• Nenhum resultado encontrado

Mudança: significados e implicações para o ensino-aprendizagem de línguas

1.3. Interação: conceitos e discussões

1.3.1. Mudança: significados e implicações para o ensino-aprendizagem de línguas

Segundo Paiva (2001), em todos os níveis das organizações, os indivíduos ou grupos de pessoas lidam diariamente com mudanças, e estas, por sua vez, impactam as decisões, comportamentos e resultados futuros destas mesmas pessoas (...). Como nos lembra esse autor, atualmente, essas mudanças estão/são rápidas, intensas e voláteis. Mudanças tecnológicas, que interferem em ações de pessoas no seu cotidiano e/ou em ambientes de trabalho, podem mudar até o conceito de ser humano. Retomando Santaella (2007), as tecnologias são prolongamentos do nosso corpo e da nossa mente, (...), a espécie humana está hoje, de fato, ganhando contornos imprevisíveis.

Podemos incluir na discussão o alcance da internet e o uso de computadores no ensino nas diversas modalidades: ensino de língua materna, de língua estrangeira, educação a distância e outras. No que se refere à Linguística Aplicada, o tema sobre tecnologia no ensino-aprendizagem de línguas (Silva, 2010; Gallardo, 2012) tornou-se foco de investigação, o que nos faz refletir que o próprio professor dessa área está ganhando “novos” contornos.

De acordo com Paiva (2001), é possível reconhecer três padrões básicos de mudança:

Mudança com resolução fechada: as conseqüências de alguns eventos e ações presentes são inteiramente previsíveis por um período curto no futuro próximo, porque estamos simplesmente repetindo, quase que exatamente, o que fizemos frequentemente no passado. Nós podemos saber o que está causando a mudança, o porquê disso e quais são suas conseqüências imediatas.

(...)

Mudança com Resolução Contida: as conseqüências de alguns eventos e ações presentes são previsíveis um pouco mais distante no futuro, com uma certa probabilidade, porque estamos repetindo o que fizemos no passado mas não de maneira exatamente igual. Nós podemos saber o que provavelmente está causando a mudança, o porquê provável e quais as prováveis conseqüências.

(...)

Mudança com Resolução Aberta: as consequências de alguns dos eventos e ações presentes são únicas. Além de elas nunca terem ocorrido da mesma forma antes, não necessariamente precisam ser ‘catastróficas’; elas podem ser pequenas e aparentemente insignificantes. Nós não sabemos o que está causando a mudança, o porquê e quais as conseqüências. Nas empresas isto significaria, por exemplo, um departamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) que tem a intenção de desenvolver uma ‘supercola’ cometer um erro e obter uma cola que tem um pequeno poder de aderência, para a qual

ninguém vê aplicação imediata, mas que acaba se tornando, no futuro, um altamente rentável post it (...). (Paiva, 2001)

No tocante à área de ensino e aprendizagem de línguas, compreendemos que essa delimitação de mudança, ou seja, previsão e medição, não se aplica de forma sistemática quando se trata de pessoas. No contexto de ensino de línguas, não é possível nos certificarmos exatamente quando a mudança se inicia e seu alcance, pois as variáveis são inúmeras (abordagem do professor; cultura de aprender do aluno; expectativas de ensinar e de aprender; interesses do aluno, do professor, da instituição de ensino; motivações e outras). No entanto, podemos nos basear nesses conceitos para (re)pensarmos sobre dois fatores apontados por Paiva (2001) nesses padrões de mudança: ações e consequências.

Reconhecemos que, na sala de aula, podemos relacionar as ações com a atitude do professor perante o ensino de língua estrangeira e o que sua decisão pode desencadear na aprendizagem do aluno, as consequências. Por exemplo, as ações do professor, cuja abordagem seja estrutural, desencadearão ensino voltado à estrutura da língua, com atividades baseadas no “certo e errado”. Essas atividades não oferecem oportunidades para discussão e reflexão de temas relevantes, não “abre” espaço para que aluno e professor se posicionem, deem suas opiniões, expressem/demonstrem seus valores culturais. Nesse contexto de ensino, o caminho trilhado pelo professor e aluno é quase previsível, pois as interações são controladas (perguntas e respostas). Essa atitude do professor afeta o aluno em nível de conhecimento estrutural da língua-alvo. Propomos o quadro a seguir em que o movimento hierárquico parte do professor para o aluno e desencadeia possibilidade de mudança em perspectiva do aluno, ou seja, só esse é afetado:

Fig. 8. Possibilidade de mudança em perspectiva do aluno

Professor

Aluno (afetado)

Se as ações do professor são orientadas pelo ensino comunicativo cujos pressupostos convergem para temas de relevância para o aluno, possibilitando discussão e reflexão significativas para o uso da língua em práticas sociais, podemos inferir que tanto o professor quanto o aluno são afetados nessa interação. O movimento não é hierárquico:

Fig. 9. Possibilidade de mudança em perspectiva do professor e do aluno

Essa possibilidade de mudança que o ensino comunicativo pode oferecer se refere ao fato de um “olhar” o outro de modo complementar, não apenas como professor e aluno, mas do ponto de vista de um sujeito que reflete sobre sua própria cultura a partir da cultura do outro. Essa discussão será aprofundada mais adiante.

Nessa perspectiva, reconhecemos que essas conceituações utilizadas por Paiva (2001) podem favorecer nossa compreensão no que tange à mudança que estamos discutindo em torno do processo de interação. Para que haja interação é preciso que haja possibilidade de mudança em ambos os lados, professor e aluno. Parafraseando o que Kramsch (2009) discorre sobre cultura e social como dois lados de uma mesma moeda, inferimos que professor e aluno também compõem os lados de uma mesma moeda. Para que isso ocorra, tomamos por base os pressupostos do ensino comunicativo, já explicitados, e as orientações dos estudos bakhtinianos acerca da constituição dos sujeitos na interação, foco de nossa próxima discussão.

1.3.2. A importância da interação na constituição dos sujeitos: perspectiva