• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.5 Enzimas endógenas

3.5.3 Inativação enzimática

As enzimas podem sofrer desnaturação e inativação. Nesse momento, é importante destacar a diferença entre esses dois fenômenos, às vezes erroneamente usados como sinônimos na literatura. Segundo Kushner (1977), a desnaturação é uma alteração conformacional de uma macromolécula biológica que implica em uma perda reversível ou irreversível de sua capacidade de realizar uma determinada função biológica. A conformação de uma proteína é determinada pelo tipo e pela sequência de aminoácidos na sua cadeia peptídica, que se dobra de modo a minimizar a energia livre (Lumry e Eyring, 1954). Já a inativação propriamente dita representa a perda da atividade enzimática de maneira irreversível.

Através da análise de dados publicados referentes ao mecanismo de inativação de proteínas, Mozhaev e Martinek (1982) elencaram sete principais fenômenos que causam a inativação:

agregação; troca tiol/dissulfeto; alterações na estrutura primária (ex: modificação química de grupos funcionais); clivagem de ligações S-S; dissociação do grupo prostético do centro ativo da enzima; dissociação de proteínas oligoméricas em subunidades; e alterações conformacionais na macromolécula. Esses fenômenos serão brevemente descritos a seguir.

Agregação

A inativação envolvendo a formação de agregados geralmente obedece um mecanismo de duas etapas, atribuído a Lumry e Eyring. Neste mecanismo, apresentado na Figura 3.6, a enzima nativa, N, reversivelmente se desdobra para uma forma desnaturada, D, que ainda pode ser inativada irreversivelmente para uma forma inativa, I (Lumry e Eyring, 1954; Mozhaev e Martinek, 1982; Polakovič e Vrábel, 1996; Van Loey et al., 2003).

Figura 3.6 – Esquema de agregação de proteínas, resultando em inativação.

Fonte: adaptado de Mozhaev e Martinek (1982).

A primeira etapa do mecanismo sugerido por Lumry-Eyring envolve regularidades cinéticas que são inerentes às reações monomoleculares e se devem unicamente a uma alteração conformacional ou desnaturação. Em alguns trabalhos, o estado D foi caracterizado por métodos físicos e foi demonstrado ser diferente da proteína nativa. Na segunda etapa, as moléculas de proteína com estrutura terciária alterada forma agregados à custa de interações não-covalentes (principalmente interações hidrofóbicas e ligações de hidrogênio) (Mozhaev e Martinek, 1982).

Troca tiol-dissulfeto

A Figura 3.7 ilustra o fenômeno de troca tiol-dissulfeto, em que as proteínas podem perder a sua atividade funcional quando grupos SH de diferentes moléculas formam pontes de dissulfeto intermoleculares (Mozhaev e Martinek, 1982)

Figura 3.7 – Esquema de troca tiol-dissulfeto intermolecular.

Fonte: Mozhaev e Martinek (1982).

Alterações na estrutura primária

Uma das causas da inativação irreversível de proteínas é a alteração da sua estrutura primária, como resultado de reações químicas, que podem envolver o rompimento de uma cadeia de polipeptídeo ou modificação de certos grupos funcionais, principalmente como resultado de reações laterais, que muitas vezes são difíceis de prever (Lumry e Eyring, 1954; Mozhaev e Martinek, 1982).

Clivagem de ligações S-S

As proteínas têm geralmente uma ou duas pontes S-S que são mais facilmente quebradas do que outras. Estas pontes têm um papel estrutural muito importante; por exemplo, na molécula de tripsina, elas mantêm a conformação do centro ativo. A redução das pontes S-S pode provocar uma perda de especificidade ou a total inativação da enzima (Mozhaev e Martinek, 1982; Sondack e Light, 1971; Steven e Podrazky, 1978).

Dissociação do grupo prostético do centro ativo da enzima

Há um grande grupo de enzimas que possuem átomos metálicos, aglomerados de metal- enxofre ou grupos prostéticos unidos por ligações não covalentes como parte do centro ativo. Sob condições de desnaturação, a interação da cadeia proteica com o grupo prostético pode se tornar tão fraca que este último se difunde livremente na solução. A dissociação do grupo prostético do centro ativo de uma enzima também pode ser causada por agentes quelantes, que, em ligação com cátions da solução, deslocam o equilíbrio entre os íons metálicos ligados à proteína e íons livres da solução. As enzimas, assim, perdem a capacidade de agir como catalisadores específicos (Mozhaev e Martinek, 1982; Oppenheimer, Green e McKay, 1967). A perda do grupo prostético pode conduzir a alterações estruturais consideráveis e, muitas vezes, à inativação irreversível (Mozhaev e Martinek, 1982).

Dissociação de proteínas oligoméricas em subunidades

A dissociação de proteínas oligoméricas muitas vezes leva a alterações conformacionais nas subunidades, produzindo alterações nas estruturas secundárias e terciárias (Mozhaev e Martinek, 1982).

Alterações conformacionais na macromolécula

O início da degradação térmica de diversos compostos e da maioria das enzimas, geralmente, começa apenas quando certa temperatura é atingida (Corradini e Peleg, 2004). Em altas temperaturas, uma enzima perde suas interações não covalentes “regulares” que suportam a estrutura nativa a temperaturas moderadas e adquire ligações não covalentes “não nativas”. Ao diminuir a temperatura, essas interações não covalentes “irregulares”, embora termodinamicamente instáveis, permanecem por razões puramente cinéticas – a mobilidade molecular das cadeias polipeptídicas deve diminuir. Portanto, a proteína permanece desnaturada, apesar de considerações termodinâmicas, devido à existência de uma conformação metaestável que não permite que a proteína readquira a forma nativa à baixa temperatura (Mozhaev e Martinek, 1982).

Exemplos de inativação da polifenoloxidase e da peroxidase

A perda de atividade da PPO tem sido relacionada a fenômenos de desdobramento/agregação e clivagem da estrutura proteica após análise de permeação por gel HPLC (Manzocco, Panozzo e Nicoli, 2013). Em relação à POD, Lemos, Oliveira e Saraiva (2000) relataram que sua inativação térmica pode ocorrer pela dissociação do grupo prostético (heme) do haloenzima (sistema enzimático ativo), por alterações conformacionais na apoenzima (parte proteica da enzima) ou por modificação/degradação do grupo prostético.

Outro fator importante é o pH do meio. Como as enzimas são catalisadores biológicos, possuem um pH ótimo ou uma região de pH ótimo no qual sua atividade é máxima; no caso de valores extremos de pH, podem desnaturar tornando-se inativas (Nelson e Cox, 2009). Por exemplo, as enzimas PPOs apresentam a faixa de pH ótimo entre os valores de 5,0 a 7,0 e são inativadas em condições de pH menores que 3,0 (Reis, 2007).

Como a PPO não pertence à classe de enzimas termorresistentes, a exposição por curto período de tempo em temperaturas de 70°C a 90°C (relação tempo/temperatura) é suficiente, na maioria dos casos, para a inativação de suas funções catalíticas. Todavia, diversos problemas aparecem em função do uso do calor, como exemplo frutas e verduras tornam-se cozidas, o que

acarreta em mudanças na textura, na cor e no sabor. A relação tempo/temperatura se torna muito importante para conferir o branqueamento eficiente sem que ocorram grandes alterações sensoriais do alimento; entretanto, o processo de aplicação de calor é um fator que depende da quantidade de enzima e do pH do produto (Araújo, 2004).

A inativação térmica da POD é descrita por uma cinética de primeira ordem composta por duas fases lineares; a primeira consiste de uma rápida inativação (isoenzimas de POD termolábeis), seguida de uma inativação lenta (isoenzimas termoestáveis). O estudo de fatores que afetam tal comportamento não linear é importante para o desenvolvimento de um modelo satisfatório de inativação da POD. Em adição, a regeneração da atividade da POD depois do tratamento térmico, devido à recombinação do grupo heme com a apo-peroxidase, é uma característica comum reportada para algumas hortaliças. Esse processo de reativação é importante, uma vez que o aquecimento entre 90 e 125 °C pode resultar em uma atividade máxima da enzima regenerada após 6 dias a 25 °C, como reportado para a POD de aspargo (Rodrigo et al., 1996; Tomás-Barberán e Espín, 2001). Portanto, longos tempos de tratamento térmico para assegurar a inativação da POD, assim como controlar a atividade enzimática durante o posterior armazenamento, são medidas altamente recomendadas (Tomás-Barberán e Espín, 2001); mas, em contrapartida, há maior degradação de nutrientes dos alimentos, assim como maior gasto energético.

Kunitake (2012) estudou a inativação da PPO de caldo de cana, após pasteurizar convencionalmente a bebida acidificada com 4% de polpa de maracujá nas temperaturas de 85 a 95 °C por 30 s. Devido à termorresistência da POD, a inativação ocorreu somente com a aplicação do binômio mais severo (95 °C / 30 s). Por outro lado, Martins et al. (2013) afirmaram que não há necessidade de expor o caldo de cana a um tempo maior do que 80 segundos em banho-maria a 100 °C para que ocorra a inativação enzimática da POD. Os autores concluíram que é viável a obtenção de um produto sem alteração da cor quando for aplicado o tratamento térmico.