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3.1 DA GUERRA ÀS LUZES NO ESPAÇO AÉREO DA CORÉIA

3.2.2 A Imprensa de O Cruzeiro

Assim como o cinema, a imprensa auxiliou à crença aos discos voadores. Desde os relatos de Kenneth Arnold, Roswell, o caso Mantell, enfim, aquele veículo de comunicação vinha dedicando seus artigos, crônicas e reportagens às Luzes no Céu. No Brasil, em 1947, as redações dos periódicos manifestavam-se timidamente, sem maiores detalhes, acerca dos acontecimentos em Roswell. Como por exemplo, no incidente do Clube Niterói (ver citação nº 32), como também nos avistamentos reportados pelo Jornal Correio do Povo (ver pág. 72). Contudo, nenhum periódico divulgou mais o fenômeno quanto a revista O Cruzeiro, principalmente no ano de 1952.

Basicamente, quase todas as edições daquele ano, lançados pela O Cruzeiro, continham, no mínimo, um artigo sobre os discos voadores. Quanto mais notícias chegavam através do semanário, mais vendas o mesmo fazia. Aliás, nenhuma imprensa consegue sobreviver sem o seu leitor. Talvez fosse por isso que O Cruzeiro corroborava ao crescente apelo do imaginário social pelo fenômeno.

Conforme o diretor editorial de O Cruzeiro, Accioly Netto, a revista atingiu o seu maior sucesso no início dos anos 1950; sendo líder absoluta na venda de tiragens naquele momento. Com “cerca de 850 mil exemplares circulando” pelo Brasil, “imaginando que cada exemplar seria lido por cinco pessoas (...)”, o periódico “passaria pelas mãos de nada menos que quatro milhões de leitores a cada semana”. Sem dúvida nenhuma, num país com 50 milhões de habitantes, cuja maioria mal sabia ler ou escrever, o periódico vivia um “milagre editorial” (Netto, 1998: 123).

Pertencente a Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados, a revista era conhecida por incentivar a liberdade criativa de seus repórteres. A mesma abordava seus assuntos de forma, quase sempre, mais visual que textual e o fotógrafo tinha função de destaque na condução da narrativa (Munteal, Grandi, 2005: 53).

Aquilo tudo deveu-se à iniciativa de profissionais competentes como Accioly Netto, o próprio Chateaubriand e Jean Manzon. Manzon, que já havia pertencido ao

Departamento de Imprensa e Propaganda, valorizava muito as funções do redator e do fotógrafo, glamurando-os como os aventureiros das notícias. Conforme a professora Maria Beatriz Coelho, aquele reconhecimento – o respeito à autonomia dos jornalistas – era uma estratégia à popularização do periódico, para que o mesmo atingisse os mais altos índices de venda. E os mesmos se sentiam a vontade para trabalhar no sucesso do semanário e por que não de suas próprias carreiras: “participavam ativamente das reuniões de pauta. Tinham todas as condições de trabalho disponíveis na época, podendo fretar aviões e viajar quando achassem necessário” (Coelho, 2006: 85).

O Cruzeiro, além de incentivar a participação de seu leitor, para o qual tinha uma seção especialmente destinada às suas cartas52, também renovou o hábito de

trabalhar. Com a dupla de jornalistas – um para redigir, outro para fotografar – procurava noticiar temas que despertassem “grandes polêmicas, apostando naqueles que mobilizavam a opinião pública (...)” (Munteal, Grandi: 94). Por exemplo, a notícia sobre o disco voador da Barra da Tijuca: redigida por João Martins, cuja habilidade narrativa era inquestionável e fotografada por Edward Keffel e sua inseparável Rolleiflex.

Às 16h30 de 07 de maio de 1952, a dupla de jornalistas, Martins e Keffel, a serviço de O Cruzeiro, preparavam uma reportagem sobre os casais de apaixonados, numa das ilhotas da Barra da Tijuca – Ilha dos Amores – Rio de Janeiro. Segundo eles, no momento em que desenvolviam a matéria, olharam para o mar e notaram um objeto iluminado movendo-se em sua direção, como “um avião”, voando em alta velocidade. Captados pela cena, naquele dia claro, azul e sem nuvens pesadas, a reportagem sobre os amantes foi logo esquecida53.

Conforme Martins e Keffel, o objeto de coloração cinza aproximou-se da linha do horizonte e encurvou-se. Martins, então, gritou para o seu companheiro e fotógrafo, Ed Keffel: “Fotografia. Aparelho. Aquilo só pode ser um disco voador (...) não é avião”. Keffel agarrou a sua Rolleiflex – uma potente máquina fotográfica da

52 O nome da sessão chamava-se Escreve o Leitor, a qual será analisada no final deste capítulo. 53 Há uma outra versão de o porquê os jornalistas estarem na Barra da Tijuca naquele momento, em

que o suposto disco voador apareceu a eles: João Martins suspeitava de que um andarilho que costumava caminhar por aquela praia fosse Adolph Hitler (Netto: 94).

época54 - e no tempo em que o objeto balançou-se no espaço como uma folha que cai de uma árvore, o fotografava em cinco poses. Depois do disco voador disparar “como uma bala (...) na direção do oceano”, os jornalistas recolheram todo o material e de posse do “maior furo fotográfico do século”, rumaram à Rádio Tupi para comunicar a experiência ao país (Diário de Notícias, 10/05/1952).

Pouco antes do Diário da Noite – assim como a Rádio Tupi, também propriedade de Chateaubriand – noticiarem o “furo” de João Martins e Ed Keffel, uma dona de casa dizia que através da janela de seu apartamento apareceu “um disco vermelho, com uma auréola maior, mais clara, que se deslocava (...) horizontalmente numa velocidade (...) igual a de um avião”. Também do Rio de Janeiro, Copacabana, às 19h15, quinze minutos após o relato de dona Maria, um oficial barbeiro, ao sair de seu salão para jantar, observou acima da cidade “uma luz cinza-azulada e um pequeno rastro vermelho (...) voando em linha reta” no céu. E de Botafogo, praticamente às 19h00, dona Julieta Passos, ao levar a sua bisneta à varanda do apartamento para olhar “a lua que estava linda”, chocou-se, depois de ver no céu um “cilindro(...) azul fluorescente e uma espécie de bola vermelha ‘na frente’” (Martins, Keffel, 24/05/1952: 20).

De acordo com a monografia de conclusão do curso de História deste mestrando (defendida em julho de 2001) “é curioso observar todas estas declarações”, pois à “primeira vista, falam do mesmo fenômeno noticiado por Martins e Keffel”. E longe de “colocá-las em dúvida” – afinal, o imaginário é o marco teórico desta dissertação – “por que elas são narradas após a irradiação pela Tupi? É óbvio que há o interesse da imprensa em vender o seu produto. Porém, uma certeza é mais do que significativa. Logo após o Diário da Noite chegar nas bancas” esgotaram-se os exemplares, “o que prova o interesse das pessoas pelo fenômeno” (Giaconetti, 2001:40). A imagem do disco voador já há muito estava construída na sociedade brasileira, mas naquele momento ela se solidificava, passando pela memória, transformando-se num fato real para o imaginário da época.

A narrativa e as fotografias produzidas por Martins e Keffel ganharam o mundo, sendo publicadas por diversos periódicos internacionais: o Wiener

54 A Rolleiflex era potente mas de certa forma limitada: as fotografias, para terem uma boa qualidade, exigiam do fotógrafo algum tempo de trabalho, pois seus controles deveriam ser constantemente regulados (Coelho: 85).

Wochenausgbe de Viena; o Zafer de Ankara, Turquia; o Sunday Dispath, de Londres; a Oggi de Milão; a Der Stern de hamburgo; a Radar e a Paris-Match, de Paris. Enfim, todos registraram em suas páginas de rosto ou seções as chapas de Keffel e Martins (Martins, 2/08/1952: 28). A imprensa corroborou definitivamente ao apelo popular pelos discos voadores, tornando-os um fato e alimentando o imaginário acerca das Luzes no Céu. Mesmo sendo aquele, o caso do disco voador da Barra da Tijuca, declarado por jornalistas e inclusive por aqueles que o estudam, os ufólogos, como “uma grande farsa armada” (Munteal, Grandi: 100).

Em relação à pergunta acima, produzida pela redação da revista, o presente estudo questiona-se, fazendo as seguintes reflexões: através de uma imagem, O Cruzeiro traduzia literalmente uma das, senão a maior preocupação popular daquele momento. Mas por que a imprensa agia assim? Seria somente para atingir mais índices de vendas, o que também parece evidente, ou teria uma outra razão? Se a

Figura 6 - Arma secreta ou aeronave interplanetária?

imprensa auxilia na formação de opiniões, o que estaria por detrás dela ou de tudo aquilo? Não resta mais dúvidas que o imaginário sobre as Luzes no Céu atraía não só a atenção, mas o tempo daqueles que se preocupavam com o fenômeno. Com as atenções voltadas para os discos voadores, não seria mais simples para os governos esconderem os seus reais problemas? Essa última questão pode parecer, de acordo com a óptica atual, bastante óbvia, no entanto, se se refletir um pouco sobre aquele momento, ver-se-á que o período era politicamente bastante delicado.

A Europa, apesar de ter recebido o apoio financeiro do Plano Marshall, reconstruía-se enquanto mandava contingentes à Coréia; um paradoxo já que ela desviava parte de seu capital à Guerra. Os Estados Unidos e o governo Truman pareciam bastante exaustos de tudo, e não era para menos: desde a Primeira Guerra, ao mesmo tempo em que vinham lucrando, institucionalmente, com os conflitos internacionais, as Forças Armadas do país estavam enfraquecidas. A questão coreana era urgente para o mundo capitalista, e com os exércitos das Nações Unidas, necessitando de reposições, o Brasil seria uma saída para o problema. A questão era que o governo de Getúlio Vargas já tinha os seus próprios problemas internos, e o presidente parecia intuir que estruturalmente o país não suportaria mais uma guerra.

Foi diante de tudo aquilo que os meios de comunicação, como o cinema e a imprensa, inspirados pela crença acentuada nos discos voadores, resolveram atuar, e que de certa forma tiveram o apoio dos governos, porque tanto filmes quanto reportagens pró-soviéticas ou comunistas eram terminantemente proibidos no momento. Contudo, a atitude dos governos capitalistas de permanecerem nos bastidores do imaginário sobre os discos voadores mudou, em 1952.

O governo dos EUA havia criado o Project Blue Book para averiguar, talvez alimentar o imaginário e os boatos sobre os fenômenos luminosos. As fotografias de Keffel, vistas no Velho Mundo, provavelmente já faziam parte do novo programa norte-americano de investigação de OVNI’s. Dos EUA, Jack W. Hughes, adido militar daquele país, rumou para o Rio de Janeiro, em direção aos escritórios da revista O Cruzeiro, na Rua do Livramento. De posse dos negativos da Rolleiflex, Hughes, segurando os clichês fotografados por Keffel, declarou: “Agora, graças a nitidez conseguida pelos repórteres de ‘O Cruzeiro’, será possível uma investigação

mais precisa”. No mesmo dia, sexta-feira, o presidente da Panair, Paulo Sampaio, ao lado do adido estadunidense, não economizou palavras, depois de ver aqueles negativos: “Nunca vi fotografias iguais. Sou um homem muito crédulo (...) admito todas as hipóteses aventadas”. Perguntado pelos jornalistas – dos Diários Associados obviamente, pois o restante da imprensa passou a zombar do disco voador da Barra da Tijuca – sobre o que seriam os clichês, respondeu: “Admito que se trate de uma arma de potência mundial, que tanto poderia ser da Rússia (...) como dos Estados Unidos (...). Também admito, por incrível que possa ser aos espíritos retrógrados que se trate de algo enviado pelo planeta Marte” (Diário de Notícias, 10/05/1952: 12).

Sampaio admitia de tudo um pouco. Até mesmo uma conspiração do governo dos EUA em estar por detrás dos controles do suposto disco de Keffel e Martins. E talvez ele estivesse certo, pois sobravam razões políticas para aquilo. O governo Truman e os demais governos capitalistas, como o de Vargas, obrigatoriamente para garantirem o sucesso daquilo que chamavam de capitalismo ou Mundo Livre, provavelmente esconderam-se por detrás dos boatos sobre os objetos voadores não identificados, incentivando e alimentando o imaginário acerca dos mesmos. Por que não agir daquela forma já que tinham a imprensa ao seu controle? Por que não ajudar a construir um mito e com o mesmo desviar as atenções ao que realmente interessava para o futuro de um país, pois naquele momento, havia o perigo de uma recessão econômica?55 Por que não enganar e encobrir as verdades já que a democracia lhes dava saídas para aquilo? Aliás, não seria aquele ou este um papel das eleições: anistiar ações maniqueístas produzidas por políticos corruptos?