• Nenhum resultado encontrado

6. DISCUSSÃO

6.6. Importância da CryAB na modulação da atividade de Shp2

A Shp2 adota uma conformação basal auto inibida, na qual a alça D’E do domínio N-SH2 bloqueia o acesso ao sítio catalítico. A ativação é atingida mediante ligação de fosfotirosinas nos sítios alostéricos localizados nos domínios SH2. Desta maneira, para verificar se a interação com CryAB altera a atividade da Shp2, foram realizados ensaios de atividade fosfatase com as proteínas purificadas, utilizando como substrato o pp60c-src (521-533) fosforilado na tirosina 527. Os resultados mostraram uma inibição da atividade da Shp2 na presença de CryABfull, que é a forma oligomérica. Esses

dados estão em concordância com os obtidos por meio de reações de ligação cruzada e modelagem molecular, que sugerem que a interação da CryAB ocorre principalmente no domínio catalítico (PTP) da Shp2. Isso permite supor que a ligação da CryAB na forma oligomérica bloqueie o acesso ao sítio catalítico e/ou impossibilite a completa ativação da molécula, simplesmente por meio da ligação ou por meio da indução de modificações conformacionais na Shp2.

Interessantemente, na presença do domínio alfa-cristalino da CryAB (CryABACD), que forma dímeros, a atividade da Shp2 não é inibida, indicando que a

interação com a CryAB oligomérica exibe propriedades estruturais diferentes da interação com a CryAB dimérica. Os fragmentos contendo somente o domínio alfa- cristalino (ACD) vem sendo amplamente utilizados em estudos estruturais de alta resolução (cristalografia e RMN principalmente) como ferramenta para o entendimento da estrutura e propriedades do oligômero e da interação com proteínas clientes, visto que o tamanho e a polidispersão do oligômero inviabilizam uma série de metodologias. Entretanto, o resultado acerca da atividade fosfatase ressalta o quanto é importante ter cautela com extrapolações ou minimizações do modelo para as unidades monomérica ou dimérica da CryAB, pois, de acordo com o modelo estudado, o risco de se obter

resultados artificiais é alto. É importante salientar também que os resultados obtidos com o substrato pNPP são diferentes dos obtidos para o pp60c-src fosforilado em função da clivagem do pNPP pela Shp2 não exigir ativação da mesma, portanto este substrato reflete a atividade basal da Shp2, ao contrário do pp60c-src, que fornece a medida da atividade mediante ativação da Shp2, processo no qual a CryAB foi capaz de interferir. De forma complementar, o uso do domínio FERM da FAK foi capaz de ativar a Shp2 e a adição de CryAB ocasionou uma inibição da ativação, o que corrobora com os resultados de atividade da Shp2 com o substrato pp60c-src fosforilado.

Com as evidências de que aCryAB é um regulador da atividade da Shp2, os estudos seguiram em busca de evidências de interação em modelos celulares. Neste sentido, ensaios de FLIM-FRET, realizado em células HEK 293, também corroboram com a hipótese de que CryAB e Shp2 formam complexos, não somente em solução, mas também em células vivas.

Tais evidências impulsionaram o uso de modelos mais robustos para o estudo, por meio do emprego de tipos celulares mais complexos, como miócitos cardíacos, por exemplo. Para tanto, miócitos ventriculares de ratos neonatos (MVRNs) em cultura foram submetidos a estresse biomecânico produzido por meio de estiramento cíclico. Os resultados mostram que existe uma associação basal entre CryAB e Shp2, porém foi observada uma maior associação em resposta a 10 e 30 minutos de estiramento cíclico, com queda progressiva em resposta a tempos mais prolongados de estimulação. Ainda, o estiramento cíclico ocasionou uma redução da atividade fosfatase associada aos imunoprecipitados de Shp2, o que permite supor que existe uma relação entre a associação Shp2/CryAB e a regulação da atividade fosfatase da Shp2. Um esquema da hipótese de associação e inibição da atividade é mostrado a seguir (Figura 43).

Figura 43: Modelo de ação da CryAB na inibição da ativação de Shp2. A Shp2 apresenta estrutura basal inativa, na qual o domínio N-SH2 bloqueia o acesso ao sítio catalítico no domínio PTP. A ligação de substratos com tirosinas fosforiladas nos motivos de reconhecimento, localizados no N e C-SH2, causam modificações conformacionais que permitem a completa ativação da Shp2, como pode ser conferido no esquema acima (quadro pontilhado). A ligação da Shp2 na unidade hexamérica de CryAB (ou no oligômero) parece dificultar o as modificações conformacionais necessárias para a ativação da Shp2. Nas estruturas (abaixo) é possível notar que a ligação da CryAB parece bloquear o acesso a importantes regiões como o sítio catalítico, e motivos de reconhecimento de tirosinas (assinalados em vermelho, quadro abaixo), que permanecem voltados para a CryAB. Amarelo: N-SH2; Verde: C-SH2; Azul escuro: PTP; Azul claro: CryAB; Vermelho: sequencias regulatórias importantes (sítio catalítico e sítios de reconhecimento de fosfotirosinas).

Modificações conformacionais de

Esses resultados corroboram com estudos do nosso laboratório que mostraram que a associação entre Shp2 e FAK em MVRNs é menos pronunciada em células submetidas a estiramento cíclico por 10 e 30 minutos, e tal associação aumenta progressivamente em resposta a estiramento cíclico mais prolongado. Ainda, a atividade fosfatase associada aos imunoprecipitados de Shp2 é menor em 10 e 30 minutos, aumentando progressivamente em tempos maiores de estimulação (Marin et al., 2008). A hipótese de que a associação com a CryAB reduz a atividade fosfatase foi testada por meio da técnica de RNA de interferência. Neste ensaio, verificamos que na situação basal há uma redução da atividade fosfatase da Shp2. Entretanto, com a aplicação de 30 minutos de estresse biomecânico observamos um aumento na atividade fosfatase da Shp2. Com tais evidências, é plausível sugerir que o estresse biomecânico cause um aumento da associação CryAB/Shp2 e consequente redução da atividade da Shp2, o que foi mostrado nos ensaios de atividade fosfatase com as proteínas purificadas e também a partir de imunoprecipitados de extratos celulares. De fato, mediante estresse mecânico a expressão da CryAB é aumentada (Pereira et al. 2012), portanto podemos sugerir que o estímulo mecânico aliado ao aumento da expressão da CryAB ocasione interação e inibição da atividade da Shp2.

Portanto, o estresse mecânico é um importante ativador de vias hipertróficas, sendo a atividade da Shp2 regulada negativamente mediante tal estímulo (Marin et al 2008). Possivelmente, a CryAB, que tem expressão induzida por estresse mecânico, é um dos moduladores da atividade de Shp2. Concomitantemente, a CryAB preserva a atividade da FAK, que por sua vez é inativada via desfosforilação por Shp2. Desta forma há uma ação redundante quanto a preservação da atividade de FAK, que é um

importante sinalizador hipertrófico quando ativa. A Figura 44 ilustra a conexão entre os componentes e funções em resposta ao estresse mecânico.

Figura 44: Possível papel da CryAB na sinalização hipertrófica. A FAK é uma importante quinase responsiva a estímulos biomecânicos, sendo ativada por fosforilação na tirosina 925. Sua hiperativação culmina em aumento do tamanho de miócitos cardíacos e hipertrofia miocárdica. A Shp2 regula a atividade de FAK, desfosforilando a mesma e inibindo-a. A perda de função da Shp2 também resulta em aumento do tamanho da área celular e hipertrofia. A CryAB, que tem expressão aumentada mediante estresse mecânico, interage e inibe a atividade fosfatase da Shp2. Ainda, a CryAB exerce um paper protetor sobre a função da FAK.

De fato, a CryAB está ligada à fosforilação e ativação de ERK 1/2 em modelo de carcinoma hepatocelular, e à ativação de PI3K/AKT, mTOR, ERK 1/2, p38 e JNK em astrócitos (Huang et al., 2013; Zhu, 2015), que fazem parte da sinalização derivada de Shp2.

O estudo do papel da CryAB na inibição da atividade da Shp2 pode fornecer bases para uma melhor compreensão da modulação da função da Shp2. O completo entendimento da superfície utilizada para a interação CryAB/Shp2 com consequente inibição da Shp2 pode contribuir para o desenho racional de moléculas que atuem sobre a fosfatase. Uma molécula moduladora da atividade da Shp2 teria amplas aplicações como tratamento de câncer (principalmente leucemia) e síndrome de Noonan, enfermidades nas quais a Shp2 encontra-se super ativa.

Adicionalmente, acerca dos substratos de CryAB, bem como dos interatores e especificidade relacionada, podemos atribuir possíveis respostas a algumas das questões mencionadas no início desta tese: Há estados específicos responsáveis pela atividade da CryAB?

Isso é substrato-específico? Possivelmente, oligômeros e suboligômeros estão envolvidos na interação com Shp2. Entretando, na interação FAK e CryAB, foi verificado que a interação da porção C-terminal da FAK ocorre possivelmente com dímeros de CryAB, o que dá indícios de que o arranjo molecular adotado pela CryAB nas interações é substrato específico.

Documentos relacionados