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Capítulo I – Enquadramento Teórico e Empírico da Pertubação Psiquiátrica na Psiquiatria da

1. Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção

2.9 Implicações Médico-Legais

2.9.1 Perturbação Bipolar e Envolvimento Criminal

A condenação criminal e o envolvimento com o sistema judicial complicam a evolução da Perturbação Bipolar tipo I numa proporção substancial de pacientes. O estudo ECA (Epidemiological Catchment Área Study) verificou que a prevalência de PB tipo I é cerca de seis vezes superior na população prisional em comparação com a comunidade (55). Nos EUA, o número de indivíduos com doença

nos últimos trinta anos. McGlashen em 1988, conclui que a PB de início na adolescência predizia um maior conflito com a lei, em comparação com a PB com início na idade adulta (cit. em 54).

A fase maníaca da doença é a que provavelmente acarreta mais riscos de envolvimento com actividades criminais. O perfil sintomático da mania – isto é, grandiosidade, ausência de insight, impulsividade, hiperactividade e psicose – podem contribuir ou predispor um doente a encetar comportamentos anti- sociais, aumentando o risco de ofensas criminais. Vários estudos apontam o número de episódios maníacos ao longo da vida e a frequência de hospitalizações psiquiátricas como os dois factores sócio-demográficos mais significativos associados ao número de detenções (86).

Um estudo realizado por Quanbeck e col. (2004), de 66 indivíduos com PB detidos no Estabelecimento Prisional de Los Angeles, verificou que a maioria apresentava sintomas maníacos ou mistos e psicose na altura da detenção. Além disso, 60% dos indivíduos tinham estado hospitalizados por episódio maníaco no mês precedente à detenção, tendo a maioria abandonado o tratamento médico em ambulatório após a alta (87). Constata-se então, que o sistema de saúde mental

na comunidade possui a oportunidade de intervir após o período de hospitalização por mania, podendo prevenir futuros encarceramentos dos indivíduos com PB.

Existe evidência que os indivíduos bipolares envolvidos com a justiça apresentam um padrão de hospitalização tipo “porta giratória” que se caracteriza por múltiplos internamentos de curta duração, com abandono frequente do acompanhamento em ambulatório. Os pacientes bipolares e com consumo de substâncias apresentam o dobro das hospitalizações dos indivíduos bipolares sem consumos (86).

Dois estudos avaliaram especificamente quais os tipos de crimes pelos quais os pacientes bipolares eram habitualmente condenados, tendo concluído: crimes contra pessoas e crimes a propriedades, predominantemente vandalismo, roubo e fogo posto. Durante a actividade criminal, a maioria dos indivíduos apresentava humor eufórico e sentimento de grandiosidade (87). Os tipos de crimes

perpetrados indicam que a impulsividade é o principal factor motivador do comportamento criminal. Habitualmente as ofensas criminais iniciam-se com ameaças verbais, não planeadas e espontâneas em resposta a uma ameaça percebida. As agressões são então associadas a grande fúria e agitação. A

actos agressivos. Usualmente, as agressões são cometidas durante a influência de actividade delirante – sobretudo de teor paranóide – ou alucinatória. Não existe diferença de géneros na probabilidade de serem julgados por um crime violento. Ao contrário da população na comunidade, entre os indivíduos com perturbação mental, homens e mulheres são igualmente violentos, pelo que não se deve subestimar a perigosidade de uma mulher com patologia mental (88).

A actividade criminal aumenta dramaticamente quando associada a consumo de substâncias. Estudos indicam que indivíduos em fase maníaca e com abuso de álcool apresentam taxas mais elevadas de comportamento violento, impulsividade e labilidade de humor (87). O aumento da impulsividade parece estar

associado ao maior risco de suicídio e agressividade dos pacientes bipolares com abuso de substâncias.

Cerca de 50% dos pacientes bipolares não têm insight face à sua doença. O

insight é compreendido numa esfera multidimensional, que inclui a realização

que se é doente mental; a atribuição de determinado sintoma a uma doença e o reconhecimento da necessidade de tratamento. A ausência de insight está fortemente associada à não adesão ao tratamento na comunidade, à necessidade de tratamento involuntário, às admissões psiquiátricas em “porta giratória” e a pior prognóstico. Nos pacientes bipolares, o insight não é estável e pode variar com o tempo. Apesar da ausência de insight durante a fase maníaca, este pode melhorar quando os pacientes iniciam tratamento, predizendo melhores resultados.

2.9.2 Perturbação Bipolar e Abuso de Substâncias

A PB nos jovens apresenta elevada comorbilidade com psicopatologia externalizadora e internalizadora. O estudo ECA (Epidemiological Catchment Área Study) conclui que a PB é a perturbação mental do Eixo 1 no diagnóstico multiaxial do DSM-IV com maior prevalência de abuso e dependência de substâncias comórbido ao longo da vida (86). A comorbilidade com Perturbações

de Consumo de Substâncias (PCS) é particularmente maior entre os indivíduos com PB que se envolvem com o sistema de justiça criminal, revelando-se um factor de risco significativo para detenção em pacientes bipolares (89).

Vários estudos indicam que o consumo de substâncias tem mais impacto no envolvimento criminal das mulheres relativamente aos homens. Os doentes

bipolares do sexo masculino apresentam taxas mais elevadas de consumo de substâncias. Contudo, estudos realizados em pacientes hospitalizados por episódios mistos ou maníacos verificaram que as doentes do sexo feminino apresentavam seis vezes mais risco de consumo de substâncias comórbido em relação aos homens. Na presença de diagnóstico duplo, o risco de envolvimento criminal é significativamente superior nas mulheres, quando comparadas com a população geral. A concomitância de PCS e PB, aumenta a tendência da mulher a encetar comportamentos violentos, possivelmente pela desinibição e impulsividade (88).

Na realidade, a prevalência de comportamento ilegal em mulheres com duplo diagnóstico é mais parecido aos homens nas mesmas circunstâncias do que às mulheres na população geral. Isto sugere um efeito equalizador da perturbação de consumo de substâncias, mais especificamente nas mulheres com abusos de cocaína (88).

Estudos indicam que a PB com início na infância pode ser um factor de risco para PCS (89). A intervenção precoce no diagnóstico e tratamento desta

patologia poderá reduzir o risco de abuso de substâncias no futuro e minorar as suas implicações no funcionamento do indivíduo.

2.9.3 Questões éticas no julgamento do comportamento criminal

Um estudo realizado por Dorothy Lewis (2004) com 18 sujeitos que aguardam execução no Texas verificou que 83% dos sujeitos apresentava sintomas de perturbação do espectro bipolar precoces, do espectro esquizoafectivo e todos eles tinham crescido em famílias disfuncionais e violentas. Além disso, 83% apresentavam igualmente disfunções executivas características da lesão do córtex pré-frontal orbitomedial (90).

A avaliação diagnóstica de um indivíduo violento é de elevada responsabilidade, assim como a intenção de determinar culpa, inocência ou de factores atenuantes em casos de homicídio. A maioria dos adolescentes saudáveis não é violenta. Contudo, grande parte das perturbações psiquiátricas em crianças e adolescentes cursam com comportamentos violentos e anti-sociais. A agitação psicomotora, má performance académica, agressividade e comportamento sexual inapropriado é habitualmente observado em crianças e

de início precoce, são característicos da PB pediátrica. Infelizmente, estas crianças são habitualmente descritas com perturbações da conduta. A ausência ou erro diagnóstico de PB de início precoce prediz um prognóstico sombrio, com a inadaptação social, o abuso de substâncias, o para-suicídio e suicídio consumados como resultados frequentes.

É virtualmente impossível para pais que experimentam igualmente variações graves de humor, prestar os cuidados parentais apropriados que as crianças psiquiatricamente vulneráveis necessitam para se adaptar normalmente. Estudos indicam que a exposição a violência, não só fornece um modelo de comportamento mas também, resulta na lesão do Sistema Nervoso Central, especialmente nos lobos frontais, que são particularmente importantes no julgamento racional e no auto-controlo (90).

2.9.4 Conclusão

No que concerne à Perturbação Bipolar, actualmente reconhecida na infância e adolescência, o diagnóstico e intervenção terapêutica precoces poderão ter um impacto benéfico no prognóstico a longo prazo, na sua adaptabilidade social, no envolvimento com consumos de substâncias e comportamento criminal. Os indivíduos com Perturbação Bipolar não são intrinsecamente violentos ou anti-sociais, pelo que intervenções clínicas e legais apropriadas podem reduzir significativamente o risco de envolvimento em actos violentos, igualando-os à população geral.

O consumo de substâncias pode alterar enormemente a apresentação da doença, pelo que em contexto comunitário, o rastreio do consumo em pacientes bipolares e a sua inclusão no plano terapêutico podem atenuar o risco de envolvimento criminal. No sexo feminino, é especialmente importante o duplo diagnóstico pelo maior envolvimento com o sistema judicial em comparação com as pacientes bipolares sem consumos de substâncias. Os efeitos do duplo diagnóstico na criminalidade é mais exuberante nas mulheres que nos homens. O início precoce destas perturbações prediz piores resultados, logo a intervenção precoce é fundamental. Os sectores educativos e saúde escolar são de vital importância na detecção precoce de jovens em risco de criminalidade.

Capítulo II – Investigação sobre o contributo das alterações comportamentais

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