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IMPLICAÇÕES DA FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA NO MÉTODO

Assumimos, como propósito, abrir nossos escritos tomando os escritos de Freud, incontestavelmente, para amarrar as implicações da fundamentação teórica no método de pesquisa adotado. Consideramos que a escolha do método freudiano de investigação exige considerações teóricas por se tratar de uma escuta que visa o “mais além” do sentido da palavra, e é a palavra que tomamos para análise nesse estudo. Tomamos a palavra do sujeito em dois aspectos: sua fala direta ao pesquisador, e sua fala sobre sua fala com os homens da

Internet com quem estabelece relacionamentos. Assim, tomar a palavra de Freud permitiu

situarmo-nos enquanto escrita investigativa psicanalítica. Partimos, em cada tema, da concepção freudiana inicialmente, apresentando sua fundamentação teórica, seguida e entremeada com os autores que o sucederam, compondo um quadro teórico, a partir do qual buscamos tecer implicações na escuta dos sujeitos da pesquisa, em busca da compreensão do tema da eleição do par amoroso.

Lacan, em seu texto Fala Vazia e Fala Plena na Realização Psicanalítica do Sujeito, começa por dizer que “toda fala chama resposta”, e que ainda que a psicanálise só tenha a fala do paciente como meio,

[...] é para além da fala que procurará uma realidade que preencha esse vazio [...] mesmo se não comunica nada, o discurso representa a existência da comunicação; mesmo se nega a evidência, ele afirma que a fala constitui a verdade; mesmo se é destinado a enganar, especula sobre a fé no testemunho (LACAN, 1978, p. 112- 116).

Nesses princípios se fundamenta a proposta metodológica dessa investigação, qual seja, de escuta do sujeito, que se dá a partir de entrevistas com perguntas norteadoras, intercaladas de silêncios-não-perguntas, que admitem e propõem que a fala desse sujeito possa tomar rumo dentro de seu próprio discurso pela associação de idéias-significantes. Essa pesquisa constitui-se, portanto, em seu aspecto metodológico, em uma escuta psicanalítica, no que confere buscar ouvir, no discurso do sujeito, sua palavra-significante, tomando o relato de sua história cotidiana acerca dos relacionamentos atuais que estabelece com homens que conhece na Internet, e seus relacionamentos parentais, presentes e passados. Tomando-os,

como diz Lacan “[...] por um apólogo que a bom entendedor dirige sua meia-palavra, uma longa prosopopéia por uma interjeição direta, ou, ao contrário, um simples lapso por uma declaração muito complexa, e mesmo o suspiro de um silêncio por todo o desenvolvimento lírico que supre” (p. 116-117). A proposição de ouvir suas histórias pregressas, no âmbito dos relacionamentos conjugais anteriores e das relações com os pais, abriu espaço para o que se constituiu, pode-se dizer, uma anamnese psicanalítica, que não se trata de realidade, mas da verdade do sujeito. Pretendeu-se, assim, que, pelo efeito de sua fala, pudesse ser possível encontrar o sentido das necessidades atuais que mobilizam as mulheres sujeitos dessa pesquisa à procura do par amoroso.

O inconsciente do sujeito é sua história, e a historiação atual dos fatos que determinaram um certo número de “volteios” em sua existência já é uma forma de reconhecer esse inconsciente. Nosso estudo do sujeito andou atrás dessas pistas, e sua palavra foi tomada como um discurso psicanalítico. Nesse sentido, um discurso bem sucedido pode dar-se num ato falho, num equívoco, num chiste, num lapso que tenha a função de mordaça sobre a fala. Estivemos à procura da meia-palavra. Esses fenômenos do inconsciente, produzidos na fala do sujeito, se apresentam como um tropeço, uma rachadura, diz Lacan (1998). Sinalizam para que alguma outra coisa quer realizar-se, numa temporalidade outra, deslocada. Nessa hiância, apresenta-se “um achado”, ainda que incompleto, que surpreende. Trata-se, de fato, de um “reachado”, sempre prestes a perder-se novamente, constituindo-se como forma descontínua de aparecimento do inconsciente, forma pela qual algo se manifesta como vacilação. Freud propôs que o inconsciente vacila num corte do sujeito, e à ressurgência do achado, está o desejo desnudado nesse discurso que tropeça.

Destaque pela investigação analítica, do sentido latente existente nas palavras e nos comportamentos de um indivíduo. A interpretação traz à luz as modalidades do conflito defensivo e, em última análise, tem em vista o desejo que se formula em qualquer produção do inconsciente (LAPLANCHE; PONTALIS, 1970, p. 318).

A escuta investida nessa investigação psicanalítica teve por propósito o uso de elementos da técnica de interpretação com vistas a identificar, em última análise, o desejo inconsciente dos sujeitos no que diz respeito às questões de escolha do par amoroso.

Lacan instituiu o sujeito enquanto o sujeito da cultura, articulado pela linguagem. O advento desse sujeito – operação que conduz a criança a não mais apenas colocar-se como objeto do desejo do Outro, mas sim como sujeito – “[...] atualiza-se numa operação inaugural de linguagem, na qual a criança se esforça por designar simbolicamente sua renúncia ao

objeto perdido [...] fundada no recalque do significante fálico, nomeado também significante do desejo da mãe” (DOR, 1992, p. 91).

A teoria lacaniana se fundamenta na afirmação de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, o que Freud, em outros termos, já havia proposto desde a teoria do sonho, onde se refere ao conteúdo latente e conteúdo manifesto dos pensamentos. Tomou a linguagem na perspectiva de uma concepção estrutural, com base na obra do lingüista Ferdinand de Saussure, aplicando a ela algumas modificações e até uma certa subversão. Propõe que a relação do significante com o significado é uma relação sempre fluída, prestes a se desfazer. Chama de ponto-de-estofo (point-de-capiton) a delimitação entre eles, referindo- se “[...] a operação pela qual o significante detém o deslizamento, de outra forma indeterminado e infinito, de significação [...] é aquilo por meio do qual o significante se associa ao significado na cadeia discursiva” (DOR, 1992, p. 39), o que se dá na dimensão de posterioridade, por um efeito retroativo. Dito de outra forma, a significação de uma mensagem só advém ao final, de sua própria articulação significante. O significante é o que governa o discurso do sujeito, ou que governa o próprio sujeito, é o elemento guia, através do qual se exprime o significado desaparecido, justificando, assim, a tese do inconsciente estruturado como uma linguagem. Esse processo se utiliza de dois mecanismos: a metáfora e a metonímia.

A metáfora consiste em designar alguma coisa pelo nome de outra, baseada nas relações de similaridade e substituição – refere-se ao fort-da de Freud, jogo da presença- ausência do objeto perdido, através do qual opera na criança uma inversão simbólica onde ela passa a ter controle da presença-ausência da mãe graças a uma identificação a essa. O fort-da indica, na criança, fundamentalmente, o controle do fato dela não ser mais o único e exclusivo objeto do desejo da mãe, perdendo sua identificação com o falo. Implica na renúncia da expressão de seu desejo original e a instauração do pai simbólico, o que se dá pela relação significante elaborada pela criança que nomeia a ausência da mãe invocando a referência ao Pai, que tem o falo (a mãe ausente, supostamente está com o pai – tomando-o como objeto fálico e depois como o que detém o falo). A partir disso, a criança pode mobilizar seu desejo para objetos substitutivos ao objeto perdido através da metáfora do Nome- do-Pai, sustentada pelo recalque originário. Daí a afirmativa: “A função do pai no complexo de Édipo é de ser um significante que substitui ao significante, isto é, ao primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno” (LACAN, 1999, p. 180). Assim, o pai surge como uma metáfora no lugar da mãe, que estava ligada a algo que era o significado na relação desta (a mãe) com a criança, ou seja, o falo. O recalque é simbolizado

pela presença do significante no Outro, inacessível pelo recalcamento, portanto inconsciente, insistindo em se representar no significado pelo automatismo da repetição. Nomear o Pai é nomear metaforicamente o objeto fundamental do desejo. O símbolo da linguagem pereniza esse objeto, e a linguagem, como tal, eterniza sua expressão, socializando-a no registro simbólico da comunicação intersubjetiva.

Dor (1992, p. 46) apresenta algumas conclusões sobre o processo metafórico, a partir de Lacan: a) é o produtor de sentido, uma vez que está sustentado na autonomia do significante em relação ao significado. “A metáfora se situa no ponto preciso em que o sentido se produz no sem-sentido” (LACAN, 1978, p. 239); b) o caráter primordial do significante é atestado no próprio princípio de sua construção, no sentido de que é a cadeia de significantes que governa a rede de significados; e c) esse caráter primordial do significante se exerce também em relação ao sujeito, que ele predetermina sem que este o saiba.

A metonímia, por sua vez, implica num processo de transferência de denominação, sendo um objeto designado por um termo diferente do que lhe é próprio habitualmente. Os dois termos devem estar ligados por uma relação de matéria a objeto, ou de continente a conteúdo. Implica num deslocamento de sentido. A formulação da metonímia convoca os mesmos símbolos, e sua função reside na conexão de um significante novo com um significante antigo, com o qual tem uma relação de contigüidade, e que ele substitui. Na metonímia, há uma resistência à significação nas relações entre o significante e o significado, que se apresenta como um não-sentido aparente, sendo necessária uma operação de pensamento para apreender seu sentido. Na metáfora, ao contrário, o surgimento do sentido é imediato.

A metáfora do Nome-do-Pai implica num processo da evolução psíquica, permitindo à criança advir como sujeito, ascendendo ao simbólico (uso da língua materna) e instituindo a divisão psíquica (spaltung) irreversível do sujeito com o advento do inconsciente. A metáfora do Nome-do-Pai intima a criança a tomar a parte (objeto substitutivo) pelo todo (objeto perdido) e o desejo persiste em designar o desejo do todo (objeto perdido) pela expressão de desejo da parte (objetos substitutivos), engajado na via de metonímia. “Por meio do recalque originário e da metáfora paterna, o desejo vê impor-se, então, a mediação da linguagem” (DOR, 1992, p. 94). O significante Nome-do-Pai instaura a alienação do desejo na linguagem que, transformado em palavra, torna-se nada mais que o reflexo de si. O recalcamento do desejo de “ser”, em prol do desejo de “ter” o falo, impõe à criança engajar seu desejo no plano dos objetos substitutivos do objeto perdido. Para isso, a saída do desejo é fazer-se palavra,

desdobrando-se numa demanda, perdendo-se na cadeia de significantes do discurso, permanecendo sempre insatisfeito.

De um objeto a outro, o desejo remete sempre a uma seqüência indefinida de substitutos e, ao mesmo tempo, a uma seqüência indefinida de significantes que simbolizam esses objetos substitutivos, persistindo assim em designar, à revelia do sujeito, seu desejo original (DOR, 1992, p. 94).

Pela via da insatisfação do desejo, ele renasce continuamente uma vez estar em outro lugar que não no objeto visado, ou no significante suscetível de simbolizar este objeto – o que constitui a metonímia do desejo. O objeto do desejo é um objeto metonímico. Jerusalinsky ilustra dizendo que “no desejo o objeto falta [...]. A lógica do desejo coloca o objeto num outro lugar que é o do fantasma [...]” (2002, p. 82).

Os processos metafórico e metonímico são os mecanismos que estão na origem do funcionamento inconsciente. Temos, como processos metafóricos, a condensação do sonho, o sintoma, a metáfora paterna (ou do Nome-doPai) como acesso ao simbólico; e, como processos metonímicos, o deslocamento no sonho, o processo do desejo. Ainda temos os processos inconscientes do dito espirituoso como condensação metafórica e/ou deslocamento metonímico e os neologismos, glossolalias e línguas delirantes como construções metafóricas e metonímicas.

Esses processos, presentes no discurso do sujeito como pressuposto, estão, evidentemente, presentes no discurso dos sujeitos dessa pesquisa. Nosso propósito foi de, com base nesses postulados, poder identificá-los e, através deles, ouvir, acerca da verdade dessas mulheres entrevistadas, o que não pôde ser falado, restos do reprimido inconsciente, pistas indicativas de seus desejos. Todos esses processos implicam num retorno da verdade do sujeito, e sua interpretação só é possível na ordem do significante que, por sua vez, só tem sentido em sua relação com outro significante na cadeia de significantes que é própria e particular de cada sujeito. A saber, o S1, significante fálico ou significante do desejo da mãe, fundado no recalque, é o que governa a rede de toda a cadeia de significantes, o que assegura a passagem do real imediatamente vivido à sua simbolização na linguagem. A linguagem aparece como esta atividade subjetiva pela qual se diz algo totalmente diferente do que se crê estar dizendo no que se diz. O substituto simbólico do Real não é o próprio Real, mas o que o representa. “É preciso que a coisa se perca para ser representada [...] Pela palavra que já é uma presença feita de ausência, a ausência mesma vem a nomear-se em um momento original [...]” (LACAN, 1978, p. 140). Essa é a fórmula de ascensão à simbolização, instauração da ordem

do significante e, por conseqüência, a alienação do sujeito na e pela linguagem, de certa forma desvanecendo-se na cadeia significante, encontrando-se representado unicamente na forma de um símbolo. A relação do sujeito com a cadeia do seu discurso implica uma sutura onde “[...]

ele figura ali como elemento que falta, na qualidade de um lugar-tenente. Pois, faltando ali, ele não está pura e simplesmente ausente” (MILLER, 1966, apud DOR, 1992, p. 107). Os símbolos que evocam a garantia da representação simbólica do sujeito em seu discurso são os pro-nomes (uso do “nome”, “eu”, “tu”, “quanto a mim”, “ele”, “a gente”). Essa relação do sujeito com a linguagem denuncia a estrutura de divisão psíquica do sujeito: acede à linguagem para nela se perder. O sujeito não é causa, mas causado pela linguagem. Portanto, advém da linguagem, como já dissemos, e só se insere nela como um efeito de linguagem, sendo por ela eclipsado na autenticidade de seu ser. Lacan chama de fading esse eclipsamento que impõe que a apreensão do sujeito a si mesmo só se dê através de sua linguagem, como uma representação, uma máscara que o aliena e o dissimula para si mesmo. A essa alienação do sujeito em seu próprio discurso chama de refenda do sujeito, conceito originado da função do inconsciente advindo do recalque originário, fundador do significante primeiro, por ocasião da castração imaginária. Desde aí tem-se que o destino do significado é secundário em relação ao significante. A relação de alienação do sujeito se dá com o significante e pelo significante, e a refenda do sujeito define essa relação de alienação com a cadeia dos significantes no seu fala-ser. Sobre o sujeito da linguagem, Lacan (1992a) afirma: “[...] onde não está, ele pensa, onde ele não pensa, está [...]” (p. 96-97), referindo-se às questões do inconsciente e seus efeitos sobre esse sujeito.

O código do discurso, constituído pelo conjunto de signos e símbolos que permitem representar e transmitir informações, autoriza e funda a comunicação intersubjetiva. O círculo do discurso é um lugar de discurso relativamente vazio, lugar de palavra vazia, desse discurso concreto do fala-ser que se esforça para se fazer ouvir. O lugar do código é o lugar do referente simbólico, e aparece como lugar do grande Outro, chamado de “tesouro dos significantes” e “companheiro de linguagem”. O lugar da mensagem é o ponto de intersecção, de encontro com a cadeia de significantes, onde vai constituir-se o sentido para o código, lugar onde alguma coisa da ordem da verdade daquele que fala está mais suscetível de advir na forma de palavra plena, a palavra autêntica do sujeito. Assim, todo sujeito que engaja seu discurso no curto-circuito da ‘falação’, sem o saber, porque é da ordem do inconsciente reprimido, faz necessariamente ouvir muito mais do que ele crê dizer.

Temos presente, portanto, que o sujeito que nos fala em nossa pesquisa, sujeito de demanda de par amoroso − que se vale da intermediação da Internet como meio de supri-la –

não é senão isso, um sujeito eclipsado, uma máscara de si para si mesmo e para o outro com quem fala – o sujeito marcado pela alienação na linguagem.

A tese lacaniana princeps propõe que um significante é o que representa um sujeito para um outro significante.

Ao sujeito pois, não se lhe fala. Isso fala dele, e é lá que ele se apreende, e tanto mais forçosamente quanto antes que pelo único fator de que “Isso” se endereça a ele, ele desapareça como sujeito sob o significante que fica sendo, ele não era absolutamente nada. Mas esse nada se sustenta em seu advento, agora produzido pelo apelo feito no Outro ao segundo significante (LACAN, 1978, p. 320).

Nessa perspectiva, a divisão do sujeito pela ordem do significante implica que parte de sua subjetividade se defina como sujeito do inconsciente, ou seja, como sujeito do desejo. O “isso fala” refere-se ao ser do sujeito na autenticidade e verdade de seu desejo. Essa verdade, pelo recalque, não pode ser falada pelo sujeito, representando-se, apenas, em seu discurso. Inversamente, é o desejo do sujeito, o “isso” que fala dele em seu discurso.

Em Freud (1923), o “isso” corresponde ao id (ES). Enquanto o ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, o id (Es) contém as paixões e é regido pelo princípio do prazer, irrestritamente.

Lacan, repetimos, toma da lingüística o parâmetro de que a enunciação coloca em cena o sujeito do enunciado, que pode estar explicitamente presentificado, ou não, no seu enunciado. O discurso didático se caracteriza pela proposta de certa neutralidade subjetiva, criando um distanciamento entre o sujeito do enunciado e a enunciação. Em contrapartida, o sujeito da enunciação implica numa participação subjetiva que atualiza um representante como sujeito do enunciado num discurso, o locutor enquanto lugar e agente da produção dos enunciados. Situa o sujeito do inconsciente, o sujeito do desejo, ao nível do sujeito da enunciação. A presença do inconsciente, por se situar no lugar do Outro, deve ser procurada na enunciação de todo discurso. O inconsciente emerge no “dizer”, na enunciação , no significante, enquanto que no “dito” a verdade do sujeito se perde porque aparece somente sob a máscara do sujeito do enunciado, onde a saída é o “meio dizer”. A estrutura de divisão psíquica do sujeito (Spaltung) se atualiza nessas oposições: enunciado/enunciação, ou dito/dizer. A refenda do sujeito da enunciação com o sujeito do enunciado evidencia a impossibilidade de coincidência dos dois registros da subjetividade, constituindo uma brecha ao engodo que se origina no registro imaginário e que sustenta a mistificação alienante do sujeito, no enunciado que articula sobre si. O “eu” do enunciado oculta o sujeito do desejo,

constituindo a objetivação imaginária do sujeito, usando como saída a identificação com os diferentes e múltiplos “lugar-tenentes” que o representam no discurso, e que constituem o Moi (Eu, mim). Tomar o Moi por Je (Eu) implica na captação imaginária, onde o fala-ser assujeita-se cada vez mais. Se no estádio do espelho o sujeito toma acesso ao simbólico, como já dissemos, pelo fim da relação especular com a mãe, dá-se, aí, uma recaída do sujeito no imaginário, culminando no advento do Eu (Moi). Na fala, o sujeito experiencia sua falta-a-ser, tomada no sentido do ser do desejo, alienação de si mesmo através da ordem significante. O Eu (Moi) é a construção de uma representação imaginária em que o sujeito se aliena, imagem projetada através de seus múltiplos representantes, e que toma seu valor pelo outro e em relação ao outro, numa dialética precedida pelo estádio do espelho. Lá, a identificação da criança com a imagem especular precisa estar sustentada em um certo reconhecimento do Outro (a mãe). É o olhar da mãe que avaliza para a criança aquela como sendo realmente a sua imagem. Aí se esboça o advento da subjetividade como construção imaginária do Eu (Moi), irredutivelmente submetido à dimensão do outro. Daí deriva a dialética da identificação de si com o outro e do outro a si,

[...] quando um sujeito real dirige-se a um outro sujeito real, ocorre, devido à divisão operada pela linguagem, que é um Eu (Moi) que comunica com um eu (Moi) diferente, porém semelhante a ele. Disso resulta que falar a um outro equivale inevitavelmente a manter um diálogo de surdo com ele (DOR, 1992, p. 125).

Lacan (2005) enfatiza a operação dos registros do imaginário, do simbólico e do real, conceitos centrais na dinâmica relacional do sujeito frente ao outro. Assim, formula que um comportamento pode se tornar imaginário quando se torna suscetível de deslocamentos que não asseguram a satisfação de uma necessidade natural, sendo ele orientado a partir de imagens. De outro modo, concebe a “realidade essencial” do sujeito, que se trata do que é

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