos da ILC sobre a Responsabilidade dos Estados por Fato Internacionalmente Ilícito, existe mais de uma forma de comprovar este pressuposto processual, isto é, mais de uma modalidade na forma de evocar a responsabilidade.

Um Estado pode comprovar que foi lesado diretamente pela conduta daquele contra o qual demanda. É lesado o Estado cujo direito individual tenha sido negado ou comprometido pelo fato internacionalmente ilícito, ou que por este último tenha sido consideravelmente afetado131, conforme o artigo 42 do Projeto.

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Um exemplo presente nos comentários da ILC no documento que adotou o Projeto de Artigos prescreve que “um caso de poluição do alto mar em violação ao artigo 194 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar pode ter um impacto particular em um ou em diversos Estados cujas praias podem ser poluídas por residos tóxicos ou cuja pesca costeira possa ser cessada. Neste caso, independente de qualquer interesse geral dos Estados membros da Convenção na preservação do meio ambiente marinho, aqueles Estados costeiros membros devem ser considerados lesados pela violação”. Tradução nossa, no original: “For example a case of pollution of the high seas in breach of article 194 of the United Nations Convention on the Law of the Sea may particularly impact on one or several States whose beaches may be polluted by toxic residues or whose coastal fisheries may be closed. In that case, independently of any general interest of the States parties to the Convention in

No entanto, o artigo 48 prescreve que mesmo um Estado que não seja considerado lesado diretamente pode invocar a responsabilidade do Estado responsável pelo fato ilícito. Neste caso, a obrigação violada teria que ser devida a um grupo de Estados do qual aquele é parte e esta obrigação seria estabelecida para a proteção de um interesse coletivo do grupo. Ou, ainda, se a violação diz respeito a uma obrigação que é devida à comunidade internacional como um todo.

No comentário sete ao artigo 48, a ILC exemplifica casos de obrigações coletivas ou de interesse coletivo, destacando a segurança regional e o meio ambiente. Já no comentário oito, coloca as raízes da noção de uma obrigação devida à comunidade internacional como um todo na manifestação da ICJ no caso Barcelona Traction. Neste julgado a Corte verificou uma “distinção essencial” entre obrigações relacionadas a Estados particulares e àquelas devidas à “comunidade internacional como um todo”. Sendo que estas últimas, tendo em vista “a importância dos direitos envolvidos, todos os Estados podem considerados interessados na sua proteção; elas são obrigações erga omnes”.132

A profusão de fontes de obrigações ambientais torna evidente a dificuldade em identificar de forma clara e uniforme os princípios e regras gerais desta área do direito. Esta realidade reflete a fragmentação das regras de direito internacional ambiental, apenas uma parte do fenômeno mais amplo da fragmentação do direito internacional133. Os princípios e regras de direito ambiental internacional estão colacionados em uma profusão de atos adotados nas esferas nacional, bilateral, sub- regional, regional e global. No entanto, como já afirmado, não é pela certa dificuldade em estabelecer de forma uníssona quais princípios são considerados gerais que eles devem deixar de ser trabalhados. O direito internacional, assim como o interno, também se desenvolve por meio da dinâmica de solução de uma controvérsia e estabelecimento de the preservation of the marine environment, those coastal States parties should be considered as injured by the breach.” (ILC, 2001, p. 119)

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Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited, Second Phase, Judgment, ICJ Reports 1970, p. 33. apud ILC, 2001, p. 127.

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Veja-se: “A fragmentação do Direito Internacional, exemplificada pela proliferação de tribunais internacionais, sobreposição de jurisdições e fragmentação das ordens normativas em campos específicos do direito, pode ser entendida como um fenômeno, tanto mais do que uma ideia. Esta é a posição adotada no Relatório do Grupo de Estudo presidido por Martti Koskenniemi na Comissão de Direito Internacional da ONU, cujo enfoque foi o fenômeno da fragmentação.” (MENDONÇA, FRANÇA, 2012)

precedente. Se os princípios não forem utilizados, não vão se desenvolver, nem se estabelecer de forma coerente como tais.

Além disso, muitos dos documentos que poderiam auxiliar de forma direta na cobrança pela implementação das normas ambientais não possuem força vinculante. É o caso dos dispositivos do Projeto de Artigos em matéria de responsabilidade por fato ilícito, o qual, graças às suas provisões gerais de norma secundária, é aplicável no ramo do direito ambiental internacional. O Projeto já está pronto há quase treze anos e a sua proposta original de estabelecer a codificação e o desenvolvimento progressivo do tópico foi atingida, porém, ainda assim, ele não foi transformado em Convenção.

Apesar dos esforços para a criação de uma legislação uniforme e integrada para o tema134, a expansão das normas de direito ambiental internacional ainda se dá de forma fragmentada e ad hoc. A vasta produção de normas de conteúdo ambiental, tanto dentro de documentos com esta temática quanto nos documentos nos quais a proteção ambiental é identificada como mais um objetivo a ser atingido, não está necessariamente acompanhada de substancial aperfeiçoamento na prática dos Estados.135

O avanço da proteção ambiental não será atingido somente a partir da adoção de um extenso e denso aparato normativo. É necessária uma intensa e crítica análise do papel da regulamentação na efetiva melhoria do status quo ambiental e da forma pela qual a observância a estas normas será fiscalizada e exigida. No entanto, alguns dos princípios ambientais possuem uma aceitação tão ampla que a sua caracterização como obrigação ambiental exigível na esfera internacional apenas tende a se multiplicar – não apenas nos instrumentos internacionais que o reafirmam, mas na própria prática dos Estados. Este é o caso do princípio da prevenção, analisado na sequência.

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Como destaca Sands (2003), a União Internacional para a Conservação da Natureza, foi responsável pela confecção de propostas de documentos que prescreveram iniciativas políticas e que, posteriormente, foram utilizadas como base de negociação em documentos internacionais importantes, como a Convenção Ramsar, da Convenção de Washington (CITES) e da Convenção da Biodiversidade. O papel pragmático desta organização, desenvolvendo linguagem e conceitos que são aplicáveis de forma uniforme e estabelecendo padrões internacionais, demonstra uma iniciativa ímpar na integração da matéria ambiental internacional.

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