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3 CAMINHOS E DESCAMINHOS DA INDUSTRIALIZAÇÃO

3.2 UM NOVO SUSPIRO INDUSTRIAL

As primeiras fábricas de tecidos surgiram, ainda na década de 1830, na Bahia que, tão logo, já figurava como o primeiro centro têxtil do Brasil, com mais da metade das empresas desse setor no país. O Estado da Bahia, especialmente Salvador e arredores, foi o primeiro núcleo das atividades do ramo e, de 1844 até pouco mais da metade da década de sessenta, reuniu cinco das nove fábricas existentes no país, segundo Stanley Stein (1979,) para quem a concentração inicial da indústria nessa região pode ser atribuída à facilidade de acesso a matéria-prima, a fontes de energia (queda d’água) e aos mercados rural e urbano. O Nordeste possuía 46,7% da população do país e a Bahia, 13% do conjunto populacional. Assim, havia, “naturalmente”, na Bahia, um mercado para o consumo de tecidos grosseiros, destinados à sacaria (para a indústria auxiliar do açúcar) e roupas para os escravos e trabalhadores livres, que constituíam a maior parte da sua população.

No intervalo entre 1866 e 1885, um novo ciclo se abriu para a indústria têxtil na Bahia, com o processo de estagnação e declínio da indústria de fiação e tecelagem, que começou a perder espaço para o Rio de Janeiro e São Paulo como resultado da inexistência de um projeto conseqüente de industrialização, no plano nacional e regional, evidenciado nas intervenções governamentais (reformas tarifárias alternando concessões e revogações de proteção à indústria) que, mesmo tendo exercido um importante papel para o aparecimento das fábricas, eram medidas resultantes da debilidade da economia agrária (lavoura de exportação), estruturada no modelo agrário-escravocrata, já em flagrante declínio. Nos primeiros anos da República, o surto inflacionário, fruto da política do encilhamento15, fez com que as emissões de papel-moeda pelos bancos e a expansão de crédito para a agricultura desencadeassem práticas puramente especulativas.

Na Bahia, mesmo em escala menor, esse movimento especulativo aconteceu com a criação de bancos, firmas comerciais e companhias industriais: foram 32 no período de 1890 a 1891. Assim, o engessamento do desenvolvimento industrial estava localizado no insuficiente desenvolvimento agrícola, mas, principalmente, na persistência de um capitalismo fundado na especulação comercial (SAMPAIO, 1975). O capital mercantil financiou a assistemática industrialização da Bahia, nos setores de alimentos (açúcar, café, trigo, padarias, fábricas de macarrão, biscoito, chocolate e bombons), calçados, luvas e chapéus, fumo, química e farmacêutica, velas, perfumes, fósforos, bebidas, metalurgia, etc. (TAVARES, 1966), destacando-se, nesse, processo, segundo Santos (2001), a indústria têxtil e de toucador, pela grande presença da força de trabalho feminina.

O desenvolvimento industrial, no âmbito de um sistema econômico demarcadamente agrário, significou, para a Bahia, a incorporação de mulheres e crianças na força de trabalho, no setor secundário, o que, também, implicou em

15 “Encilhamento foi o nome pelo qual ficou conhecida a política econômica adotada durante o governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca [...] que ocorreu num momento de graves desajustes econômicos. Um dos efeitos da crise foi a falta de dinheiro circulante no país. Para resolver o problema, o governo pôs em prática uma política de incentivo à emissão de papel moeda. Historicamente associado ao nome do ministro da Fazenda Rui Barbosa, o programa buscava contornar o problema da falta de dinheiro para pagar os trabalhadores assalariados - cujo número havia aumentado sensivelmente com o fim da escravidão e a imigração de mão-de-obra livre - e viabilizar o processo de industrialização nacional”. (ANGELO, Vitor Amorim de. Encilhamento. Política econômica tentou impulsionar a industrialização. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/encilhamento.jhtm).

profundas contradições no processo contínuo de produção do capital, que necessitava das mulheres para a reprodução e a conseqüente renovação da força de trabalho, a partir da apropriação do trabalho infantil. Por outro lado, isso fazia com que a família operária inserisse todos os seus membros no domínio do trabalho assalariado, sem que com isso as mulheres deixassem de assumir o trabalho doméstico − reprodutivo e de conservação da força de trabalho. (PENA, 1981).

A presença de mulheres operárias nessas áreas de produção foi socialmente justificada pelas suas habilidades latentes (agilidade e delicadeza). Apropriar-se da força de trabalho feminina e infantil para operar as primeiras unidades fabris correspondia a uma alternativa viável, dada à conjuntura de escassez de mão-de-obra que a economia essencialmente agrária enfrentava. Segundo Pena (1981), tudo parece indicar que o industrialismo se desenvolveu no Brasil fazendo uso da divisão sexual, no interior da classe operária (família patriarcal), o que permitia que o trabalho feminino fosse tratado como complementar. A partir de 1875, quando foi fundada a Fábrica São Braz, ocorreu uma pausa, que durou quinze anos, na fundação de novas indústrias têxteis, um fenômeno que, graças à expansão do crédito, foi revertido em 1887, quando se processaram fusões das indústrias até então existentes (formação das sociedades por ações), como a “Empresa Valença Industrial”, que englobava duas fábricas, a Todos os Santos e a Nossa Senhora do Amparo e que se tornou uma Companhia, em 1899. “A crescente perda de posição da Bahia no quadro da economia nacional faz com que os anos 90 apareçam como o último surto industrial da Bahia até a segunda fase do século XX” (SAMPAIO, 1975, p. 126).

No ano de 1890, foi fundada a “Companhia Fabril dos Fiais”, com capital misto, nacional e estrangeiro (inglês), e, em 1891, a União Fabril da Bahia, junção de seis fábricas existentes desde o Império, cinco das quais na cidade do Salvador − Santo Antônio do Queimado, Nossa Senhora da Conceição, Modelo, São Salvador, Nossa Senhora da Penha e uma na cidade de Cachoeira, São Carlos do Paraguaçu − porém, desde a sua fundação, em nenhum período, as seis fábricas estiveram funcionando conjuntamente. Nesse mesmo ano, surgiu a “Companhia Progresso Industrial da Bahia”, com a incorporação da São Braz e da Bonfim, que, em 1905, passou para o controle do comerciante Bernardo Martins Catharino e de Antônio Lopes Figueira, ocorrendo, no ano de 1919, a inserção de novas fábricas: a São João e a Paraguaçu. Ainda, em 1891, foi fundada a “Companhia Empório Industrial

do Norte”, por Luiz Tarquínio, Leopoldo José da Silva e Miguel Francisco de Moraes, um empreendimento inovador, resultado de um planejamento criterioso e de uma visão arrojada que a transformou na maior fábrica de tecidos da Bahia e em uma das mais lucrativas. (BAHIA, 1923).

COMPANHIA FÁBRICA LOCAL Operários

(as) N° Empório Industrial do Norte Fábrica da Boa

Viagem

Av. Luiz Tarquínio (Largo da Boa Viagem) Distrito dos Mares

1.400

União Fabril da Bahia Nossa Senhora da

Conceição

Engenho Tanque da Conceição Distrito dos Mares

731

União Fabril da Bahia São Salvador Largo da Fonte Nova – Bairro

de Nazaré

130

União Fabril da Bahia Nossa Senhora da

Penha

Ribeira de Itapagipe – Distrito da Penha

90

União Fabril da Bahia Santo Antônio do

Queimado

Largo do Queimado – Distrito de Sto. Antônio

90

União Fabril da Bahia Modelo Rua Dr. J. J. Seabra – Baixa

dos Sapateiros

110

União Fabril da Bahia São Carlos do

Paraguaçu

Cachoeira (cidade) 125

Progresso Industrial da Bahia São Brás Fazenda Plataforma – Pirajá 1.300

Companhia Progresso Industrial da Bahia

Bonfim Largo da Mangueira (Bonfim)

Distrito de Pilar

535

Progresso Industrial da Bahia São João Porto dos Tainheiros Distrito da

Penha

165

Progresso Industrial da Bahia Paraguaçu Praça Santos Dumont (Largo do

Papagaio) Distrito da Penha

400

Valença Industrial Todos os Santos Cidade de Valença 650

Valença Industrial Nossa Senhora do

Amparo

Cidade de Valença 650

Valença Industrial Fábrica dos Fiais Praça Deodoro, nº 33 Cais do

Bulcão

150

Quadro 1 − Distribuição das fábricas têxteis – Bahia, 1919

Fonte: Relatório dos Serviços da Secretaria da Agricultura, Indústria, Comércio, Viação e Obras Públicas durante o ano de 1920, Caixa 2386, Maço 178, Doc. 746; Jornais Diversos; Diários Oficiais do Estado da Bahia; Relatórios de Fábricas; Almanaques (apud CASTELLUCCI, 2004).

A “Companhia Empório Industrial do Norte” foi estruturada em novas bases, dispondo de apenas uma unidade fabril, não sendo, portanto, resultado do aproveitamento de fábricas anteriormente existentes. Para construí-la, os seus fundadores foram criteriosos, desde a escolha do local onde o prédio foi edificado, no bairro da Boa Viagem − próximo ao cais, à estação ferroviária e à beira mar, o que facilitava o embarque e desembarque de matérias-primas e a saída dos

produtos da fábrica −, até as instalações, a estrutura física dos prédios, os equipamentos (maquinários mais modernos) e peças, importadas, isoladamente, da Inglaterra, EUA, Bélgica e Alemanha. Constituiu um dos maiores núcleos de trabalho do Brasil, no período, produzindo tecidos de algodão, brina, riscados, sephyres, bulgarinas e algodões em geral. (A TARDE, jul. 1923). Mas, foi, principalmente, a Vila Operária aí criada, o marco de uma nova concepção de relação entre capital e trabalho (no contexto da produção e reprodução), na Bahia. Na seqüência, apresentamos as Companhias do setor têxtil, com as suas respectivas fábricas, localização e operárias(os).