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“... as verdades que nos importam, e não pouco,

estão condenadas a serem obscuras.”

(LACAN, 1992a)

Sobre o objeto do desejo, cabe, inicialmente, destacar a relevância dessa citação lacaniana para esse estudo. Referida ao recalcado do discurso freudiano, põe-se em jogo o que é inteiramente estranho ao sujeito no interesse pela verdade relativa ao saber sexual, justificando, como efeito, o obscurantismo do objeto do desejo humano. Em torno do objeto se dá a discussão e, por fim, a teorização freudiana. Constitui-se um conceito central para o entendimento dos processos psíquicos e está implicado na subjetivação, fundamentada grandemente na forma como o sujeito particularmente lida com seus objetos.

Freud (1915a) apresenta o objeto (objekt) como uma das quatro dimensões ou aspectos da pulsão, sendo as demais a fonte, o alvo (ou meta) e a força (ou pressão). O objeto da pulsão é proposto como aquilo em que, ou por meio de que, a pulsão pode alcançar sua meta, sendo, portanto, um elemento variável, podendo ser substituído por intermináveis outros objetos, dando-se um deslocamento da pulsão. Freud emprega o termo fixação para designar uma estreita ligação do sujeito a um objeto específico, inviabilizando a mobilização, opondo- se ao desligamento desse objeto, sendo freqüente nos estágios iniciais do desenvolvimento de um instinto.

Melman (2005) trabalha o conceito de objeto definindo-o como uma entidade suscetível de assegurar uma satisfação, seja de um desejo ou de uma necessidade, não sendo marcado pela faculdade de reprodução, ou seja, o objeto por si mesmo não é sexuado.

Nessa linha de pensamento, Lacan trabalhou com o conceito de objeto causa do desejo, podendo esse situar-se no olhar, na voz, uma vez que se trata, fundamentalmente, do objeto perdido originalmente. É preciso, para tornar-se objeto do desejo do outro, que o sujeito seja para ele o representante do objeto de sua fantasia. O objeto é sempre, em primeiro lugar, um objeto fantasístico, e assim, ele é próprio à cada um. Lacan (1998) o apresenta como “o objeto pequeno ‘a’”, estabelecendo uma equivalência com o olhar, a voz, o seio e os excrementos. Esses quatro objetos são parte de um corpo que o sujeito tenta imaginar no grande Outro, que tenta nele fazer existir, por falta do Um que viria lhe assegurar seu sentido

e sua unidade. A relação do sujeito com esses objetos pequeno “a” implica uma tentativa de reparar o vazio do Outro, pela tentativa de capturá-lo como um corpo.

A concepção de objeto da pulsão, objeto perdido, sem nunca ter sido ganho, constitui-se como falta, como presença de um vão, um hiato. Qualquer objeto que seja dado a ocupá-lo será de qualquer forma indiferente à pulsão. Os órgãos da pulsão são sempre falsos; trata-se de um vazio no centro de uma estrutura de borda. Freud apresenta, em oposição à pulsão de vida, a pulsão de morte, tornando-a como sendo o retorno ao inanimado biológico. Já em Lacan, toda a pulsão está implicada na pulsão de morte, uma vez que concebe a morte também como simbólica, além de biológica, significando o abandono da ação organizadora da função simbólica, em face do confronto do sujeito com o gozo em processos de transgressão, no limiar do sofrimento e da morte. A perda está prescrita na vida. No limite do simbólico Lacan trabalha com o registro do Real que se sustenta na noção de gozo, de objeto “a” – esse vazio que denuncia a inexistência do objeto do desejo, ao mesmo tempo que nega e mascara essa inexistência instalando-se como fonte para a constituição dos objetos substitutivos nos quais o desejo se aliena. O desejo é, então, o que está fora, sempre em algum outro lugar; é sempre um desejo de outra coisa. “Tudo é vaidade, sem dúvida, goze da mulher que amas, quer dizer, faça anel desse oco, desse vazio mesmo, que está no centro do teu ser, não há próximo a não ser esse oco mesmo que está em ti; é o vazio de ti mesmo” (LACAN, 2004, p. 23 – citação do Eclesiastes).

Laplanche (1997) retoma Lacan e utiliza o termo “deriva” apontando para a idéia que a pulsão não indica nenhum caminho, portanto, por concepção, nenhum objeto. De origem endógena, não indica nada, senão a necessidade, por todos os meios, de liberação.

O objeto “a” vale como símbolo da falta porque é algo de que o sujeito se separou como órgão para constituir-se, estando na correspondência do falo, não como órgão, mas como fazendo falta. Daí que o conceito de objeto implica primeiramente a condição de ser separável do sujeito, e depois, tendo alguma relação com a falta.

Lacan trabalha a relação escópica, na qual o olhar é o objeto de que depende a fantasia à que o sujeito se prende. O olhar é o objeto, entre todos os demais, no qual o sujeito reconhece sua dependência no registro do desejo e que se especifica como inapreensível. “Desde a primeira aproximação, vemos, na dialética do olho e do olhar, que não há de modo algum coincidência, mas fundamentalmente logro. Quando, no amor, peço um olhar, o que há de fundamentalmente insatisfatório e sempre falhado, é que – jamais me olhas lá de onde te vejo” (LACAN, 1998, p. 100).

Inversamente, o autor propõe que também o que eu olho no outro não é jamais o que quero ver, constituindo-se, assim, como uma relação de logro, onde o que se dá a ver não é o que o sujeito quer ver, ao mesmo tempo em que o sujeito se apresenta como o que ele não é. Daí a que o olho funcione como objeto “a”, no nível da falta, e Lacan evoque o jogo de “trompe-l’oeil” (tapeação-do-olho), referindo-se a uma certa hesitação, uma certa indistinção diante da imagem. O olhar como objeto “a” se apresenta no campo da função narcísica do desejo como objeto “indeglutível”, constituindo-se um significante, enquanto ponto de falta no qual o sujeito precisa se reconhecer. Esse “tu não me vês de onde te olho” (LACAN, 2004, p. 363), caracteriza o que é esse tipo de objeto “a” fundado no olhar. Nas relações virtuais da

Internet é o ponto de imagem do sujeito.

O objeto “a”, objeto caído do Outro, pode também se situar na relação do sujeito com a voz do Outro, sendo esse tomado como lugar onde “isso” fala. A função do supereu diz respeito a função do objeto “a” realizada pela voz, articulada ao significante, ocupando o lugar do grande Outro. Na experiência inaugural do sujeito, essa voz se instaura, pelas suas modulações, de uma maneira perversa, ou não. O alcance do olhar ou da voz no erotismo se inscreve em sua relação com o traço, com o objeto “a”, enquanto fundado pela interdição ao gozo.

Freud (1927) trabalha com o conceito de fetiche na análise da perversão, que depois passa a estabelecer o caráter simbólico do falo na sua teoria. O fetiche é tomado como o que substitui o falo da mulher, o falo inicialmente imaginado na mãe e que a criança, ao descobrir sua falta, nega-se a essa renúncia pela denegação. O fetiche é o significante que vem obturar o lugar de uma falta percebida e recusada no corpo da mãe pelo complexo da castração. A constituição do objeto-fetiche se dá através de cadeias associativas inconscientes, próprias a cada sujeito, criando para ele o mistério do objeto que move seu interesse sexual. O fetichista estabelece uma atitude ambivalente frente à castração no corpo da mulher – ele sabe, mas não quer saber. E estabelece com o objeto-fetiche também um investimento ambivalente – amor e ódio, uma vez que esse objeto tanto confirma quanto nega a castração para o sujeito. O fetiche atua na ligação com o gozo ao mesmo tempo que na ocultação de sua origem.

Autores contemporâneos, como Zizek e Kehl, analisam o fetiche traçando um paralelo de conceitos entre Freud e Marx. Marx descreveu o processo da realidade social, no modo de produção capitalista, pela inversão das relações sociais – ao invés de serem relações entre sujeitos mediadas pelas coisas, como sendo relações entre coisas mediadas pelos sujeitos –, instituindo as mercadorias como fetiches. Nesse processo, o ocultamento incide sobre as relações de dominação/exploração entre os homens, sob a aparência das relações de

troca entre as coisas – o produto do trabalho humano é tomado como mercadoria. A injunção das duas teorias, de Freud e Marx, nesse ponto, tem a ver com a experiência de angústia (angústia da castração na concepção freudiana) pela qual o sujeito está exposto à possibilidade da perda (em Freud, implica a perda do pênis inicialmente, e posteriormente aos equivalentes fálicos: dinheiro, poder, potência sexual, o amor da mulher,...). Como defesa, insitui-se o objeto-fetiche, na busca de ocultar o que o sujeito sabe mas não quer saber da falta. Este é o objeto capaz de mobilizar-lhe o desejo. Em Marx, o que se oculta não é o segredo da diferença dos sexos, evidência da castração, mas as diferenças sob a aparente equivalência objetiva das mercadorias; ocultam-se as relações de exploração e dominação entre os homens que as produziram.

Lacan introduz uma modificação à teoria freudiana relacionando o modo fetichista de funcionamento do desejo com aquilo que move todo o desejo humano. Portanto, destitui o fetichismo da perversão unicamente (visão freudiana), e o propõe mesmo no comportamento dos “neuróticos comuns”. Toma o desejo como efeito da perda de um objeto inaugural (geralmente a mãe é tomada como suporte imaginário) não tanto de prazer, mas de gozo. Esse objeto, no momento em que se dá alguma manifestação da Lei (interdição do incesto), vem a ser simbolizado como objeto da completude perdida, incidindo a separação do Outro, produzindo a falta simultaneamente no sujeito e no Outro. Nessa operação algo se perde – um objeto que no inconsciente simboliza esse gozo perdido –, que Lacan chama de “mais-gozar”, objeto “a”, que funciona como objeto-causa-do desejo.

A diferença do funcionamento fetichista do neurótico e do perverso está no fato de que o neurótico desconhece o que move seu desejo, a natureza do objeto “a” consiste num segredo; o perverso nomeia um objeto real, o objeto-fetiche, e tenta dominar esse objeto que causa seu desejo. Embora o segredo funcione nos dois casos, o neurótico não sabe e sabe que não sabe (e se pergunta: como eu fui me apaixonar pelo fulano?); e o perverso funciona como se soubesse, e o objeto-fetiche eleito por ele faz prova de seu saber sobre seu desejo, tentando, por esse viés, ignorar o que já sabe (a diferença, a castração). Este objeto funciona como mediador das trocas eróticas que o sujeito irá estabelecer com os semelhantes ao longo da vida, e também como organizador das cenas masturbatórias.

Para a psicanálise, “[...] o fetichismo estrutura a subjetividade e determina um modo de relação entre os sujeitos segundo o qual um aspecto essencial – a semelhança na diferença, que permite a troca e o interesse mútuo – fica (de)negado” (BUCCI e KEHL, 2004, p. 72). Esse modo de funcionamento subjetivo, tomado no âmbito do sujeito da psicanálise, estendido ao campo do sujeito social, do qual fala Marx, é também um modo de organizar o

laço social e está na interdependência com o modo de organização e funcionamento da sociedade em que vive – uma sociedade de funcionamento neurótico ou perverso.

De Freud a Lacan, temos o questionamento sobre o mistério da feminilidade: o que quer a mulher? Che vuoi? É uma pergunta norteadora em suas investigações. Em Kehl (1998), temos algumas indicações de possibilidades de dar resposta à essa questão. Ela conclui que pode estar na própria natureza dessa operação psíquica, que constitui o fetichismo e organiza o desejo, o mistério da feminilidade, e não na mulher propriamente, embora esta manipule os recursos para produzir o efeito de fetiche para o homem – por exemplo, os recursos da beleza e da sedução. Daí a que a autora questione a Freud no que se refere a sua insistência na questão do mistério feminino, tomando-a como uma possível denegação do próprio Freud, como homem fetichista, na posição daquele que, como ele mesmo descreve na teoria, daquele que sabe mas não quer saber. É do lado desejante que se constitui o mistério que paira sobre o objeto do desejo, e não no objeto. É o mistério originado pela denegação do desejante. O que o sujeito recusa o saber sobre seu próprio desejo, eis o que é capaz de produzir o efeito de mistério sobre o objeto – sobre o desejo da mulher, de Freud à Lacan. Aí incide a proposição lacaniana de que a mulher é o sintoma do homem. O mistério se produz sobre o que um homem não quer saber sobre sua própria castração. A mulher “[...] reconhecida, enquanto tal, precisamente neste lugar: o de objeto ‘a’ na castração, que é, sempre, Sintoma para um homem. E se um homem deve amar, conforme Lacan, seu sintoma como a si próprio [...] o torna [ao homem] aquele que: ′independente do sexo, ama as mulheres′” (MENDONÇA, 2001/2002, p. 125).

Convivemos na contemporaneidade com profundas mudanças de paradigmas desde os tempos de Freud ou mesmo de Lacan, que morreu há cerca de vinte anos atrás. Transformações científicas, tecnológicas e sociais (abordadas em outros capítulos) interpelam seu legado, constituindo-se como desafios aos pensadores da psicanálise atual. No que concerne ao objeto do desejo temos que, se em Lacan esse é dado como reflexo especular das projeções imaginárias, suporte para as projeções das fantasias, estas, as fantasias, são em alguns aspectos retiradas da cena, na atualidade, pela opção ao escancaramento do real do corpo presente na pornografia. O corpo é vasculhado, despido da sua imagem de aparência, fazendo limite com o Real. O desenvolvimento no campo das técnicas permitiu o processamento de imagens ao nível das cavidades, dobraduras e recessos do corpo, dando acesso mesmo ao seu interior, destituindo-o da eroticidade pelo seu desvendamento. Diante da exposição do real do corpo, onde alicerçar o desejo? Como instituir um objeto que possibilite ainda o engodo de aparência como recorrência à possibilidade de gozo? Como contornar o

desmascaramento do objeto do desejo que, como tal, não suporta ser desmascarado, sob pena de que, assim o sendo, esteja aí implicada a sua própria destituição como função – sua própria morte ? Frente à essa questão, podemos tomar a Internet como artifício dessa função. O ciberespaço constitui-se como lugar de suporte para o registro do imaginário, podendo se colocar como prótese, como solução de continuidade frente ao escárnio do corpo desvalido de seu suporte do desejo quando levado à exposição extrema do Real.

Freud aponta em seus estudos a prevalência da criança no sujeito adulto. E isso no sentido de que sujeito, ao longo de toda a sua vida, persegue o dano que considera ter sofrido na infância, do qual espera reparação. Trata-se de uma reparação impossível, uma vez tratar- se de um acontecimento produzido na infância e que é, por sua vez, um dano difícil de avaliar. Interessa particularmente a esse estudo saber que é inevitavelmente do parceiro, do par amoroso, que o sujeito espera reparação. Instaura-se aí um duplo mal-entendido. Porque se de um lado o parceiro não sabe do que se trata, de outro, nem mesmo o sujeito, objeto desse dano, sabe o que ele próprio reivindica. De qualquer forma, ao mesmo tempo em que o sujeito reivindica, ele recusa reparação, uma vez que é esse dano que o faz viver. A existência do sujeito barrado – o sujeito da castração, do interdito, do dano – está suspenso a um dano irreparável. Seu desejo é que respeitem nele essa falta, esse furo. Então, o que a mulher pede ao homem diz respeito à insuficiência do amor de sua mãe. O que, de pedido, a mulher endereça ao seu par, a saber, é a reparação da falta de amor que ela crê ter sofrido por parte da mãe, o que quer dizer que o que ela lhe pede nem de longe (ou melhor, só de longe) lhe diz respeito propriamente como par, como homem. Diz respeito, mais freqüentemente, ao que essa mulher tomou como falta, como insuficiência na vivência do amor de sua mãe.

Assim, podemos tomar o desejo de Gládis, um dos sujeitos dessa pesquisa, manifesto através do pedido de que um homem, enquanto par, não lhe faça pressão submetendo sua liberdade, possa ter raízes na relação com a mãe, apresentada por ela como repressora tanto da sua sexualidade quanto de tudo o que daí decorre na esfera comportamental. Sua queixa dos ciúmes que os parceiros estabelecem em relação a ela, assim como sua fala constante sobre o desejo de poder estar em contato com vários homens livremente (conclui precisar selecionar alguns dos sessenta e três com quem está em contato atualmente na Internet) apontam para isso que se coloca para ela como uma questão. Se o amor de mãe lhe fez marcas como um amor de repressão, seu pedido a um homem é que lhe dê o que nesse amor materno lhe faltou. Assim, reivindica a reparação, pelo parceiro, desse dano sofrido; reparação evidentemente impossível, uma vez não se tratar disso, de fato.

De outro lado, temos o desejo de Ângela camuflado na queixa dirigida aos dois parceiros conjugais que teve, no primeiro e segundo casamento, referindo-se a uma dependência emocional (no primeiro caso até financeira) destes homens sobre ela, bem como um desinteresse sexual sobre ela que se estabeleceu, no primeiro casamento a partir de uma traição – o marido passa a ter uma relação extraconjugal –, e no segundo casamento por uma apatia sexual que se agrava até o isolamento sexual completo entre os dois, embora ainda vivessem uma relação dita conjugal. O que foi possível escutar da relação de Ângela com a mãe é algo dessa ordem: trata-se, no seu afeto, de uma mãe fria, pouco afetiva, que a denigre enquanto auto-imagem – ou seja, não a toma como objeto de desejo, e por quem sofre um abandono emocional que faz marcas no relato de suas vivências infantis. O que lhe resta reivindicar aos homens, na atualidade, é tapar esse grande buraco, num ato de reparação.

Na impossibilidade dessa reparação sempre presente nas relações parece que, tanto Ângela quanto Gládis, assim como Ro, têm buscado outros pares, numa negação dessa inviabilidade. A Internet, pode-se pensar, toma o lugar da não aceitação disso que se apresenta numa relação, a saber, a falta. Assim, toma o lugar de possível resolução pela procura facilitada, e que pode chegar a ser interminável, de um homem que suporte esse lugar vazio de um dano nunca reparado. É possível pensar nos sites de namoro da Internet como um lugar onde o sujeito se negue a conviver com essa contradição constituinte. Nesse espaço, pode alucinar uma possível resolução para essa questão permanentemente irresoluta.

Temos então que, na relação amorosa, cada um dos pares do casal vive uma história que está ligada à sua infância e que, à nível inconsciente, constitui-se como um pedido de reparação endereçado ao outro – seu parceiro. Na teoria lacaniana temos que o desejo feminino é o desejo de ter um desejo insatisfeito, com propósito de conservar uma insatisfação fundadora como o homem a tem, simbolizada pela castração.

Em relação à escolha do objeto nos ocorreu pensar: à cada taça, sua porção de vinho! A porção necessária e suficiente para que cada um possa com ela embriagar-se e, assim, usufruir da embriaguez seu maior deleite – o de poder reter esse momento de suspensão, de devaneio, hiância onde culpa e angústia (ameaças supremas ao sujeito) suspensas, acorrentadas provisoriamente, contemplam um momento único de pleno gozo. É nesse engodo, nessa enganação, que o sujeito ascende ao estado de plenitude inaugural perpetuamente perdido, por isso mesmo, eternamente perseguido. A cada taça, sua porção de vinho!

Mas no decorrer desta vida, a cada dia e a cada hora, as mulheres encontram ou crêem encontrar homens; mesmo que nada signifiquem para o fim de cada um de nós, e para o fim dos fins de todos os seres humanos, esses encontros conferem em seu espaço-tempo, dia após dia, um sentido às suas inquietações, aos seus desejos, aos seus pensamentos e atos, e é esse objetivo que nos propomos. Por isso, prossigamos (DOLTO, 1984, p.165).

Essas considerações teóricas e práticas levantadas a respeito do objeto nos levam a reafirmar seu obscurantismo e a reconhecer, como Lacan, que “[...] as verdades que nos importam, e não pouco, estão condenadas a serem obscuras” (1992 a, p. 87).

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