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4 UM NOVO OLHAR SOBRE A GREVE GERAL DE

4.2 A IMPRENSA TRADICIONAL E A VOZ OPERÁRIA

No ápice da crise política e social, os meios de comunicação (periódicos) se constituíram em legítimos instrumentos para travar essa disputa, numa tentativa de definir os rumos políticos do Estado, consolidando uma hegemonia. Se, por um lado, os setores da elite dirigente tentaram se apropriar do movimento, utilizando os meios de comunicação, não há como negar que, por outro, as categorias envolvidas no processo de greve, por intermédio da sua direção, tiveram uma percepção do cenário colocado, apropriando-se das condições criadas pela conjuntura para conseguir o “apoio” dos órgãos de imprensa. O jornalismo, como veículo de comunicação, foi um instrumento valioso de orientação coletiva, um organizador social; nessa perspectiva: “uma das principais resoluções das ‘classes laboriosas’ foi pedir, na defesa de seus direitos, o apoio da imprensa”, diz o Diário da Bahia, de 5 de junho de 1919.

Assim, os órgãos de imprensa resolveram se posicionar frente aos acontecimentos, colocando-se, por vezes, como “interlocutores” da causa operária e na ofensiva ao governo, responsabilizando-o por omissão, ao negligenciar os direitos da classe trabalhadora, assumindo uma postura conciliadora entre os interesses capitalistas e as reivindicações operárias e, assim, conclamando a atenção à “pseudo” proteção apregoada por alguns órgãos de imprensa, como o

Diário da Bahia que, em 5 de junho de 1919, declarava:

O governo nada tem feito, até agora em proveito do operário [...]. Ainda não se levantou a sério por parte dos poderes públicos, que se constituem, em geral, em exploradores do povo e lhes estorvam as reivindicações mesmo quando fingem defendê-las; ainda não se levou a sério a regulamentação do trabalho, evitando que crianças dêem mais do que podem, proibindo a promiscuidade fatal, sob todos os aspectos, como elemento delitivo no que diz respeito à integridade física e moral. Calam os governos, emudecem e depois exploram, a bem de seus interesses, os sofrimentos do operariado.

A experiência dos trabalhadores na greve e a imprensa tradicional fomentaram as bases para o surgimento da imprensa operária na Bahia, ferramenta de diálogo, denúncias e formação política dos trabalhadores. Como os próprios jornais afirmavam, eles deveriam ser o baluarte de defesa da causa e de combate à imprensa burguesa, formadores de opinião, buscando forjar uma consciência

coletiva acerca da necessidade de criação de um canal (meio de comunicação) que servisse aos interesses dos(as) trabalhadores(as), fazendo frente às constantes e ameaçadoras investidas dos capitalistas. Assim, a imprensa operária constitui uma fonte privilegiada e indispensável de informações sobre a sociedade da época, sobre as condições de vida da classe subalterna, de denúncia à “opressiva e ultrajante” situação das operárias e suas manifestações, possibilitando reconstruir a dimensão política da história social da classe trabalhadora (FERREIRA, 1978).

Para ilustrar o trabalho de disseminação da imprensa operária no Brasil, no sentido de politizar e informar, mas, também, de organizar os trabalhadores brasileiros, Maria Nazareth Ferreira fez um levantamento cujo resultado demonstrou que, do último quartel do Século XIX até as duas primeiras décadas do século XX, dos 343 títulos encontrados no período, 149 estavam em São Paulo, 100, no Rio de Janeiro, e os demais, no Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas e Bahia. Desses, 60 foram editados em idioma estrangeiro − italiano (principalmente), espanhol e alemão − estando, em sua maior parte, circunscritos aos estados de São Paulo (53) e Rio de Janeiro (4) e os outros nos demais estados. Na Bahia, todos os jornais em circulação eram editados em língua portuguesa.

Em 1906, quando da criação da Confederação Operária Brasileira, ampliou-se a organização dos trabalhadores com a fundação das federações estaduais e regionais, efetivando-se o sistema de comunicação operária, com o lançamento, em 1908, do jornal A Voz do Trabalhador, editado pelo Sindicato dos Pedreiros e Carpinteiros e Demais Classes, órgão oficial da Confederação e dos trabalhadores em geral, que se autodenominava “Semanário de propaganda socialista e defesa do proletariado”.

Esse jornal desenvolveu intensa luta ideológica contra a “desorganização” e inoperância da Federação dos Trabalhadores Baianos (FTB), pelo seu “socialismo parlamentar”, buscando aproximar-se das entidades e categorias operárias e construir uma nova hegemonia, no movimento dos trabalhadores baianos, criando outra federação ou mesmo reestruturando a já existente sob novas bases. Os conteúdos temáticos das matérias desses periódicos, que constituíam um instrumento de disputa do movimento operário, variavam, entre a crítica ao Estado, a política, a questão ideológica, os sindicatos e a internacionalização da luta de classes. (RUBIM; RUBIM, 1982).

O Germinal, outro periódico operário, dirigido por Agripino Nazareth

(advogado da causa operária), que se autointitulava “órgão da imprensa socialista na Bahia, com orientação ideológica marxista”, com sede na FTB e no Sindicato dos Pedreiros e Carpinteiros e Demais Classes, de tendência “socialista”, em 1 de maio de 1919, defendia que a conquista da emancipação política e socioeconômica dos(as) trabalhadores(as), só seria possível através da luta.

Os trabalhadores baianos nada mais devem esperar dessa imprensa de aluguel a tanto por linha; ela nos dá uma pálida amostra de quanto se acha vazia de um ideal de justiça, de um ideal puramente humano, como os que acalentam em nós, os desesperados da terra.

Muitas foram as dificuldades desses jornais operários, no período, para manter uma regularidade na circulação, a começar pelas questões financeiras, devido à ausência de anunciantes, ao restrito público leitor, em sua maioria, de baixo poder aquisitivo, culminando com a repressão sofrida por parte da ordem estabelecida. Os jornais eram confiscados, os redatores ameaçados, os comícios proibidos ou, quando consentidos, sofriam dura coerção; daí a ausência de uma circulação sistemática desses meios de comunicação operária.

Em Salvador, o primeiro registro encontrado de um jornal operário, a

Tribuna Operária, data do ano de 1891. Tempos depois, em 1903, temos notícias de Imprensa Imparcial; em 1908, A Voz do Trabalhador; em 1920, O Germinal; e, ainda,

de 1920 a 1922, A Voz do Trabalhador (FERREIRA, 1978), reflexo das movimentações operárias do ano anterior. No ano de 1919, ápice das greves operárias, não encontramos registros de circulação de jornais operários.

Nesse cenário de instabilidade política, a imprensa representou uma poderosa arma, como meio de “validação” ou “reprovação” da administração pública. A classe operária, por sua vez, soube se apropriar da conjuntura de fragilidade, já denunciada pelas disputas e rachas das elites, acumulando forças para enfrentar o autoritarismo patronal, sem deixar de identificar a imprensa baiana como porta-voz dos setores dominantes. Com a intensidade dos acontecimentos, as categorias em greve, potencializaram a sua capacidade de intervenção, na defesa dos direitos trabalhistas.

A atitude manifestada em greve nas ruas e a percepção do papel da imprensa, naquela conjuntura de crise política, aliadas à habilidade de ação da

classe trabalhadora, instrumentalizaram a mobilização das categorias, agora vinculada a uma organização sindical, com uma pauta de reivindicações claramente definida e articulada às ações de mulheres e homens, ao longo das movimentações, reacendendo, dia a dia, o sentimento de luta. Posteriormente, como resultado de sua organização, ressurgiu como veículo de comunicação e expressão dos anseios e lutas, a imprensa operária, que teve breve duração, face às dificuldades enfrentadas.

Como já anteriormente mencionado, a imigração, no Estado da Bahia, foi inexpressiva, diferente do ocorrido no Sudeste do Brasil, que teve uma grande população imigrante que, de seus países, traziam novas visões e possibilidades de transformação da realidade, absorvidas pelo imaginário coletivo, inspirando as lutas em São Paulo e Rio de Janeiro, dentre outros estados.

Na Bahia, a disseminação dessas concepções ideológicas, principalmente do socialismo, foi impulsionada pelos(as) militantes e lideranças brasileiras, como Astrogildo Pereira e Agripino Nazareth26, propagando-se nos centros operários. No início de 1919, segundo o Jornal de Notícias, de janeiro de 1919, era uma preocupação da Secretaria de Segurança Pública do Estado a possibilidade de desembarque de “elementos indesejáveis e perniciosos”, tanto que essa intensificou a fiscalização sobre todos aquele(as) enquadrados(as) como desqualificados(as): mutilados(as), mendigos, anarquistas, ladrões, etc.

A princípio, a maior parte das movimentações operárias foi marcada pelo espontaneísmo das ações, pela brevidade das paralisações e, principalmente, pela ausência de instrumentos organizativos (sindicatos). A maioria das greves até então ocorridas tinha origem isolada em uma fábrica ou oficina específica e estava centrada em reivindicações pontuais, por salários atrasados, pela reincorporação de trabalhadores demitidos ou por aumento de salários. Ainda não acontecera um movimento grevista que articulasse um conjunto de categorias abarcando uma agenda de lutas com pauta de reivindicação geral e específica.

Dessa forma, a greve geral de 1919 foi fruto de um fenômeno que só veio a ocorrer com o crescimento da população operária e a institucionalização do trabalho assalariado trazendo consigo a emergência dos conflitos inerentes à relação capital-trabalho. Nesse cenário, a classe trabalhadora foi ocupando o seu

26 Chegado, clandestinamente, à Bahia, oriundo do Rio de Janeiro, depois de fracassada a

lugar, tomando consciência de seu papel de sujeito, forjando os seus instrumentos de luta através dos movimentos de greve que irromperam pelo mundo, no Brasil e em Salvador-BA.

4.3 REFLEXOS DAS FLUTUAÇÕES ECONÔMICAS NA VIDA DA CLASSE