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A importância da interação na constituição dos sujeitos: perspectiva dos estudos

1.3. Interação: conceitos e discussões

1.3.2. A importância da interação na constituição dos sujeitos: perspectiva dos estudos

De acordo com Fiorin (2005:11), a linguagem não só permite nomear, criar, transformar o universo real, mas também possibilita troca de experiências. Para esse

Professor (afetado)

Aluno (afetado)

autor, tudo o que se produz como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado.

No “Curso de Linguística Geral”, Saussure (2004:80) define língua como a parte social da linguagem, constituída por um sistema, cujos signos linguísticos unem não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.

Outro estudioso, Bakhtin, parte do social para refletir sobre a língua. Para ele, significamos o mundo por meio da linguagem já que:

Os signos só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. (...) A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social. (Bakhtin & Volochínov, 2006:34)

De acordo com o excerto, o sentido de signo só pode ser construído na interação entre uma consciência individual e uma outra. A própria consciência individual já é constituída socialmente. Para Bakhtin (2006), a língua não é apenas comunicada, mas construída na interação entre os sujeitos pertencentes a um grupo social. Do mesmo modo, os sujeitos só se constituem como sujeitos na interação.

A título de esclarecimento, Bakhtin não nega a existência do sistema da língua (...) Não condena seu estudo, pelo contrário, considera-o necessário para estudar as unidades da língua. No entanto, mostra que ele não explica o modo de funcionamento real da linguagem (Fiorin, 2010:33). Desse modo, para Bakhtin, o signo é ideológico, ou seja, não só significa, mas reflete e refrata a realidade. Esse autor compreende que as palavras:

são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem-formados. (...) A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (Bakhtin & Volochinov, 2006: 42)

Por ser o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, a palavra reflete tais transformações e, também, refrata, re-significa. A língua, socialmente construída, está constantemente em movimento entre os sujeitos que a significam e a re- significam na interação. Nessa perspectiva, a língua é social. O sujeito é social:

A língua não é reflexo das hesitações subjetivo-psicológicas, mas das relações sociais estáveis dos falantes. Conforme a língua, conforme a época ou os grupos sociais, conforme o contexto apresente tal ou qual objetivo específico, vê-se dominar ora uma forma ora outra, ora uma variante, ora outra. (Bakhtin & Volochinov, 2006:153)

Nesse sentido, para Geraldi (2010:108), filiado aos estudos bakhtinianos, é na tensão do encontro/desencontro do eu e do tu que ambos se constituem. É nesta atividade que se constrói a linguagem enquanto mediação sígnica necessária. Por isso a linguagem é trabalho e produto do trabalho. Nesse sentido, não há sujeito isolado, ele já é, no mínimo, “dois”: eu-outro.

Segundo Geraldi (2010:105), a base do pensamento bakhtiniano parte de dois pontos: a alteridade, pressupondo-se o Outro como existente e reconhecido pelo “eu” como Outro que não-eu e a dialogia13, pela qual se qualifica a relação essencial entre o eu e o Outro. Sob esse viés, o sujeito é um ser incompleto que busca sua completude no outro que também é incompleto, ou seja, é a busca por uma completude impossível de ser alcançada. Para Geraldi (2010: 143):

(...) o sujeito de Bakhtin é sempre de uma incompletude fundante (é a relação de alteridade que lhe dá existência), e que a demanda de completude – o movimento em direção ao outro – será sempre um movimento que não produz solução (...).

Levando em consideração a discussão de sujeito, Bakhtin (1997) ao discorrer sobre o autor e o herói para analisar obras literárias, tece o seguinte pensamento:

(...) O autor não só vê e sabe tudo quanto vê e sabe o herói em particular e todos os heróis em conjunto, mas também vê e sabe mais do que eles, vendo e sabendo até o que é por princípio inacessível aos heróis; é precisamente esse excedente, sempre determinado e constante de que se beneficia a visão e o saber do autor, em comparação com cada um dos heróis, que fornece O princípio de

13 Não é foco desta pesquisa expandir a discussão acerca de dialogismo; todavia, para esclarecimentos recorremos a Fiorin (2010:40): quando o filósofo russo fala em dialogismo não está pensando no diálogo

face a face, mas numa propriedade central dos enunciados: todo discurso é construído a partir de outro discurso, é uma reposta, uma tomada de posição em relação a outro discurso. Isso significa que todo discurso é ocupado, atravessado, habitado pelo discurso do outro e, por isso, ele é constitutivamente heterogêneo. Todo enunciador, para construir seu discurso, leva em conta o discurso do outro, que está, por isso, presente no seu. Assim, um discurso deixa ver seu direito e seu avesso. Neles, estão presentes pelo menos duas vozes, a que é afirmada e aquela em oposição à qual se constrói.

acabamento de um todo – o dos heróis e o do acontecimento da existência deles, isto é, o todo da obra.

(...)

Daí decorre diretamente a fórmula geral do princípio que marca a relação criadora, esteticamente produtiva, do autor com o herói, uma relação impregnada da tensão peculiar a uma exotopia – no espaço, no tempo, nos valores – que permite juntar por inteiro um herói que, internamente, está disseminado e disperso no mundo pré-dado da cognição e no acontecimento aberto do ato ético; que permite juntar o próprio herói e sua vida e completá-lo até torná-lo um todo graças ao que lhe é inacessível, a saber, a sua própria imagem externa completa, o fundo o qual ele dá as costas (...) (Bakhtin, 1997:32-34) Geraldi (2010:107), partindo desse estudo realizado por Bakhtin (1997), transporta esse conceito de “excedente de visão” para o mundo da vida. Enquanto Bakhtin (1997) discorre acerca do autor e sua relação com a obra literária e, principalmente, com o herói, Geraldi (2010) transfere tal pensamento bakhtiniano para a realidade:

Imaginemo-nos dentro deste mundo: estamos expostos e quem nos vê, nos vê com um “fundo” da paisagem em que estamos. A visão do outro nos vê como um todo com um fundo que não dominamos. Ele tem, relativamente a nós, um excedente de visão. Ele tem, portanto, uma experiência de mim que eu próprio não tenho, mas que posso, por meu turno, ter a respeito dele. Este “acontecimento” nos mostra a nossa incompletude e constitui o Outro como o único lugar possível de uma completude sempre impossível (...).Geraldi (2010: 107) À maneira de Geraldi (2010), podemos transportar esse conceito para a área de PLE, precisamente, para o interior da sala de aula. Ao considerarmos os sujeitos professor e aluno como sujeitos inacabados, a visão do todo só pode ser apreendida na interação com o outro. Se não levarmos em consideração o sujeito-aluno, não produziremos nenhum excedente de visão dele em relação a nossa cultura e nós em relação a ele. Um ensino nesse viés, de não levar em consideração os sujeitos, não produzirá possibilidade de mudança sob perspectiva do professor (afetado) e do aluno (afetado), sem negociação/construção de significados. Desse modo, podemos considerar o estudo da interação em sala de aula de PLE, foco desta pesquisa, altamente relevante.

Nessa perspectiva de constituição dos sujeitos, Ponzio (2010:23) aponta que cada um é único, com certeza, mas não é único a nível ontológico: é único existindo em relação, na relação com o outro (...). Para esse autor, o deslocamento da centralização no ”eu” para a centralização no”outro” foi a revolução bakhtiniana (Ponzio, 2010:14).

Reconhecemos que diferentemente do sujeito cartesiano, centrado no “eu”, os estudos bakhtinianos trazem para reflexão/discussão o “outro”, instaurando a relação eu-outro.

Nesse processo de interação, a posição de escuta em relação à outra palavra é vital. Colocar-se em escuta significa (...) dar tempo ao outro, o outro de mim e o outro eu; dar tempo e dar-se tempo. (...) É o tempo disponível, disponível para a alteridade (...) (Ponzio, 2010:26). Não é apenas falar, é escutar e ser escutado também. Essa relação de alteridade e de escuta da palavra é permitida quando é possível estranhar a “própria” língua e a “própria” palavra, considerando-as em relação com uma outra língua, a palavra outra, a língua “estrangeira”, a palavra “estrangeira” (Ponzio, 2010:85). Para esse autor, é preciso que a relação com a língua estrangeira não seja de “controle”:

O conhecimento de uma língua ou de mais línguas não permite simplesmente superar barreiras de ordem comunicativa. Ele permite também ter com a língua e com a palavra uma relação verdadeira, uma relação efetiva de outro para outro (...); uma relação na qual não haja abuso, instrumentalização, submissão, nem seja uma relação de rotina, uma relação óbvia, previsível, mas seja, ao contrário, uma relação de qualidade, continuamente renovada, requalificada, na qual o diálogo não se esgote e o encontro seja sempre de novo procurado (Ponzio, 2010:26).

Reconhecemos que tais reflexões vão ao encontro dos pressupostos do ensino comunicativo de ensino-aprendizagem de línguas, pois como Moita Lopes (1994:361) afirma o significado é uma construção social. Ou seja, o significado não está no que se diz ou no que se escreve. O significado não está nas coisas ou nas pessoas, mas acontece na relação entre as pessoas. Nesse ensino, um dos focos é aprender em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno (Almeida Filho, 2005:36). Assim, podemos aproximar essa perspectiva do que Ponzio (2010) aponta como relação de qualidade, continuamente renovada, requalificada, ou seja, em que professor e aluno estabelecem uma relação não hierárquica, mas de ação conjunta, pois ambos são imprescindíveis para o aprendizado. Diferentemente do ensino estrutural, na relação professor-aluno, o professor é considerado o “dono” do saber e o aluno apenas uma “tabula rasa” que precisa ser preenchida, o que configura relação de assimetria.

Ao transpor a perspectiva dos estudos bakhtinianos para a área de ensino- aprendizagem de línguas e considerando língua e cultura14 como indissociáveis, (...) é apenas através do olhar de uma outra cultura que a cultura estrangeira se revela mais completa e profundamente (Bakhtin apud Dornbusch, 1998:15). Reconhecemos que o “outro” – aluno estrangeiro - no processo de interação em sala de aula é engrenagem propulsora de construção de (re)conhecimento de valores da língua-alvo e de sua própria língua.

Para dar continuidade à discussão sobre a relação eu-outro, passemos para a interação na sala de língua estrangeira.