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Em 12 de fevereiro de 1949, alguém na cidade de Quito resolveu repetir a mesma proeza de Orson Welles que, em 1938, deixou em pânico a cidade de Nova Jersey (ver págs: 51-52). Detalhe: sem a mesma sorte. Diferentemente do contexto sócio-político e cultural do prelúdio da Segunda Guerra vivido por Welles, em 1949, o Ocidente estava mergulhado no imaginário político da Guerra Fria, que culturalmente já havia absorvido os boatos e o imaginário acerca das Luzes dos discos voadores. Naquele dia, a Rádio de Quito não estava preparada para o que iria acontecer, ao transmitir a obra de H.G Wells, A Guerra dos Mundos. Aquela transmissão, com o apoio de atores – assim como fez Orson Welles e o teatro Mercury –, “interpretando políticos locais, jornalistas e testemunhas” (Fortunato, 2003: 1), enquanto relatavam que a cidade de Quito sofria o ataque de naves marcianas, levou a população ao desespero. Os moradores acreditaram que aquilo realmente acontecia: fugiram “para as ruas e centenas de pessoas tentaram (...) escapar para o interior do país” (Diário de Notícias, 15/02/1949), em busca de um abrigo que os protegesse dos invasores marcianos. Contudo, depois de restabelecida a ordem, a sociedade viu-se profundamente enganada com a radionovela, invadindo o edifício onde funcionava a Rádio. Segundo o historiador Alexandre Valim, a “violência dos protestos contra a transmissão mobilizou as Forças Armadas que diante do tumulto, utilizaram gás lacrimogênio e (...) tanques blindados”. Os confrontos com a polícia e o incêndio do edifício onde estava instalada a estação (...) resultaram em dezenas de feridos, na prisão de 18 suspeitos e na morte de 20 pessoas” (Manas in Valim, 2005: 190)44.

44 O Brasil também teve as suas invasões de Marte, cujas adaptações de A Guerra dos Mundos causaram grande confusão nacional. Em 22 de novembro de 1954, Caratinga, Minas Gerais, notícias veiculadas por uma emissora local afirmaram que um disco voador havia aterrissado na cidade, com marcianos armados e sedentos por destruição; e também 17 anos depois, em 30 de outubro de 1971, cujos diretores de uma rádio local planejaram os ataques marcianos em dois municípios brasileiros, Cururupa (Maranhão) e Botafogo (Rio de Janeiro). Nos dois casos até mesmo caças da Força Aérea Brasileira (FAB) foram acionados para averiguar os supostos ataques de Marte. No entanto, assim como ocorreu em Nova Jersey e Quito, o imaginário social daquelas cidades voltou a sua rotina normal, assim que os boatos foram desmentidos (Valim: 199- 201).

Seria como o professor Moacyr Flores certa vez disse: “As pessoas costumam olhar para aquilo que estão procurando enxergar”. O impacto social relativo às últimas ações de Quito, do Campo Godman, de Roswell, enfim, foi uma prova do poder daquilo que aquelas sociedades buscaram enxergar. O fenômeno das Luzes no Céu produziu imagens, que cada ser humano individual ou coletivamente, a partir de valores culturalmente construídos, acabou transformando em realidade e conseqüentemente em mito. E é por isso que o “mito não é uma mentira, nem uma falsidade, é a interpretação de uma realidade” (Flores, 2007: 7).

À medida que as documentações analisadas por este mestrando passaram a convidá-lo a sair da Praia do Rosa, de Garopaba, das Américas, notícias sobre a construção da Guerra Fria na Coréia, fizeram-se mais presentes, por hora, que os boatos e o imaginário sobre os discos voadores. A Guerra da Coréia, um dos principais produtos da Segunda Guerra, teve bastante espaço no imaginário sócio- político do Ocidente, como um todo, no início dos anos 1950. Contudo ninguém mais esperava que o fenômeno das Luzes no Céu repercutisse tanto entre o imaginário social, como aconteceu em 1952, tornando-se um dos assuntos mais discutidos naquele ano. E em relação a isso, essa dissertação pergunta-se: por que 1952? O que estaria acontecendo politicamente no mundo naquele momento para que os boatos e o imaginário sobre o fenômeno repercutissem a ponto dos governos ocidentais, como o dos EUA e do Brasil, resolvessem intervir em suas rotinas? Mas se os governos o fizeram, de que maneira agiram? De qualquer forma, as notícias referentes ao Paralelo 38 passaram para um segundo plano. Mas até que isso ocorresse, uma pausa se fez sobre o fenômeno, cujos novos rumores de objetos luminosos voadores, sobre a geografia de uma Coréia incendiada e mergulhada no caos, tornavam-se focos de profundas preocupações e expectativas entre os anos de 1952 e 1953; anos em que respectivamente Truman deixava o governo e Stalin, o mundo.

3 1952, O ANO DOS DISCOS VOADORES

No início de 1949, Harry Truman era reeleito, o Plano Marshall se encaminhava para o terceiro ano de sucesso e era finalmente assinado um acordo entre os Estados Unidos e mais onze potências capitalistas, criando-se então a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN): segundo o presidente estadunidense era mais um meio para assegurar a sobrevivência e a liberdade dos países livres. Mas naquele momento, em que o Ocidente parecia seguir em segurança e unido – o Brasil era um exemplo, pois desde Quitandinha, em 1947, que os comunistas não tiveram mais um minuto sequer de paz no país – a União Soviética mudava o rumo da situação: em 23 de setembro, os periódicos do Ocidente divulgavam que os soviéticos explodiram a sua primeira bomba atômica (ver pág. 46).

De acordo com os periódicos, a notícia, de autoria do major Jesse Marcel, assustou enormemente o imaginário social do Ocidente e principalmente dos EUA que até então, confiantes quanto a sua hegemonia e controle do mundo pelo capitalismo, descobriram que não eram assim tão poderosos. O dólar começou a despencar, desencadiou-se uma greve geral americana, e quem ainda se lembrava de Truman discursando ao Congresso em 7 de abril, ao se referir ao emprego da bomba atômica, de que “não vacilarei em tomar essa decisão novamente”, colocava a mão no rosto e refletia. A opinião de uma recepcionista sintetizava o pensamento do momento: “Devemos receber a notícia com calma, porque do contrário os russos acreditarão que temos medo” (Diário de Notícias, 24/09/1949: 1). Os últimos dias de 1949 ficaram tão tensos que nem as notícias veiculadas pela revista True identificando as Luzes no Céu como naves interplanetárias, tampouco reportagens sobre observações de discos voadores em cidades como Santiago, Manaus, Cidade do México, impediram que a atenção das pessoas se voltasse para a distante Coréia.