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3 CAMINHOS E DESCAMINHOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO

3.1 MODELOS: AGRÁRIO-EXPORTADOR/URBANO-INDUSTRIAL

Analisar a realidade política e socioeconômica do Brasil, na última década do século XIX, a partir do estabelecimento de um novo regime − a república oligárquica das alianças e tensões no seio das elites, da dinâmica da produção industrial mesclada ao modelo da economia agroexportadora, das crises econômica e social −, é a base para se refletir e entender a efervescente conjuntura de lutas sociais no Brasil, sobretudo na cidade de Salvador, Bahia.

Na virada do século XIX para o XX, as lutas da classe trabalhadora já haviam ganhado o mundo, com ritmo e alcance distintos determinados pelas condições políticas, socioeconômicas e culturais que, por sua vez, orientaram o grau de consciência de mulheres e homens. Fazemos, de antemão, essa ressalva visando uma compreensão dos caminhos e limites enfrentados pelas(os) operárias(os) nas jornadas de junho e setembro de 1919.

Nesse período, no Brasil, já se faziam presentes as movimentações das feministas sufragistas, tendo Nísia Floresta Brasileira Augusta13 como marco do despertar de uma consciência feminina, em nosso país. Ainda que não se tenha registro, nesse momento, de organizações de mulheres (embora já existissem as manifestações) ou da influência dessas, mesmo que de forma subliminar, nas lutas das trabalhadoras, não podemos negar o simbolismo histórico de mulheres que ousaram desafiar a norma vigente questionando os padrões sociais.

13 Cf. FLORESTA, Nísia. Direito das mulheres, injustiça dos homens. São Paulo:

Após a Proclamação da República, aprofundou-se a rebeldia das mulheres letradas, que continuavam privadas da participação política, reforçando a luta nos jornais femininos, pela garantia de seus direitos14. Esse momento histórico brasileiro assumiu contornos regionais, integrando-se às respectivas particularidades históricas. Partindo desse ponto de vista, Mario Augusto da Silva Santos (2001) afirma que, na Bahia, os grupos dirigentes promoveram uma reorganização da administração pública, estabelecendo uma recomposição das forças políticas dentro da mesma classe agromercantil que permaneceu dominante, enquanto a economia regional, embora estruturalmente idêntica ao que fora no Império, passou a apresentar maior diversidade em suas atividades.

Economicamente, a Bahia continuou agromercantil, dirigindo as suas atividades para o mercado externo. O comércio de importação e exportação era a principal atividade econômica da cidade de Salvador, no século XIX: cacau, fumo, café, açúcar, couros, peles, madeiras, piaçava, pedras preciosas, etc. eram os produtos comercialmente mais requisitados e a agroindústria açucareira, o ramo de produção mais protegido pelos auxílios governamentais, concessões e pela cobrança de impostos mínimos, segundo Luis Henrique Dias Tavares (2001).

Centro político e econômico do Estado da Bahia, Salvador manteve, historicamente, uma estreita relação com a região do Recôncavo. Por sua posição geográfica privilegiada e pelas condições socioeconômicas e políticas criadas, era uma cidade essencialmente portuária e comercial, escoadouro dos produtos advindos do interior direcionados para o mercado externo, além de exercer monopólio sobre a entrada de mercadorias − seda, objetos de vidro, ouro, prata, perfumaria, instrumentos musicais, medicamentos, vinhos, especiarias, farinha de trigo, óleo de oliva, charque, bacalhau etc. − oriundas de países como os EUA, Inglaterra, Alemanha, França, Holanda, Bélgica, dentre outros, redistribuindo-as, por meio de seu porto, para o interior das províncias.

Durante a Primeira República, foram realizadas modificações urbanas impulsionadas pelos comerciantes que, com o intuito de expandir os seus interesses imobiliários e comerciais pressionaram as autoridades a realizar as tão necessárias

14 Francisca Diniz, editora do jornal Sexo Feminino, em função dos acontecimentos,

modificou o título do jornal para o Quinze de Novembro do Sexo Feminino. Em 1901, temos, em Diamantina (MG), o jornal A Voz Feminina, dentre outros jornais que travaram uma disputa ideológica pelo voto feminino no Brasil (direitos civis) e pela garantia do acesso à educação, segundo Cecília Sardenberg e Ana Alice Costa (1994).

reformas, promovendo uma reestruturação na cidade que, assim, demonstrava o dinamismo administrativo e o empreendedorismo de suas realizações. Nessa perspectiva e contando com a contribuição de capitais franceses e de subvenções da União, de 1906 a 1930, foram efetuadas grandes obras na Baía de Todos os Santos: aterro de larga faixa do mar, linhas férreas no cais, canalização de água para fornecimento aos vapores, redes de esgoto, bondes elétricos, iluminação, calçamentos, entre outras.

Sem dúvida, as reformas dos governos de J. J. Seabra (1912-1916 e 1920-1924), intercalados pela administração de Antonio Moniz (1916-1920), seu aliado político, promoveram profundas mudanças na cidade de Salvador, com a derrubada dos sobrados, igrejas, aberturas de ruas e avenidas, fazendo com que muitas das características da Salvador do século XVIII se perdessem (TAVARES, 1966). Reformas como essas, não eram parte de uma ação administrativa isolada; refletiam a movimentação política nacional, sem, no entanto representar qualquer reorientação da política social e econômica.

Historicamente, a Bahia manteve um intenso fluxo de entrada e saída de navios através do comércio de importação e exportação. O destino agrícola parecia ser o caminho natural da economia, pelos rumos dados pelo setor dirigente que transferia os excedentes acumulados com a produção açucareira para a ampliação e sustentação das atividades agrícolas que, mesmo quando as sucessivas crises atingiram a economia baiana, nunca deixaram de ser prioridade. Essa foi a solução encontrada para “resolver” o problema da substituição de um produto primário por outro que, conjunturalmente, desfrutasse de boa cotação no mercado internacional, sem que se deixasse entrever quaisquer sinais de mudanças ou de reordenamento econômico. Os investimentos na atividade industrial eram meramente complementares à produção do sistema agroexportador. Assim, as primeiras fábricas na Bahia não foram o resultado de um programa de investimento e desenvolvimento urbano-industrial estando subordinadas às grandes firmas comerciais, através dos mecanismos de consignação. (TAVARES, 1966).

Na metade do século XIX e durante as duas primeiras décadas do século XX, a Região Sudeste do Brasil consolidou o centro econômico agromercantil, com o predomínio e a expansão da produção cafeeira cujos capitais auxiliaram a substituição, nas fábricas, da força hidráulica por turbinas a vapor (produzido a partir do carvão importado). À medida que a exportação do café assumia proporções

consideráveis e um significativo excedente, surgiu a necessidade de agilizar o escoamento do produto, solução encontrada com a implantação da rede ferroviária, que ligava o Rio de Janeiro a São Paulo e Minas Gerais, e com a construção das estradas que, por sua vez, impulsionaram o desenvolvimento desses centros urbanos. A posição alcançada pelo café, no mercado internacional, apressou a formação de capital para investimento no processo de industrialização.

Quanto ao Nordeste, no início do século XX, registrou-se, nessa região, uma forte concorrência externa que desencadeou um redirecionamento de seus produtos (cana e algodão) para o mercado interno, a fim de abastecer o Centro-Sul. No intuito de fazer frente a essa concorrência, implantaram-se usinas de açúcar, que esbarraram no atraso tecnológico e, mais adiante, na disputa pela concorrência, também sofrida no mercado interno. Pouco a pouco, a região se tornou um fornecedor marginal, com profundas dificuldades de penetração interna e externa. Com isso, a Bahia, mesmo mantendo uma relativa importância no panorama político nacional, perdeu importância como centro comercial e portuário. O declínio da produção açucareira, provocado por crises econômicas (concorrência) e demográficas, segundo Elisiário Andrade (2000), fez com que as oligarquias baianas começassem a transferir os excedentes para outras atividades produtivas tais como tabaco (fumo) e indústrias.