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A teoria do domínio do fato no Código Penal Brasileiro e aceitação pela jurisprudência

CAPÍTULO III TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

3.6 A teoria do domínio do fato no Código Penal Brasileiro e aceitação pela jurisprudência

Com a reforma do Código Penal, em 1984, foi adotada a tese finalista, tendo o elemento dolo na estrutura da conduta, no erro de tipo e no erro de proibição. Consequentemente, nosso Código Penal também acolheu a teoria do domínio do fato.

Embora tenha-se adotado a teoria restritiva, recomenda-se a sua complementação com a respectiva teoria, a fim de uma justiça mais completa, a qual se complementa para integração das lacunas e correção de possíveis falhas da teoria restritiva.

De igual modo, a jurisprudência aceita a aplicação subsidiária do domínio do fato, em especial a do STJ, a qual vale à pena ser transcrita, porque essencial para a compreensão do tema abordado:

Na teoria do domínio funcional do fato, adotada por esta turma julgadora, serão coautores todos os que tiverem uma participação importante e necessária no cometimento da infração, não se exigindo que todos os agentes sejam executores, basta que tenham o domínio sobre as funções que lhe foram confiadas, sendo esta de importância fundamental no cometimento da ação. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus n°. 7, Agravo em Recurso Especial nº. 652.937 – MG 2015⁄0010794 - 2; Relator: Min. Sebastião Reis Júnior; Publicado em 02/03/2015).

Outra jurisprudência, agora do TJ/RJ, admite que o agente responda por coautoria e não apenas como partícipe e, desse modo, ela merece ser colacionada e acompanhada por uma melhor explanação sobre o assunto:

Ementa: Condicionada à apreensão e perícia do respectivo artefato, podendo ser

validamente atestada por outros meios de prova. 7. É pacífica a jurisprudência no sentido de que, em crime de roubo, basta a firme palavra da vítima para atestar o emprego ostensivo de arma de fogo no fato concreto, cabendo à Defesa, nos termos do art. 156 do CPP, o ônus de demonstrar que a mesma era desprovida de qualquer potencialidade lesiva, "como nas hipóteses de utilização de arma de brinquedo, arma defeituosa ou arma incapaz de produzir lesão". Precedentes do STJ. 8. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou, para fins da majorante do roubo, que "é irrelevante saber se a arma de fogo estava ou não municiada, visto que tal qualidade integra a própria natureza do artefato", considerando que a "lesividade do instrumento se encontra in re ipsa", sobretudo porque "a arma de fogo, mesmo que não tenha o poder de disparar projéteis, pode ser empregada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves". 9. Para a imposição da causa de aumento do concurso de agentes no crime de roubo não é necessária a identificação e prisão do respectivo comparsa. 10. A Teoria do Domínio Funcional do Fato, amplamente praticada pela jurisprudência, disciplina que todo agente que, senhor de suas decisões, tiver uma participação importante e necessária, dentro do conceito de divisão de tarefas, será coautor do fato, "não se exigindo que todos sejam executores, isto é, que todos pratiquem a conduta descrita no núcleo do tipo". 11. No âmbito do processo penal, pode o Tribunal de Justiça, valendo-se do efeito devolutivo pleno, rever, inclusive ex officio e em recurso exclusivo da defesa, todo o processo de individualização da pena, desde que observada a incidência do Princípio da Non Reformatio in Pejus relativamente ao quantum final da apenação estabilizada. Precedentes do STJ. 12. A pena de multa prevista no preceito secundário do tipo incriminador há de ser fixada em caráter proporcional ao critério estabelecido para a definição da pena privativa de liberdade. 13. O regime prisional é fixado segundo as regras do art. 33 do Código Penal, sob o influxo do Princípio da Proporcionalidade, subsidiado pela exata medida retributiva necessária à prevenção e repressão do injusto. 14. A jurisprudência do TJERJ orienta-se no sentido de atribuir o regime prisional inicial fechado, nas hipóteses de roubo agravado pelo emprego ostensivo de arma de fogo e concurso de agentes, uma vez recomendado pelas circunstâncias concretas do caso. 15. Recurso de um dos réus que não se conhece e apelo do outro a que se dá parcial provimento (TJ-RJ - EI: 00103324820058190001 RJ 0010332-48.2005.8.19.0001, Relator: DES. ELIZABETE ALVES DE AGUIAR, Data de Julgamento: 01/03/2012, QUINTA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 15/08/2012 12:25).

O legislador do 84 não se definiu explicitamente por nenhuma das posições dogmáticas relativas ao conceito de autoria e da distinção entre autoria e participação. No entanto, à medida que introduziu o dolo na ação típica final, como se pode depreender da conceituação do erro de tipo, à medida em que aceitou o erro de proibição e, finalmente, à medida em que abandonou o rigorismo da teoria monística em relação ao concurso de pessoas, reconhecendo que o agente responde pelo concurso na medida de sua culpabilidade, deixou entrever sua acolhida às mais relevantes teses finalistas, o que leva à conclusão de que abraçou também a teoria do domínio do fato” (FRANCO, p. 164).

Claramente, a “teoria do domínio do fato” não é algo novo em nosso ordenamento jurídico, como podemos perceber. É como se a tese renascesse dentro de nosso ordenamento jurídico. Com o seu uso na ação penal 470, ela “estourou” em nossa doutrina e jurisprudência.

CAPÍTULO IV

TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NO CRIME “MENSALÃO” – AÇÃO

PENAL 470 – MINAS GERAIS

O Supremo Tribunal Federal recebeu a denúncia de 40 (quarenta) réus oferecida pelo então Procurador-Geral da República Antonio Fernando Souza. Por motivo de foro por prerrogativa de função, o STF tornou-se competente para processar e julgar o feito. A ação penal 470, a qual ficou conhecida popularmente como “mensalão”, foi instaurada em 12 de novembro de 2007. O objetivo não será descrever minuciosamente sobre a situação de cada agente envolvido, e sim discorrer de forma ampla sobre a teoria do domínio do fato utilizada nesse processo, o qual foi o maior escândalo já desvendado em nosso país.

Foi o maior esquema de compra de votos de parlamentares, a fim de que votassem a favor de projetos do governo federal em conluio com o Poder Executivo. Ocorreu no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em entrevista à “Folha de São Paulo”, no dia 06 de junho de 2005, Roberto Jefferson (PTB-RJ) resolveu falar que havia o pagamento de propina aos parlamentares. De acordo com o presidente do PTB os partidos aliados recebiam um “mensalão’ de R$ 30 mil do Delúbio Soares, o qual era tesoureiro do PT.

Segundo a CPI dos Correios, em seu relatório, o esquema realizou-se entre os anos de 2003 e 2004, estendendo-se até o início de 2005.

Passados uns quatro meses de processamento e julgamento, o Supremo foi pela condenação de 25 dos 40 réus iniciais. A preliminar, abordada na defesa do advogado de Roberto Jefferson, para que fosse incluído entre os réus o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi rejeitada por unanimidade pelo Supremo. Foi acolhida, por unanimidade, a anulação do feito em relação a um dos acusados, por cerceamento de defesa, seu advogado constituído não havia sido intimado, sendo desmembrado e remetido à instância inferior.

O esquema era chefiado, ou seja, todo o controle dessa situação estava nas mãos do então Ministro da Casa Civil, José Dirceu e integrante da alta cúpula do PT, o empresário Marcos Valério atuava como operador financeiro.

O ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, segundo a Procuradoria, negociava esquemas clandestinos de financiamento e de acordos com partidos que apoiavam o Presidente Lula. Ofereceu dinheiro aos parlamentares federais José Janene, Pedro Corrêa e Pedro Henry para que votassem a favor de projetos de interesse do governo federal, de acordo com o Supremo.

Acusado pela Procuradoria por formação de quadrilha e corrupção ativa. Atua como consultor de empresas, já que teve o mandato de deputado federal cassado em 2005, considerado inelegível até o presente ano (2015).

Foi demonstrada a existência de uma “associação estável e organizada”, contendo o elemento subjetivo especial do tipo (finalidade de cometer delitos), na qual havia entre seus membros a divisão de tarefas, visando o cometimento de vários crimes, tais contra a Administração Pública e o Sistema Financeiro Nacional, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta, peculato e evasão de divisas. Essa associação era dividida em três núcleos específicos: núcleo político; operacional (Marcos Valério); e financeiro (Banco Rural). Assim, cada agente era incumbido de realizar determinadas ações e omissões, as quais satisfaziam os interesses ilícitos do grupo criminoso. Veja:

Condenação de JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, DELÚBIO SOARES DE CASTRO, JOSÉ GENOÍNO NETO, MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, RAMON HOLLERBACH CARDOSO, CRISTIANO DE MELLO PAZ, ROGÉRIO LANZA TOLENTINO, SIMONE REIS LOBO DE VASCONCELOS, KÁTIA RABELLO e JOSÉ ROBERTO SALGADO, pelo crime descrito no art. 288 do Código Penal. Absolvição de GEIZA DIAS DOS SANTOS e AYANNA TENÓRIO TORRES DE JESUS, nos termos do disposto no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Absolvição, também, contra o voto do relator e dos demais ministros que o acompanharam, de VINÍCIUS SAMARANE, ante o empate na votação, conforme decidido em questão de ordem.

A questão sobre a competência da Corte para julgar réus que não possuem foro por prerrogativa de função foi suscitada, pois. Segundo os advogados de defesa, apenas três dos acusados teriam a prerrogativa de foro, enquanto que os demais não encontram-se elencados no rol do Art. 102, I, b, c da CF/88; e que, portanto, seria inconstitucional o processamento e julgamento pela Corte para aqueles que não são titulares desse direito, pois não observaria o princípio fundamental do juiz natural e ao duplo grau de jurisdição e assim, estaria ferindo direito fundamental ao qual o Pacto de San José da Costa Rica preceitua.

Com embasamento na Súmula 704 do STF, na qual não seria cabível aos não detentores de foro privilegiado: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados” (BRASIL, 2015).

O Supremo apreciou e rejeitou a defesa usada baseada na inconstitucionalidade sobre a competência para processar e julgar os que não possuem tal prerrogativa. O que tem prevalecido no Supremo é que a competência pode ampliar-se caso haja conexão e continência entre os crimes praticados pelos agentes mesmo que não tenham a prerrogativa de foro.

Figura 2 – Acusados no escândalo do “Mensalão”

Fonte: Site Uol

Vamos conhecer os réus dessa ação penal e os supostos crimes, relativo à denúncia: 1) JOSÉ DIRCEU: crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa;

2) JOSÉ GENOÍNO: crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa; 3) DELÚBIO SOARES: crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa;

4) SÍLVIO PEREIRA: crime de formação de quadrilha; teve a suspensão condicional do processo, pelo artigo 89 da lei 9099/1995, não sendo o processo iniciado contra ele;

5) MARCOS VALÉRIO: crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas;

6) RAMON HOLLERBACH: crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas;

7) CRISTIANO PAZ: crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas;

8) ROGÉRIO TOLENTINO: crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção ativa;

9) SIMONE VASCONCELOS: crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas;

ativa e evasão de divisas;

11) KÁTIA RABELLO: crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas;

12) JOSÉ ROBERTO SALGADO: crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas;

13) VINÍCIUS SAMARANE: crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas;

14) AYANNA TENÓRIO: crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta de instituição financeira;

15) JOÃO PAULO CUNHA: crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato; 16) LUIZ GUSHIKEN: crime de peculato;

17) HENRIQUE PIZZOLATO: crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato; 18) PEDRO CORRÊA: crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro;

19) JOSÉ JANENE: crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro; foi decretada a extinção da sua punibilidade, pois faleceu em 14 de setembro de 2010;

20) PEDRO HENRY: crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro;

21) JOÃO CLÁUDIO GENU: crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro;

22) ENIVALDO QUADRADO: crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro;

23) BRENO FISCHBERG: crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro; 24) CARLOS ALBERTO QUAGLIA: crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro; por cerceamento de defesa (não houve intimação do advogado), foi anulado o processo a partir da defesa prévia, e em consequência seu processo foi desmembrado e remetido ao primeiro grau de jurisdição;

25) VALDEMAR COSTA NETO: crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro;

26) JACINTO LAMAS: crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva e lavagem de dinheiro;

27) ANTÔNIO LAMAS: crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro; 28) CARLOS ALBERTO RODRIGUES (BISPO RODRIGUES): crimes de corrupção

passiva e lavagem de dinheiro;

29) ROBERTO JEFFERSON: crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; 30) EMERSON PALMIERI: crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; 31) ROMEU QUEIROZ: crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; 32) JOSÉ BORBA: crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; 33) PAULO ROCHA: crime de lavagem de dinheiro;

34) ANITA LEOCÁDIA: crime de lavagem de dinheiro;

35) LUIZ CARLOS DA SILVA (PROFESSOR LUIZINHO): crime de lavagem de dinheiro; 36) JOÃO MAGNO: crime de lavagem de dinheiro;

37) ANDERSON ADAUTO: crime de corrupção ativa e lavagem de dinheiro; 38) JOSÉ LUIZ ALVES: crime de lavagem de dinheiro;

39) JOSÉ EDUARDO DE MENDONÇA (DUDA MENDONÇA): crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro;

40) ZILMAR FERNANDES: crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ao final da ação penal, temos as seguintes condenações:

1) Bispo Rodrigues (lavagem de dinheiro e corrupção passiva); 2) Breno Fishberg (lavagem de dinheiro);

3) Cristiano Paz (corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha); 4) Delúbio Soares (corrupção ativa e formação de quadrilha);

5) Emerson Palmieri (lavagem de dinheiro e corrupção passiva); 6) Enivaldo Quadrado (formação de quadrilha e lavagem de dinheiro); 7) Henrique Pizzolatto (corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro); 8) Jacinto Lamas (lavagem de dinheiro e corrupção passiva);

9) João Cláudio Genu (formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva); 10) João Paulo Cunha (corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro);

11) José Borba (corrupção passiva);

12) José Dirceu (corrupção ativa e formação de quadrilha); 13) José Genoíno (corrupção ativa e formação de quadrilha);

14) José Roberto Salgado (gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha);

15) Kátia Rabello (gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha);

16) Marcos Valério (Corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha);

17) Pedro Corrêa (formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva); 18) Pedro Henry (lavagem de dinheiro e corrupção passiva);

19) Ramon Hollerbach (corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha);

20) Roberto Jefferson (lavagem de dinheiro e corrupção passiva);

21) Rogério Tolentino (lavagem de dinheiro, corrupção ativa, formação de quadrilha); 22) Romeu Queiroz (lavagem de dinheiro e corrupção passiva);

23) Simone Vasconcelos (lavagem de dinheiro, corrupção ativa, evasão de divisas, formação de quadrilha);

24) Valdemar Costa Neto (lavagem de dinheiro e corrupção passiva); e 25) Vinícius Samarane (gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro).

Para o Procurador-Geral da República, segundo as provas obtidas no curso do inquérito e na instrução processual, não restam dúvidas de que o réu José Dirceu “agiu sempre no comando das ações dos demais integrantes dos núcleos político e operacional do grupo criminoso. Era, enfim, o chefe da quadrilha. [...] Nesse sentido, há vários depoimentos nos autos. Marcos Valério [...] confirmou que José Dirceu comandava as operações que estavam sendo feitas para financiar os acordos políticos com os líderes partidários [...]” (fls. 45.123/45.124).

Há vários fatos que comprovam que o réu José Dirceu encabeçava e dominava o grupo criminoso. Como por exemplo, uma “viagem que Marcos Valério, Rogério Tolentino e Emerson Palmieri fizeram a Portugal para reunirem-se com o Presidente da Portugal Telecom. José Dirceu, na condição de Ministro-Chefe da Casa Civil, estava acompanhando as negociações desenvolvidas pelo grupo Portugal Telecom, com a intervenção do Banco Espírito Santo, para a aquisição da Telemig. No bojo dessas tratativas, surgiu a possibilidade de a Portugal Telecom doar o equivalente a 8 milhões de euros, equivalente, à época, a 24 milhões de reais, para o pagamento de dívidas de campanha do Partido dos Trabalhadores” (fls. 45.127).

A expressão “teoria do domínio do fato” se faz presente inúmeras vezes dentro do acórdão da ação penal 470, como por exemplo, no recebimento da denúncia:

CAPÍTULO VI DA DENÚNCIA. CORRUPÇÃO ATIVA. ATO DE OFÍCIO. VOTO DOS PARLAMENTARES. TIPICIDADE, EM TESE, DAS CONDUTAS. COMPLEXIDADE DOS FATOS. INDIVIDUALIZAÇÃO SUFICIENTE AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. CONCURSO DE VÁRIOS

AGENTES. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. DIVISÃO DE TAREFAS.

OBEDIÊNCIA AO ARTIGO 41 DO CPP. EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA RECEBIDA”. (Negritei)

Assim, as condutas do artigo 333 do código penal, “corrupção ativa”, praticadas por vários réus estão descritas detalhadamente na denúncia, tendo sido praticadas de acordo com uma divisão de tarefas, de modo que cada qual praticou “uma fração do ato de execução”. O denominado “grupo político” é quem teria interesse em toda essa situação, com o objetivo de se perpetuarem no poder.

Na denúncia, o Ministério Público, não conseguindo provar as condutas ilícitas praticadas pelo réu José Dirceu, socorreu-se da teoria do domínio do fato, a fim de convencer a Suprema Corte. Com base nessa teoria, houve a condenação dos réus: Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, ex-gestores do Banco Rural, pertencentes ao núcleo financeiro. Sendo condenados pelos delitos de gestão fraudulenta (caput do art. 4º da Lei n. 7.492/86) e lavagem de dinheiro (artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei n. 9.613/1998, na redação anterior à Lei n. 12.683/2012). Ao final, José Dirceu foi condenado pelos crimes de formação de quadrilha: 2 anos e 11 meses de prisão e corrupção ativa relativa a pagamento de propina a parlamentares: 7 anos e 11 meses, mais multa de R$ 676 mil.

Segundo o parquet, a teoria trata-se de um “remédio processual”, na falta de um elemento processual adequado, o que causou um “alvoroço” entre os juristas.

No caso de processos criminais em que a produção da prova acusatória se mostre difícil ou até mesmo impossível, essa teoria permite buscar suporte em um raciocínio não raro especulativo com o qual se pretende superar a exigência da produção de evidências concretas para a condenação de alguém. Não quero dizer com isso que tal teoria não tenha espaço em situações especialíssimas, como na hipótese de sofisticadas organizações criminosas, privadas ou estatais.

Em relação à grande quantidade de réus, referente ao domínio do fato, é importante destacar o voto da Ministra Rosa Weber, como modo de enquadrá-los no esquema:

Quando há vários concorrentes, tem-se de esclarecer qual a carga de aporte de cada um deles para a cadeia causal do crime imputado. Caso contrário, será impossível aplicar a teoria monista contida no artigo 29 do Código Penal. Entretanto, diversa a situação quando se apontam comportamentos típicos praticados por uma pessoa jurídica. Aí, necessário apenas verificar pelo contrato social ou, na falta deste, pela realidade factual, quem detinha o poder de mando no sentido de direcionar as atividades da empresa. Mal comparando, nos crimes de guerra punem-se, em geral, os generais estrategistas que, desde seus gabinetes, planejam os ataques, e não os simples soldados que os executam, sempre dominados pela subserviência da inerente subordinação. Do mesmo modo nos crimes empresariais a imputação, em regra, deve recair sobre os dirigentes, o órgão de controle, que traça os limites e a qualidade da ação que há de ser desenvolvida pelos demais. Em verdade, a teoria do domínio do fato constitui uma decorrência da teoria finalista de Hans Welzel. O propósito da conduta criminosa é de quem exerce o controle, de quem tem poder sobre o resultado. Desse modo, no crime com utilização da empresa, autor é o dirigente ou dirigentes que pode evitar que o resultado ocorra. Domina o fato quem detém o poder de desistir e mudar a rota da ação criminosa. Uma ordem do responsável seria o suficiente para não existir o comportamento típico. Nisso está a ação final. Assim, o que se há de verificar, no caso concreto, é quem detinha o poder

de controle da organização para o efeito de decidir pela consumação do delito. Se a resposta for negativa haverá de concluir-se pela inexistência da autoria”. (AP 470, fls. 52776)

Importante salientar que, nesse estreito âmbito da autoria nos crimes empresariais, é possível afirmar que se opera uma presunção relativa de autoria dos dirigentes. Disso resultam duas consequências: a) é viável ao acusado comprovar que inexistia o poder de decisão; b) os subordinados ou auxiliares que aderiram à cadeia causal não sofrem esse juízo que pressupõe uma presunção juris tantum de autoria. (AP

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