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2 ESTABELECENDO AS BASES DA RESPONSABILIDADE

3.2 A obrigação de prevenção de danos transfronteiriços

3.2.2 Prevenção e due diligence

Assim como é possível encontrar confusão entre a prescrição do Princípio 21 e a prevenção em sentido estrito, também se percebe a utilização intercalada da obrigação de prevenção e do dever de diligência (due diligence)149.

Para Crawford, quando se considera uma violação, os dois tipos de obrigação são distinguíveis, uma vez que na de prevenção não haveria quebra da obrigação a menos que o evento que deveria ser evitado ocorresse. O mesmo não seria verdade com uma norma de due

145 Ibid., p. 92. 146 BARBOZA, 2011, p. 154. 147 PELLET, 2010, p. 4. 148 BARBOZA, 2011, p. 155. 149

O que se percebe, por exemplo, no segundo Relatório de responsabilidade por atos não proibidos pelo direito internacional, apresentado por Rao na ILC. (ILC, 1999, p. 116)

diligence, que poderia ser violada pela falha em exercer o devido cuidado, ainda que o efeito temido não ocorresse.150

Apesar da estreita relação entre ambas as normas, apenas a obrigação de prevenção foi explicitamente mencionada pela ILC durante a primeira leitura do projeto. Nesta leitura, a obrigação de prevenção estava inscrita no artigo 23, pelo qual o Estado deveria “pelos meios de sua própria escolha” prevenir a ocorrência de dado evento. Porém, na segunda leitura, foi o artigo foi abandonado, ao argumento de que se tratava de uma norma primária dentro de um projeto de normas secundárias.151

Existe também uma corrente teórica que entende que as obrigações de due diligence, de maneira genérica, se refeririam apenas a omissões contrárias à norma. Por esta teoria seria possível analisar uma possível omissão do Estado ao não agir conforme uma obrigação à qual se vinculou por meio de uma norma de prevenção. Dessa forma, um Estado poderia ser responsável por falhar em emanar a legislação adequada, em implementar leis, em prevenir e acabar com as atividades ilegais e aqueles por elas responsáveis.152 A esta corrente se filia Dupuy: As regras mínimas [...] cobrindo a posse e operação pelos Estados da infraestrutura legal e material suficiente para assegurar o cumprimento de suas obrigações sob condições normais não podem estar sujeitas a nenhuma transigência. Elas constituem o padrão mínimo abaixo do qual a sobrevivência de um Estado poderia ser incompatível com a sua coexistência dentro da comunidade internacional.153

Apesar da menção desta teoria dentro da análise da obrigação geral de prevenção, é importante destacar que a concepção de Dupuy do termo due diligence tem algo de particular. Para aquele autor, o dever de diligência é a conduta esperada de um bom governo a fim de

150 CRAWFORD, 2013, p. 227. 151 Ibid, p. 227-228. 152 XUE, 2003, p. 164. 153

Apud Xue, 2003, p. 164. No original: “the minimum rules...covering the possession and operation by states of a legal and material infrastructure sufficient to ensure the fulfillment of their obligations under normal conditions cannot be subject of any compromise. They constitute the minimum standard below which the survival of a State would be incompatible with its co-existence within the international community.”

efetivamente proteger outros Estados e o meio ambiente154. Por isso, cumprir com uma obrigação deste tipo estaria mais relacionado à boa fé do governo em se adequar à norma de direito internacional público do que, propriamente, com a questão ambiental.

O dever de evitar a poluição transfronteiriça, também para Kiss e Shelton, requer que o Estado exerça a due diligence, que significaria para os autores agir de boa fé e regular as atividades públicas e privadas sob sua jurisdição ou controle e que tenham potencial de causar danos ao meio ambiente155. A obrigação é a de prevenção, mas a forma pela qual deve ser cumprida é a due diligence. Justamente por esta razão, é que os autores entendem que a obrigação é complexa, não apenas por estar impressa em diversos instrumentos convencionais, mas pela necessidade de adoção de estratégias e políticas variadas.

Em relação à infraestrutura mencionada por Dupuy, Xue destaca que existe uma série de instrumentos legais internacionais que requerem que os Estados adotem as medidas apropriadas para prevenir, controlar e reduzir os danos ao meio ambiental. Cumprir com parte do dever de diligência é adotar uma regulamentação interna condizente com estes instrumentos.156 Assim, o padrão de due diligence deveria ser aquele considerado como razoavelmente proporcional ao risco de dano em cada caso particular, como afirma Barboza.157

No julgamento do Caso das Papeleiras, a Corte Internacional de Justiça foi muito clara ao se manifestar sobre a obrigação de prevenção, destacando que “a Corte aponta que o princípio da prevenção, como uma regra costumeira, tem sua origem na due diligence que é requerida de um Estado em seu território.”158 Aqui, a compreeensão de due diligence se aproxima muito da barganha implícita apontada por Crawford em relação à responsabilidade e mencionada no primeiro capítulo. O Estado tem soberania territorial, mas tem o dever de agir com due diligence para evitar danos aos territórios fora de sua jurisdição.

154

DUPUY, 1977, para. 13-14. No mesmo sentido: BIRNIE, BOYLE, 2002, p. 104. 155 KISS, SHELTON, 2007, p. 91. 156 XUE, 2003, p. 164. 157 BARBOZA, 2011, p. 15. 158

No original: “The Court points out that the principle of prevention, as a customary rule, has its origins in the due diligence that is required of a State in its territory.”(ICJ, Pulp Mills Case, 2010, p.45, para 101)

Portanto, ainda que Crawford tenha fundamentos para apontar uma diferença entre a obrigação de prevenção e a de due diligence, entende-se que o autor acabou por descaracterizar a essência do dispositivo de prevenção ao procurar diferenciar as duas como se paradoxais fossem. Isto porque para o autor a norma de prevenção não seria violada a menos que o evento a ser evitado tivesse tomado lugar. Ao mesmo tempo, destacou que as obrigações de cuidado (due diligence) poderiam ser violadas pelo não cumprimento de deveres a ela relacionadas. Parece-nos, entanto, que o autor rejeitou a finalidade última da prevenção dentro do contexto ambiental: minimizar os riscos, evitar o dano.

Diverso é o posicionamento de Dupuy. Considerando justamente a finalidade da norma, o autor entende que a obrigação de prevenção é um tipo de obrigação de due diligence. Portanto, para que seja cumprida é necessário que o Estado adote medidas instrumentais que demonstrem seu esforço em evitar ao máximo custo o evento ou, ao menos, de minimizá-lo, e que atue de forma a implementar estas medidas.