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A importância da criação de redes de negócio para o estímulo ao desenvolvimento turístico

3. O potencial dos itinerários literários para a consolidação de redes de negócios

3.3. A importância da criação de redes de negócio para o estímulo ao desenvolvimento turístico

Até aos anos 70 e com o “Estado Providência”, esteve em voga o modelo burocrático de Weber, adaptado à produção para um mercado de massas com desejos e necessidades semelhantes. Tratava-se, portanto, de um modelo racionalista com uma estrutura hierárquica rígida e conservadora, onde apenas aquele que se situava no topo da pirâmide detinha os conhecimentos para tomar decisões informadas (Costa, 1996). Hales resume as características deste modelo a três conceitos: especialização, centralização e regulação através de regras formais e impessoais (citado em Hales, 2006, p. 88).

Contudo, com o desenvolvimento acelerado da sociedade a partir da década de 70, com o florescimento de actividades relacionadas ao sector dos serviços (banca, seguros, mercado de acções e, também, o turismo) e com a crise do Estado de Providência, deu-se a ascensão do neo- liberalismo e de novos modelos de gestão, já que o modelo burocrático estava desadequado face à necessidade de inovação constante (Costa, 1996).

Surgiram, deste modo, os mercados que permitiram uma maior eficiência e redução de custos e preços, uma vez que se baseavam no princípio de mercado. O tipo de planeamento associado a este modelo foi denominado por Getz como boosterism (citado em Müller, 2006, p. 217), que é uma forma de não-planeamento que favorece soluções de mercado livre para lidar com problemas de desenvolvimento e que rejeita ideias de intervenção pública. Ao nível do Turismo, segundo Timothy, nos mercados não é definida uma estratégia para lidar com impactes económicos, ambientais e sociais indesejados, na medida em que o desenvolvimento turístico é equiparado ao provimento de facilities,serviços e atracções (citado em Müller, 2006, p. 217).

Contudo, dada a incompatibilidade desta abordagem com um ideal de desenvolvimento sustentável, procurou-se mais recentemente conciliar os aspectos positivos de ambos os modelos (burocracias e mercados), sendo para tal trazida para a gestão a teoria das redes, que tinha tido a sua origem na sociologia, e que se apresenta como uma alternativa aos mercados e às burocracias (Costa, 1996). Esta forma de gestão assenta na interligação informal entre diversos agentes com objectivos e interesses comuns e que se auto-regulam (Scott, Baggio & Cooper, 2008). Estas organizações criam relações de interdependência e são autónomas em relação ao Estado (Rhodes citado em Scott et al., 2008, p.20). Jones, Hesterly e Borgatti (1997) referem que na origem do desenvolvimento da governância de redes estão, frequentemente, a incerteza da procura, a instabilidade da oferta e interdependência de competências e conhecimentos entre os parceiros. Estes contratos têm um vínculo social mas não legal.

De entre os diversos sectores da economia, o turismo oferece-se como uma área privilegiada ao estudo, fomento e análise de redes, dado que estas podem ser mais importantes para este sector do que para qualquer outro. Na base do desenvolvimento de redes está a confiança estabelecida entre os diversos actores envolvidos, que é fulcral para que os objectivos sejam atingidos (Scott et al., 2008). Tendo em conta que as PMEs prevalecem no sector do Turismo, as

parcerias podem fortalecê-las e aumentar a sua competitividade, o que é fundamental para esta indústria (Buhalis & Peters, 2006).

De facto, são a colaboração e a cooperação entre as diversas organizações de um destino turístico que permitem a criação do produto turístico em si e que ajudam a compensar a natureza fragmentada do Turismo através de alianças locais informais, parcerias formais ou organizações de Turismo sem fins lucrativos (nacionais, regionais, locais) (Scott et al., 2008). Johnson e Lawrence afirmam que as relações numa rede não podem ser só construídas verticalmente, com os fornecedores, mas devem ser também construídas horizontalmente, com aqueles que seriam considerados concorrentes directos (citados em Costa, 1996).

Para além disso, a criação de redes, quer com base em critérios geográficos, quer no tipo de produto, comporta diversas vantagens, amplamente citadas na literatura sobre o tema:

− Captar forças do meio externo, de modo a aumentar a produção, eficácia e eficiência de uma empresa (pois o sucesso de uma empresa não depende só dos seus recursos, mas também do seu ambiente circundante e das relações que esta estabelece) (Scott et al., 2008; Costa, 1996);

− Aumentar a capacidade de competir globalmente devido à cooperação a nível local, à relação estabelecida entre os stakeholders e à sua troca de conhecimento e informação (Costa, Breda, Costa, & Miguéns, 2008; Kotler, Haider & Rein, 1993); partilha de recursos (Kotler et al., 1993); maior dinamisno e inovação (Scott et al., 2008); aumento do volume de negócios e desenvolvimento da comunidade (Gibson citado em Scott et al., 2008, pp. 16-17); − Conciliar múltiplos interesses por parte de diversas entidades associadas ao sector do Turismo: organizações do sector público, privado, não lucrativo e organizações não directamente ligadas ao sector do Turismo, mas que lhe fornecem bens e serviços (Costa, 1996). Só assim, conhecendo a inter-relação dos agentes da oferta, os objectivos de desenvolvimento turístico poderão ser atingidos (Gunn, 1993);

− Fomentar relações de médio e longo prazo, envolvendo dependência mútua (Costa, 1996); − Aumentar a visibilidade e força e, eventualmente, garantir um maior financiamento a

organizações que tendem a ocupar uma posição mais periférica no sector do Turismo, tais como as organizações sem fins lucrativos (Costa, 1996);

− Garantir a protecção de recursos turísticos tangíveis e intangíveis de um destino que são “propriedade” da comunidade (praias, lagos, paisagens, galerias de arte ou destination

brands) através da organização em rede dos stakeholders interessados, de modo a fazer

face a limitações orçamentais (Scott et al., 2008);

− A criação de redes locais permite que os destinos se tornem ofertas suplementares aos

honey-pots (pólos de crescimento turístico, com grande capacidade de atracção de turistas)

aos quais, num futuro idealizado, estarão conectados através de áreas de trânsito eficientes e uma boa rede de transportes, bem como devido ao esforço dos intermediários e das organizações gestoras dos destinos (Costa & Buhalis, 2006).

O documento de Avaliação da Componente do Turismo do II Quadro Comunitário de Apoio refere que, como resposta à globalização e para controlar as suas consequências negativas, a tendência para a formação de alianças entre parceiros foi reforçada, através de processos de integração vertical, horizontal e da criação de redes de organizações. As estratégias de gestão e organização dos produtos numa base local (“localismo”) foram igualmente fortalecidas. Uma vez que as grandes decisões estão cada vez mais concentradas nas mãos de um grupo restrito de operadores que actua à escala mundial, a cooperação a nível local pode responder à necessidade de criação de ‘marcas’ mais fortes em detrimento de pequenas marcas, e assim permitir a sobrevivência de pequenas e micro-empresas, cuja situação tende a agravar-se (Costa, 2003).

As formas de gestão nas organizações têm de ser ajustadas às novas realidades. Em particular, deve pensar-se no reforço das formas de gestão horizontal em detrimento das formas de gestão do tipo ‘top-down’, que tendem a “americanizar” ou “europeizar”, de modo a responder à convergência global em termos da procura do mercado, tendo como consequência um sentimento pós-moderno de perda de identidade e de homogeneização (Costa, 2003; Chang, 1996).

O documento de avaliação do II QCA destaca a importância da existência de uma política nacional bem definida e estruturada para o sector, para que se possa enfrentar a globalização e a crescente competição dos mercados, afirmando “a personalidade dos diferentes destinos” (Costa, 2003: 81). No entanto, Costa sublinhava, em 1996, a escassez de iniciativa pública no âmbito do estabelecimento de redes e parcerias, apontando como razões para tal a falta de motivação e o excesso de burocracia e rigidez do sector público (Costa, 1996). Hall & Williams (2008) referem que o conceito de inovação é associado sobretudo ao sector privado, sendo o governo percepcionado pela opinião pública como um entrave à inovação e melhoria da produtividade devido ao excesso de burocracia.

Para ultrapassar estas limitações, os autores enumeram diversas dimensões nas quais o Estado poderá ter um papel inovador ao nível do Turismo: coordenação, planeamento, legislação e regulação, empreendedorismo, atribuição de incentivos e estímulos, promoção, turismo social e protecção da igualdade de interesses no processo de tomada de decisão (cf. Hall & Williams, 2008: 91). Identificam ainda diversas actividades que o Estado pode desempenhar no contexto de sistemas de inovação14. Em suma, o Estado deverá passar a ser um actor cooperante e não dominante no processo de tomada de decisão.

Porém, é também possível enumerar algumas desvantagens das redes (Westholm citado em Müller, 2006, pp. 218-219):

− As parecerias carecem frequentemente de representantes considerados responsáveis pelo público;

14

Provisão de investigação e desenvolvimento e de criação de novo conhecimento; Fomento de novas competências através da educação e formação, criação de capital humano; Formação de novos produtos- mercado; Articulação de exigências de qualidade; Criação e modificação de organizações; Networking; Estabelecimento e modificação instituições; Incubação de actividades; Financiamento de processos de inovação e outras actividades; Serviços de consultadoria (Hall & Williams, 2008: 100).

− As parceiras são conservadoras e desadequadas para lidar com conflitos, dado que o seu principal objectivo é criar consenso;

− As parcerias “camuflam” a privatização;

− As parcerias não são claras no que respeita a atribuição de responsabilidades e de poder. Segundo Müller (2006), a entrega do sector do Turismo a empresas público-privadas por parte dos governos locais, de forma a aumentar os recursos económicos destinados ao Turismo, leva a que o sector privado assuma uma posição de poder não só em relação ao Turismo, mas perante a comunidade local. Para além disso, destaca que os objectivos dos privados e da comunidade são claramente distintos, já que os privados procuram sobretudo aumentar as suas receitas, recorrendo à estratégia de “boosterism” (Getz, citado em Müller, 2006, p. 219).

Para este autor, as parcerias público-privadas apresentam diversas falhas, tais como um deficit democrático e uma representação duvidosa dos diversos stakeholders do destino, podendo os parceiros não-lucrativos e não-governamentais ser excluídos15, o que poderá pôr em causa o desenvolvimento adequado do turismo no destino (Müller, 2006).

Deste modo, Müller e Westholm apontam eventuais consequências negativas das parcerias público-privadas. No entanto, considera-se que estas apenas ocorrem se a rede não for gerida de modo adequado. Assim, se estas forem geridas da melhor forma, poderão ser fulcrais para o desenvolvimento turístico do destino.

Para tal, os objectivos da gestão de um destino devem englobar não apenas o provimento de produtos específicos para determinados segmentos de mercado, mas assegurar o desenvolvimento sustentável do destino, preservar os recursos locais, a qualidade de vida dos residentes e a qualidade da visita dos turistas. Em muitos destinos continua a não existir uma visão de longo-prazo ao nível da sua gestão, mas a governância será essencial no sentido de ganhar, manter e defender uma posição competitiva de forma sustentável no mercado global (Manente & Minghetti, 2006).

No futuro, espera-se que a administração do turismo seja feita com base em clusters de produtos coerentes, ao invés de seguir procedimentos administrativos antiquados e criados para outros fins que não a gestão de um destino turístico (Costa, 2006)

3.4. O potencial dos itinerários literários para a criação de redes de negócio e melhoria dos