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Imunidade do artigo 195, §7º da Constituição Federal

CAPÍTULO VIII – IMUNIDADES RELATIVAS ÀS ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

8.2 Imunidade do artigo 195, §7º da Constituição Federal

8.2.1 Imperfeição do suporte físico “isentas”

O § 7° do art. 195 da Carta Constitucional prescreve que “são isentas de

contribuições para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.

Ainda que o enunciado prescritivo fale em “isenção”, trata-se de imunidade tributária referente às contribuições destinadas à seguridade social. O legislador, eleito dentre os membros de uma sociedade composta de diversos segmentos sociais, não detém a técnica necessária para utilizar-se de suporte físico que seja unívoco. Pelo contrário, apela, no bom sentido, para o uso da linguagem natural para vincular os seus comandos. Nem poderia ser diferente por dois motivos. Primeiro que estamos diante de um sistema democrático em que todos podem participar do pleito eleitoral e nos representar perante o poder legislativo instituído. Segundo que o destinatário das regras jurídicas é a comunidade social, daí a necessidade do uso de linguagem compreensível.

De nada adiantaria o uso de uma linguagem mais sofisticada com a inserção de muitos termos e expressões científicas se não fosse possível a sua decodificação pelo destinatário da mensagem e, por conseguinte, a instauração do laço comunicacional. Verificada tal situação, a efetividade do direito restaria prejudicada, à medida que os valores sociais não seriam tocados e, consequentemente, as normas não seriam observadas.

Por outro lado, não podemos deixar a cientificidade de lado. Houve a necessidade da utilização de alguns termos científicos para dar maior precisão aos trabalhos da legislação. Logo, essa linguagem passou a ser tipicamente uma linguagem técnica. Contudo, isso não foi e nem será suficiente para evitar as imperfeições de seu discurso, uma vez que toda palavra é por natureza vaga e potencialmente ambígua. A linguagem jurídica apresenta zonas de penumbra e é, atual ou potencialmente, vaga e imprecisa. Tanto quanto a linguagem natural, portanto, a linguagem jurídica apresenta uma textura aberta.

Assim, ambiguidade e imprecisão são marcas características da linguagem jurídica. Manifesta-se a primeira em virtude de as mesmas palavras em diversos contextos designarem distintos objetos, fatos ou propriedades. A mesma palavra em contextos diversos conota sentidos distintos.

Quanto à imprecisão, decorre da fluidez de certas palavras, cujo limite de aplicação é impreciso. Buscando exemplos na linguagem comum, aí teremos os vocábulos “jovem”, “alto”, “calvo”. Jovem é a pessoa na adolescência ou um sujeito de 20 ou 25 anos também é jovem? Podemos considerar que tanto uma pessoa na adolescência como uma pessoa de 25 anos são jovens. O que é alto? Depende de certa forma do sistema de referência de cada um. Calvo, por sua vez, pode ser tanto uma pessoa que possui algumas entradas como também uma pessoa que tem apenas alguns fios de cabelo.

Sobre a textura aberta inerente aos discursos legais, pondera Genaro R. Carrió: “por más que los juristas vuelvan su atención a las nuevas estructuras de

derechos y deveres que las necesidades cambiantes y el ingenio humano crean día a día, y se afanen por rotular-las (contrato de edición, de exposición, de filmación, contrato deportivo, etc.) y por exponer sus características centrales, aquellas mismas necesidades y esa misma inventiva irán elaborando nuevas estructuras atípicas, frente a las cuales resultará siempre insuficiente el arsenal terminológico y conceptual de los juristas. Y ellos es así por las mismas razones que señalé en la primera parte, al

destacar por qué la “textura abierta” es una característica irremebiable de los

lenguajes naturales”139.

A textura aberta da linguagem jurídica decorre do fato de nutrir-se ela (linguagem jurídica) da linguagem natural, na qual aqueles fenômenos se manifestam.Não é um mal injustificável, de toda sorte, este que padece a linguagem jurídica. E isso porque, se as leis devem ser abstratas e gerais, necessariamente hão de ser expressas em linguagem de textura aberta. Assim, por mais que haja empenho do legislador em elaborar textos mais precisos com termos rígidos, haverá sempre uma ponta de deformidade no seu discurso, palavras imprecisas quanto ao significado, alcance e sentido.

Outro fator que justifica as imperfeições do discurso do legislador é a composição das Casas Legislativas, que são formadas por pessoas de vários segmentos da sociedade, de diferentes profissões, religiões, raças e culturas. Em realidade, as Casas Legislativas devem ter esse caráter heterogêneo para uma melhor representatividade das diversas camadas sociais, porém, essa estrutura só será efetiva se, realmente, os representantes do povo tiverem consciência de buscar os verdadeiros valores de seus representados.

Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho salienta que “os membros das

Casas Legislativas, em países que se inclinam por um sistema democrático de governo, representam os vários segmentos da sociedade. Alguns são médicos, outros bancários, industriais, agricultores, engenheiros, advogados, dentistas, comerciantes, operários, o que confere um forte caráter de heterogeneidade, peculiar dos regimes que se queiram representativos. E podemos aduzir que tanto mais autêntica será a representatividade do Parlamento quanto maior for a presença, na composição de seus quadros, dos inúmeros setores da comunidade social. ponderações desse jaez nos permitem compreender o porquê dos erros, impropriedades atecnias, deficiências e

ambiguidades que os textos legais cursivamente apresentam.”140

É com muita atenção e com precauções que o jurista deve iniciar as suas investigações científicas, estando atento aos problemas semânticos e sintáticos que

139 Notas sobre derecho y lenguaje, p. 53 140 Curso de direito tributário, p. 4-5.

figuram nos textos legais. Assim, se é correto asseverar-se que o legislador se exprime numa linguagem natural, com retoques de símbolos científicos, o mesmo já não se passa com o discurso do cientista do direito.

“O cientista do direito, por sua vez, ao percorrer esse enredo legislativo, não deve sucumbir às imprecisões da linguagem técnica do legislador, devendo sempre se impor de maneira crítica aos defeitos que esse sistema monoempírico prescritivo apresenta, travando, assim, uma luta incessante na produção de um sentido escorreito para a mensagem legislada. Sua linguagem, sobre ser técnica, é científica, na medida em que as proposições descritivas que emite vêm carregadas da harmonia dos sistemas presididos pela lógica clássica, com as unidades do conjunto arrumadas e escalonadas segundo critérios que observam, estritamente, os princípios da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído, que são três imposições

formais do pensamento, no que concerne às proposições apofânticas.”141

O Supremo Tribunal Federal entende que o artigo 195, §7º, da Constituição Federal trata de verdadeira imunidade tributária. Nesse passo, devemos trazer à colação trecho do voto do Min. Celso de Mello: “A cláusula inscrita no art.

195, §7º., da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social -, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, §7º., da Constitucional da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não

de simples isenção)”142.

Por essas razões não temos dúvida de que o artigo 195, §7.º da Constituição Federal representa norma jurídica de imunidade tributária, ainda que fale em isenção, pois advém do texto constitucional, ao passo que as isenções estão no plano de legislação infraconstitucional.

141 Ibidem, p. 6.