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A importância do Estado para a definição da liderança competitiva no setor petroquímico

CAPÍTULO I: SETOR PETROQUÍMICO: DETERMINANTES DA COMPETITIVIDADE

1.4. A importância do Estado para a definição da liderança competitiva no setor petroquímico

O nível sistêmico de competitividade se revela em alto grau de importância para o setor petroquímico em função dos requisitos de capital para a obtenção das vantagens competitivas definidas pelo padrão de concorrência nesse setor. Como salientou Furtado (2003, p. 62), “A petroquímica é uma das atividades que explicitam as forças e fraquezas da estrutura de capital dos países”. As condições de acesso e o custo do capital nos países serão fundamentais para explicar a estrutura de mercado e os diferenciais competitivos apresentados pelas empresas petroquímicas líderes mundiais.

A presença do Estado inequivocamente constitui um dos importantes atributos que explica a competitividade das empresas líderes mundiais do setor petroquímico. Essa

presença se apresenta na figura das empresas estatais, no provimento de matérias-primas a custo competitivo, no apoio à consolidação e internacionalização (comércio internacional e produção no exterior), no financiamento subsidiado, na coordenação dos investimentos da cadeia petroquímica, no financiamento ou criação de estruturas públicas ou público-privadas capazes de gerar novos conhecimentos a partir das atividades de pesquisa e desenvolvimento, e na articulação e estruturação de diversos agentes que compõem o sistema nacional de inovações dos países e que contribuem sobremaneira na capacidade de inovação das empresas petroquímicas.

Sobre a reestruturação empreendida nos anos 1980 pelos principais grupos petroquímicos a partir dos países centrais, Schutte (2004, p. 74) destaca como resultado a formação de grupos empresariais ainda mais integrados, internacionalizados e com aumento da concentração e especialização produtiva. Essa reconfiguração foi feita com o patrocínio do Estado, ou por sua coordenação e dos grandes grupos. Especificamente na Europa, em meados dos anos 1980, “os governos europeus deram principalmente apoio a programas nacionais ou comunitários de pesquisa e desenvolvimento e trocaram o envolvimento direto nas indústrias por um planejamento setorial.” (p. 75).

A participação de instituições e instrumentos públicos fica mais explícita quando essa função de coordenação e planejamento do setor está empunhada por empresas 100% estatais, como é o caso de algumas NOCs (a Sabic e a Sinopec, por exemplo). No entanto, ela também é notória para a determinação da competitividade das empresas privadas, mesmo aquelas que já adquiriram porte elevado e atuação transnacional. Põem esse aspecto em foco Mello et al. (2003) nesses trechos a seguir:

“Ressalta-se que, apesar do aumento da importância das Empresas Transnacionais (ETs) na produção e nos fluxos de comércio mundial, estas ainda se alimentam das políticas de apoio implementadas por seus respectivos Estados Nacionais” (p. 6). (...)

(...) “Neste último caso, a Indústria Petroquímica também é um exemplo de esforço compartilhado entre o capital privado nacional e os respectivos Estados Nacionais, tanto através de políticas de incentivos – em geral relacionadas com financiamento e apoio ao desenvolvimento tecnológico – quanto através de empresas estatais, quase sempre oriundas do setor petróleo.”( p. 25)

Quando não há agentes produtivos estatais, as ações dos governos podem tomar formas sutis como em instituições que realizam coordenação de investimentos, regulação de

preços, tarifas de comércio exterior, etc. Schutte (2004, p. 55) recorda da atuação dessas instituições no Brasil, com o CDI, e no Japão, com o Ministério da Indústria e Comércio (MITI). A coordenação estatal responde, inclusive, por demandas que estão atreladas à especificidades técnicas do setor petroquímico, como a evidente e inevitável interdependência entre os elos da cadeia petroquímica, em função do alto volume de investimentos, indivisibilidade técnica para expansão e contração, busca por economias de escala e de aglomeração, especificidade de ativos, etc. (CHUDNOVSKY; LÓPES, 1997).

Suarez (1986) destacou a intervenção do governo dos EUA na proteção da rentabilidade das empresas petroquímicas daquele país às quais se demandava elevação significativa da produção para o provimento de produtos petroquímicos durante a 2ª. Guerra Mundial74. O risco da elevação da capacidade produtiva e dos investimentos em diversificação é sempre muito alto no setor petroquímico. Portanto, para assegurar a execução de tais projetos durante a guerra, o Estado dos EUA entrou como garantidor dos investimentos.

Se a presença do Estado aparece como peça importante para explicar a força competitiva de empresas transnacionais, na sua grande maioria oriundas originalmente dos países desenvolvidos, deveria ser algo até redundante e muito trivial explanar que o governo e os sistemas públicos são fundamentais para empresas de países subdesenvolvidos. Nesses, menciona-se que, na estruturação dos setores de base, intensivos em capital, no bojo do processo de substituição de importações, ou ocorreu uma espécie de “Capitalismo de Estado”, quando o Estado atuou por meio diretamente da criação das empresas estatais, ou foi um “Capitalismo Assistido”, quando o Estado agiu colocando em ação uma série de ações de incentivos e subsídios para promover e tornar rentáveis setores que não o seriam apenas com os mecanismos de mercado (nos termos utilizados por Chudnovsky e López, 1997).

Os investimentos no setor petroquímico, pelas suas características técnico- econômicas, são carregados de grande incerteza. Como já analisado aqui, há interdependência entre os elos da cadeia, especificidade de ativos, elevado conteúdo tecnológico e de capital nas inversões, necessidade de economias de escala, indivisibilidades técnicas, entre outros aspectos que tornam os investimentos da petroquímica, greenfield ou

74 Esse horrendo fato da história da humanidade serviu para alavancar sobremaneira a indústria petroquímica

nos EUA. Não só porque a guerra demandou diversos e volumosos insumos químicos, mas também porque destruiu grande parte do setor carboquímico europeu, sobretudo o alemão, ocupado pelas empresas petroquímicas estadunidenses com o fornecimento dos insumos químicos (SUAREZ, 1986).

que dão apenas sustentabilidade à produção presente, de alto risco. Nesse contexto, as relações na cadeia petroquímica “at arm´s length” do mercado, são impensáveis, mas também o são, muitas vezes, a coordenação via verticalização ou via contratos de longo prazo. Parece haver aí, nesse setor, uma situação em que a coordenação estatal seja inevitável (CHUDNOSKY; LÓPES, 1997).

O próximo capítulo tem por objetivo apresentar o papel ocupado pelo Estado e pelo grande capital (grandes empresas e capital financeiro) na definição da competitividade do setor petroquímico nos EUA nas décadas de 2000 e 2010. Essa experiência, ainda em andamento, constitui uma poderosa lente pela qual se pode observar a capacidade que tem o Estado, em meticulosa e complexa articulação com o grande capital, de abrir novos espaços de acumulação do capital.

CAPÍTULO II. SHALE GAS COMO PEÇA-CHAVE PARA O “RENASCIMENTO” DA INDÚSTRIA PETROQUÍMICA NOS EUA

O capítulo 2 tem por objetivo apresentar os condicionantes políticos e econômicos para a emergência e consolidação das atividades de shale gas nos EUA. A hipótese deste capítulo, central neste trabalho, é a de que a atuação e intervenção do Estado daquele país, de várias ordens e dimensões, foram essenciais para a expansão dos mercados norte- americano e mundial para o shale gas.

O interesse deste trabalho no entendimento da dinâmica recente e em vigor das atividades produtivas de shale gas nos EUA deriva do fato de que a atividade de extração de gás natural, sobretudo dessa fonte não-convencional, tem como um de seus mercados, a indústria petroquímica. Como foi realçado no capítulo anterior, a matéria-prima se define como elemento-chave (quiçá, o principal) para a determinação da competitividade do setor petroquímico. Assim, a análise da constituição do mercado de shale gas nos EUA (como surgiu, com quais setores está envolvido, qual é a estrutura de mercado, os desafios tecnológicos, os canais de financiamento e de distribuição, etc.) é também a análise da principal fonte de competitividade do setor petroquímico (e dos setores a jusante) nesse país atualmente.

O próximo item apresenta a dinâmica da produção dos líquidos de gás natural nos EUA e sua relação com o setor petroquímico.