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Impossibilidade de controle e indefinição do momento de deflagração

2. Poderes oficiosos do julgador penal em matéria de prova

2.6. Aproximação do problema da atuação probatória ex officio do juiz: insuficiência

2.6.1. Impossibilidade de controle e indefinição do momento de deflagração

Consoante descrito no item deste trabalho, há a posição conciliatória que permite a atividade instrutória do tribunal desde que se faça em caráter complementar às partes ditas principais e, esteja submetida ao crivo do contraditório. Não obstante ser sedutora referida posição, a mesma traz uma problemática de difícil solução.

Em verdade, trata-se do controle do exercício destes poderes complementares diante de possíveis desvirtuamentos. Considerando o reconhecimento de que a atividade probatória do tribunal não é ilimitada, devendo ser exercida consoante os parâmetros da subsidiariedade e observância ao contraditório, surge a relevância de verificar a se deflagração da atividade instrutória foi devidamente exercida consoante parâmetros.

Neste aspecto, a indevida utilização dos poderes probatórios pelo juiz surge como ponto importante, tanto na hipótese de um comportamento ativo de excesso de investigação, como também diante da inércia ou omissão do julgador em buscar elementos probantes.

A questão da postura ativa exorbitante dos poderes instrutórios pelo juiz não oferece tantos problemas quanto ao aspecto de possibilidade de controle. A assunção de um comportamento protagonista pelo julgador na instrução processual, muito embora possa ocasionar sérios problemas no tocante à afetação da imparcialidade judicial e à quebra do sistema acusatório, mediante mescla ou indefinição das funções processuais, tal conduta não traz dificuldades de possibilidade de controle, porquanto a diligência probatória ex officio, quando posta em prática, é sempre explícita e detectável nos autos, sendo sempre impugnável mediante os recursos processuais previstos na legislação e sujeitas, tanto quanto possível, ao duplo grau de jurisdição.

Mais complexa é a questão do não uso, ou omissão do julgador em por em prática o dever de instruir adequadamente a causa, até porque a inércia não se encontra na maioria das vezes contida em uma decisão explícita. O julgador, nestes

casos, simplesmente silencia, e não exerce sua atividade subsidiária de solucionar os pontos duvidosos e obscuros do processo, necessários à justa solução do caso.

De fato, o controle de um poder-dever instrutório do juiz, por uma ostentação de uma situação passiva injustificada, omitindo-se em adotar a diligência essencial ao apuramento da verdade dos fatos, revela-se extremamente indefinida e improvável.

Partindo da consideração da concepção conciliatória acima referida, que ação probatória oficiosa do juiz é possível desde que em caráter complementar, temos que admitir que as partes têm o ônus de protagonista na temática probatória, e que devem, por força desta condição processual, a assumir a dianteira quanto à produção de provas. Assim, a deflagração dos poderes instrutórios pelo juiz somente se justificaria se houver uma ação inicial com suficiente intensidade das partes e que, não obstante, deixe pontos descobertos, que justifiquem a postura subsidiária do julgador neste sentido. A postura complementar do juiz não se justificaria, e não poderia ser implementada, se houver inação ou desdém das partes no ônus principal de demonstrar os fatos que dão suporte a seus interesses. Do contrário, a atuação judicial não estaria em consonância com os temperamentos acima delineados e revestir-se-ia de caráter principal, onde o juiz é que assumiria a condição de protagonista na produção de provas, o que parece serem todos contrários.

Nesta linha, na situação em que se admita a postura supletiva do juiz, pressupondo sempre uma conduta inicial produção de prova pelas partes, tem-se a seguinte colocação: qual standard suficiente para considerar que as partes exerceram adequadamente seu papel de protagonista na produção de provas, e partir do qual o juiz estaria autorizado a deflagrar sua atividade complementar na instrução? Se o juiz não exercer seu papel subsidiário na instrução processual, como afirmar que a sua omissão foi indevida e que o julgador não atendeu a obrigatoriedade de esclarecer suficientemente?

Qualquer das partes intervenientes no processo penal que alegar a omissão do julgador em adotar uma postura supletiva, e em desrespeito ao princípio da investigação, terá, primeira e necessariamente que comprovar que agiu desempenhando seu encargo probatório em caráter principal. Do contrário, estará exigindo a figura de um juiz protagonista, o que na linha do que se expôs, seria vetado.

Assim, em via recursal, sede do controle de atos judiciais, a parte teria necessariamente que desafiar a decisão, demonstrando sua atuação inicial com certa carga de intensidade que, não obstante, foi insuficiente para cobrir todo o leque de elementos fáticos, o que justificaria a atividade indagatória oficiosa que, em nome da verdade real, atuaria especificamente sobre os pontos a descoberto.

De toda a forma, surgirá sempre o questionamento de saber o porque da parte não ter ela mesma produzido ou requerido a produção de provas de seu interesse. O eventual reconhecimento, em grau de recurso, da omissão do juiz em investigar culminará no reconhecimento de uma omissão da própria parte em requerer ou produzir a prova.

Com efeito, uma solução a este dilema poderia partir para um reenquadramento dos poderes instrutórios do julgador para uma mera faculdade processual, e não mais como um poder-dever de instruir o caso penal. Contudo, a transformação dos poderes investigatórios em uma discricionariedade conspira diretamente contra os alegados fundamentos da existência do próprio instituto, embasada sempre no caráter indisponível do processo penal e a busca da verdade. Se o juiz pode utilizar ou não, conforme sua discricionariedade, seus poderes instrutórios, além de minar a base teórica do instituto, tornaria ainda a possibilidade de controle ainda mais tormentosa.