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Imputação objetiva e teoria do domínio do fato

CAPÍTULO III TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

3.4 Imputação objetiva e teoria do domínio do fato

Em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente no direito penal, sob a influência do finalismo de Welzel, com os elementos subjetivos dolo e culpa, adotou-se o critério subjetivo referente à previsibilidade objetiva do resultado. Não basta que o agente dê causa ao evento, para que responda criminalmente, mas que seja evitável na visão do homem médio/cauteloso.

O critério objetivo de imputação vem ganhando força em nosso direito penal, embora pouco conhecido ainda. Um de seus principais representantes, Claus Roxin, tendo em vista a função do direito que é proteger bens jurídicos, a imputação objetiva, antes de analisar o dolo ou a culpa, verifica se o autor com a sua conduta criou ou aumentou o risco lesivo não permitido ao bem jurídico protegido.

Assim, essa teoria surgiu a fim de limitar o nexo de causalidade existente entre a ação praticada (a conduta) e o resultado naturalístico, colocando um limite quanto ao regresso ao infinito. Para a teoria da imputação objetiva, o comportamento socialmente aceito não poderá ser o causador de um resultado típico. Um exemplo é a luta de boxe (comportamento permitido), se houver morte ou lesões, será fato atípico, pois estamos diante de uma conduta permitida, mesmo que o lutador tenha agido com dolo ou culpa.

Além disso, não basta que o agente contribua dando causa ao resultado, faz se necessário que sua conduta crie um risco relevante e juridicamente proibido.

Exemplo clássico doutrinário é o caso do filho que, ambicionando a herança que será deixada pelo pai, o induz para visitá-lo em um dia com fortes chuvas, em um parque, no qual por razões geomagnéticas específicas, ocorrem em intensa quantidade descargas elétricas durante a tempestade. Sem ter o mínimo conhecimento sobre esse fato, o pai visita o parque e um raio o atinge. Desse modo, para a teoria da equivalência dos antecedentes causais (ou conditio sine qua non), situada no “caput” do artigo 13 do Código Penal “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (BRASIL, 2015), o filho responderia pelo resultado, assim, se não houvesse o seu induzimento, o pai não iria ao parque e consequentemente não morreria, ocorre aqui o nexo causal físico. O nexo causal psíquico também está presente, no momento em que o filho tinha a intenção de dar a morte ao pai. Seria uma boa solução, porém ela não é correta, pois o filho criou para o pai um risco permitido, ou seja, tolerável pela sociedade. Convidar alguém a um passeio no parque não é proibido, mesmo que se possa gerar algum risco a alguém. O filho não possuía o domínio final sobre o resultado.

No exemplo acima, não há o nexo causal normativo (aquele decorrente da inexistência de risco proibido. Para melhor entendimento, vamos entender o que é nexo causal normativo? Nada mais é do que um incremento ou criação de um risco proibido relevante, sendo um risco não tolerado pela sociedade.

Os doutrinadores têm chamado essa teoria de três filtros. Figura 1 – Teoria de três filtros

1. 2. 3.

Causalidade Causalidade Causalidade Física Psíquica normativa ou jurídica

presença de dolo ou culpa Risco proibitivo relevante

Risco permitido

Para a existência de nexo causal são necessários os três filtros: nexo causal, nexo causal psíquico e nexo causal normativo.

De acordo com a concepção de Claus Roxin, só pode ser imputado o resultado ao agente quando houver os elementos da teoria da imputação objetiva, quais sejam:

1 – A conduta cria ou incrementa um risco no qual a sociedade não tolera, o chamado risco proibido relevante;

2 – Esse risco relevante e proibido realiza-se no resultado concreto; e 3 – O resultado, por fim, alcança o tipo penal.

Há os princípios que exclui a imputação objetiva, quais sejam:

1) Princípio do risco permitido: é o caso das normas jurídicas quando autorizam comportamentos potencialmente perigosos (exemplo disso são as práticas desportivas autorizadas), respeitada essa norma, exclui-se a imputação ao agente;

ao agir, que o outro cumpra o seu exercício esperado, mas não o cumpre. (Exemplo: a enfermeira que, confiando no médico, ministra uma injeção letal no paciente);

3) Princípio da proibição de regresso: dado um comportamento lícito, é proibido, excluindo-se a imputação, pelos atos ilícitos subsequentes que advierem dele (exemplo é o motorista de táxi que leva determinado passageiro até o seu destino, a partir daí este motorista não terá responsabilidade sobre os atos ilícitos que o passageiro vier a cometer, ainda que tenha tomado conhecimento durante o trajeto); e

4) Princípio da capacidade (ou competência) da vítima: quando houver o consentimento livre e consciente da vítima, exclui-se a imputação, a vítima deve ter a capacidade de entender e consentir (exemplo a pessoa que aceita o convite de outrem para escalar montanha perigosa e morre durante o trajeto).

A imputação objetiva, não chega a ser uma teoria, mas um conjunto de princípios orientadores a fim de complementar e limitar o nexo causal físico e psíquico. Portanto, mesmo havendo o nexo causal físico e psíquico, faz-se necessária a presença de elementos adicionais para apurar se houve ou não crime. Esses adicionais relacionam-se a valorações jurídicas ou normativas (baseada na dicotomia do permitido x proibido).

Pelo motivo acima, diz que a imputação objetiva é normativa, situada no âmbito das valorações jurídico-normativas e não causais. Daí a importância de um terceiro filtro, de natureza normativa, que visa evitar imputações baseadas em comportamentos tolerados socialmente; para outra parte da doutrina, orienta-se no sentido de que a imputação objetiva deve ser analisada na tipicidade (excluindo-se aquelas condutas típicas que não criaram nem incrementaram o risco proibido relevante).

Sobre os julgados acerca da teoria da imputação objetiva, é notório seu crescimento nos tribunais, vejamos o seguinte trecho do precedente do STJ – Resp. 822.517/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.2007:

De acordo com a Teoria Geral da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido ou de uma ação que visa a diminuir um risco não permitido (...) O risco permitido deve ser verificado dentro das regras do ordenamento social, para o qual existe uma carga de tolerância genérica. É o risco inerente ao convívio social e, portanto, tolerável. Como podemos notar, o risco socialmente aceito, o qual gerou o resultado, não pode ser imputado de prontidão ao agente, caso tenha sido permitido.

Vejamos um exemplo de imputação objetiva. Um assaltante que assalta um senhor e, com a reação deste, o retira a vida. Logo, telefonam para a sua esposa a informando que seu marido faleceu vítima de um latrocínio. A mesma, com a notícia, tem um infarto fulminante.

O acusado de latrocínio responde pela morte da esposa? Segundo a teoria finalista, se ele não tivesse matado o marido da senhora, esta também não teria morrido. Há o nexo causal. Ele só não responderá por sua morte porque não agiu com dolo nem culpa, mas acabou sendo causa objetiva. Segundo a imputação objetiva, há dúvida se houve causa normativa - assaltar e matar alguém é risco tolerado pela sociedade? Não – assim, ele criou um risco não permitido. Finalizando, o risco que ele criou teve enquadramento a morte da esposa? Não tendo desdobramento com o resultado da morte da esposa, o latrocida não pode ser responsabilizado pela morte desta.

Esta é uma das principais críticas à imputação objetiva, o comportamento socialmente aceito pode provocar “abusos e lesões a direitos individuais”. Usando o critério da imputação objetiva pode afastar que partícipes sejam punidos, há os “que agem dolosamente, em delitos graves, merecedores de compor o concurso de pessoas”. Um exemplo é o vendedor de armas, aquele que expede nota fiscal, licitamente, sua conduta jamais será considerada em um evento futuro de morte causada por um cliente por apenas ter comprado em seu estabelecimento. A crítica reside justamente em afastar do nexo causal a atuação dolosa ou culposa do agente, ainda que coberta sob a aparente licitude aceita da conduta.

Outro exemplo foi em Vinhedo, no Hopi Hari, quando um rapaz ao entrar em um determinado brinquedo, teve um choque anafilático e veio a óbito. Havia, no brinquedo, fumaças que simulavam gelo seco. Esse contato com a fumaça causou uma reação em seu organismo, causando-lhe esse choque anafilático e consequentemente o seu falecimento. Segundo o que se apurou no laudo pericial foi um início de pneumonia, estando o jovem com o pulmão fragilizado, e o jovem sabia disso. De acordo com a doutrina clássica, se eu retirasse aquela fumaça, será que o jovem teria morrido? Ele não teria. Então Hopi Hari foi causa. A causa física não se tem dúvida que existiu. A questão principal é se o Hopi Hari criou ou implementou o risco não permitido socialmente. Verificamos aqui que o próprio jovem se colocou em risco, pois sabia que estava com um início de pneumonia. Essa colocação da própria vítima em risco não possui um nexo normativo, excluindo a causa objetiva e o nexo do agente, não havendo isso na doutrina clássica.

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