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CAPÍTULO 2 INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.3.3 Incluir e dignificar

A inclusão até aqui ventilada trata da ordem de inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Primeiramente, há a necessidade de modelos, ou valores principiológicos que sustentem a igualdade formal e material das políticas públicas em favor daqueles que vivem numa situação desigual perante os outros atores sociais. Posteriormente, trata-se de analisar a efetivação dos direitos destas mesmas pessoas, num alcance capaz de modificar a cultura (ou consciência) de toda a sociedade, e a norma seria um agente de harmonização de tais valores.

Por fim, a inclusão é em nosso entendimento o prestígio da dignidade humana. A inclusão do outro84 é a inclusão do próprio indivíduo. Se desvencilhado deste objetivo torna-

se inócua qualquer tentativa cultural e normativa de inclusão social se o Homem é desprovido de suas capacidades e possibilidades, isto é, se aqueles que são portadores de alguma necessidade especial (e no caso estudado os indivíduos com deficiência) não estiverem em plena possibilidade humana de realizarem-se, em vão seria prestigiar a dignidade humana, pois o elemento fundante deste princípio-postulado estaria ausente: o próprio indivíduo.

84 Apropriamo-nos do termo “inclusão do outro” ao referenciarmos o estudo de teoria política de Jürgen Habermas

em sua obra de mesmo nome. Apesar de o espectro estudado ser um conceito amplo de minorias inatas, entendemos ser válida a lição extraída de seus textos como, por exemplo, a ideia do condicionamento de certos pressupostos como garantia de que o princípio da maioria não seja obstáculo à realização da inclusão de minorias. O exemplo, em proporções tangíveis, pode ser alocado ao nosso trabalho. Segundo o autor, observa-se: “A leitura liberalista da autodeterminação democrática mascara, contudo, o problema das minorias "inatas", que é percebido com maior clareza a partir do ponto de vista comunitarista, assim como do ponto de vista intersubjetivista da teoria do discurso. O problema também surge em sociedades democráticas, quando uma cultura majoritária, no exercício do poder político, impinge às minorias a sua forma de vida, negando assim aos cidadãos de origem cultural diversa uma efetiva igualdade de direitos. Isso tange questões políticas, que tocam o auto-entendimento ético e a identidade dos cidadãos. Nessas matérias, as minorias não devem ser submetidas sem mais nem menos às regras da maioria. O princípio majoritário chega aqui a seu limite, porque a composição contingente do conjunto dos cidadãos condiciona os resultados de um processo aparentemente neutro”. Continua o autor: “O problema das minorias "inatas" explica-se pelo fato de que os cidadãos, mesmo quando observados como personalidades jurídicas, não são indivíduos abstratos, amputados de suas relações de origem”. In HABERMAS, Jürgen - A inclusão do outro:

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O trabalho e emprego são meios elementares de dignificar o ser humano, pois sem ele – sobretudo nos dias atuais – pouco ou nada se pode realizar. Esta situação agrava-se quando tratamos das pessoas com deficiência, pois a própria condição de limitação favorece a exclusão social, e torna a condição de vida daquele que se encontra em necessidade especial um obstáculo real de desenvolvimento de suas capacidades plenas.

A norma, neste sentido, deve proporcionar um poder-dever para a inclusão e consequente dignificação da personalidade do indivíduo. Este poder está a serviço do indivíduo, para a realização fundada na ética e plasmada na própria dignidade da vida humana. Quando houver perigo na realização ou efetivação dos direitos pertinentes à inclusão, o ordenamento (e não mais a cultura) deverá preencher as lacunas injustas perpetradas na sociedade85.

Também, como elemento desafiador, consideramos que a dignidade, sobretudo no plano semântico, foi na História classificada (ou entendida) em dois campos distintos: a dignidade social (ou como status social) e a dignidade da pessoa humana. A primeira exprimia- se juridicamente nas diferenciações emanadas dos privilégios de indivíduos ou grupos, como cargos, imunidades, títulos etc. A dignidade humana também era (e é) reconhecidamente um status elevado, mas está hoje considerada em sua forma generalizada “igualitariamente a todas as pessoas pela simples razão de o serem”86.

Embora haja a observação do enfraquecimento normativo do conceito da dignidade – o que poderia, em princípio, parecer um paradoxo –, alguns autores analisam o fenômeno como efeito da jusfundamentalização da atividade normativa87.

Na base desta narrativa está o problema da inclusão e da dignificação do ser humano. Não é demais acrescentar que modernamente, embora surjam contradições, como as já referidas, a dignidade, ou sua projeção, pode ser percebida como a ideia de igual dignidade, isto é, quando o Estado toma para si as rédeas de tutelar a sociedade e invariavelmente deverá, no plano normativo, por meio de ações afirmativas permitidas, criar as condições para aqueles

85 Em sentido próximo, v. CAMPOS, Diogo Leite de - Nós: estudos sobre o Direito das pessoas, Coimbra:

Almedina, 2004. pp. 128-133.

86 NOVAIS, Jorge Reis. Op. cit., p. 34.

87 Novais, ao estudar o fenômeno entende da seguinte maneira: “No entanto, sem prejuízo da vitalidade dos direitos

fundamentais, não é possível, hoje, deixar de ter em conta que a força especial constitucionalmente reconhecida aos direitos fundamentais, mormente a sua natureza de trunfos oponíveis ao Estado e às maiorias de governo, só é adequadamente compreendida quando se considera e se lhe associa, simultaneamente, o reconhecimento da sua natureza principiológica, ou seja, a sua natureza de garantias limitáveis, ponderáveis, susceptíveis de cederem perante outros valores, direitos e interesses igualmente dignos de protecção em Estado de Direito.Uma concepção pretensamente absolutista da força normativa dos direitos fundamentais virar-se-ia, de tão evidentemente impraticável, contra a efectividade de aplicação das respectivas normas”. Op. cit., p. 94.

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que estão em situação vulnerável (no caso em apreço, as pessoas com deficiência) sejam igualmente dignas (e condignas) para exercerem seus direitos com fruição.

Nos próximos capítulos procuraremos enfatizar os elementos concordantes e discordantes existentes no Direito brasileiro e português sobre a inclusão das pessoas com deficiência e sua relação com o trabalho e emprego. O intuito é, por obviedade, observar e delinear os traços da experiência destes Estados com a evolução histórica absorvida. As ações afirmativas terão posterior relevância para permitir-nos um amplo entendimento das políticas sociais adotadas, e os princípios aqui elencados serão utilizados como parâmetro das garantias fundamentais destes grupos vulneráveis.

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