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O desemprego, a precarização e heterogeneização dos trabalhadores acabaram aumentando as desigualdades e a pobreza, consequentemente o número de pessoas em vulnerabilidade social e econômica. Essa realidade revelou a importância das políticas social e econômica, que por meio da inclusão social e produtiva, consideram-se um fator decisivo no que se refere à criação de ações para oportunizar autonomia e emancipação por meio da geração de trabalho e renda.

As discussões inerentes à assistência social e à inclusão social e produtiva, sobre capacitação e qualificação profissional, apresentam sempre como premissa a vulnerabilidade social em que se encontra uma parte da população brasileira. Assegurar direitos relacionados ao trabalho e à geração de renda dessa população, além da perspectiva de emancipação e cidadania, é uma questão legal, já que o caráter público da criação de uma política deve estar centrado na capacidade dessa política interagir, intervir e elaborar soluções para os fatos cotidianos vividos pela população. “A política pública tem que ser capaz de oferecer proteção e promoção”. (NUNES, 2012, p. 106-107).

É importante mencionar, que a realidade que se observa atualmente revela o distanciamento e a fragmentação das políticas públicas, principalmente as sociais. Elas são idealizadas sob a lógica integrada, mas operacionalizada de forma desarticulada, em que cada ministério se volta a alcançar suas próprias metas. Nesse contexto, a Política de Assistência Social, tem o compromisso de proteger uma parcela significativa da população brasileira marcada por múltiplas expressões da questão social, notadamente pela pobreza e suas decorrentes situações de vulnerabilidade ou risco social. Assim, é fundamental destacar que:

Das conquistas alcançadas na Constituição Federal de 1988, e da LOAS 1993, a Assistência Social, ainda hoje, convive cotidianamente com referências da cultura patrimonialista, tecnocrática e clientelista, do favor, e ocupa um papel de pouca relevância no que tange ao orçamento e ao financiamento. Em relação a essa

convivência entre culturas e políticas com perspectivas divergentes, Couto et al. (2011) apontam para enormes desafios a serem enfrentados pelo conjunto dos sujeitos sociais, principalmente quando a relevância de determinações não se situa somente no campo específico da assistência social; isto é, as determinações sociais abrangem um campo amplo da esfera político-cultural que se espraia no conjunto das relações sociais. No entanto, cada vez mais, a assistência social é entendida e chamada para dar conta das soluções que outras políticas deixaram de atender; consequentemente, agravando o nível de necessidades, aparecem as vulnerabilidades que a assistência social deve dar conta. Entendemos que a Política de Assistência Social deve, assim como está na LOAS, responder pela proteção social, mas para tal deve concorrer a um orçamento público eficiente para que possa cumprir com seus compromissos. (NUNES, 2012, p. 106-107).

Refletir sobre a superação da pobreza de forma emancipatória sob o viés do sistema econômico vigente, remete à questão da inserção no mundo do trabalho em suas múltiplas formas, desde o emprego formal, ao informal e, ainda, na forma associativa, que envolve economia solidária, cooperativismo e desenvolvimento local. Não se afasta deste contexto, a necessidade de qualificação profissional, geração de trabalho e renda. Cabe dizer que ações voltadas aos desempregados fazem parte da história da política pública brasileira. (FERRARINI et al., 2016).

Em consonância com o exposto, Amâncio comenta que:

Desde promulgação da Constituição de 1988 foram sendo construídos os principais marcos legais do setor: LOAS (1993) e SUAS (2005), conferindo à Assistência Social maior centralidade no âmbito da Seguridade Social incorporando em seu público, todo tipo de segmentos populacionais: os considerados inaptos ao trabalho, os temporariamente sem emprego e os inseridos precariamente e sem acesso aos direitos trabalhistas e estabilidade financeira [...]. A partir de 2004, com a implantação do programa nacional de transferência condicionada de renda são alcançadas pessoas com maiores fragilidades no que concerne sua inclusão no mercado de trabalho, buscando proporcionar a eles uma renda mínima para o atendimento das suas necessidades sociais, consideradas básicas, como alimentação e moradia. (2015, p. 75).

O trabalho está no centro das políticas de assistência social reconhecido como um direito social, todavia, não a partir de sua lógica econômica, na perspectiva de uma política social não contributiva. Foi com a retomada do crescimento econômico após 2003, que o próprio mundo do trabalho passou a demandar um contingente maior de trabalhadores, na construção civil, exigindo uma mão de obra qualificada. Assim, mediante este desafio, a política de assistência social se propôs a realizar a inclusão produtiva de seus usuários, objetivando emancipá-los da política por meio da participação em programas de qualificação profissional. Com esse intuito tem início a elaboração e fixação da normatização de nível federal no setor, sobretudo após a aprovação do Sistema Único da Assistência Social - SUAS.

Assim começa na prática a implementação do Programa Brasil Sem Miséria. (AMÂNCIO, 2015).

A assistência social como política pública, em interação com outras, poderá viabilizar proteção e melhoria de vida da população que dela necessitar, é mais do que somente aceitá-la no papel em forma de lei. “Mas, é aplicar recursos financeiros, materiais e humanos, é assumir compromisso, abandonar velhas práticas e respeitar as decisões dos mecanismos de deliberações e de controle social”. (NUNES, 2012, p. 107-108).

Seguindo essa linha de pensar, tem-se que é preciso analisar a evolução da legislação da política de assistência social, identificando suas interfaces com a inclusão produtiva. Surge um caminho para assegurar direitos para a população público-alvo da assistência social, especificamente quanto à elaboração de propostas concretas e efetivas de serem colocadas em prática como mecanismo de desenvolvimento social e conquista de reconhecimento do direito e cidadania. (NUNES, 2012).

Assim, é importante salientar que:

Os CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), como estratégia do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, está inserido na Rede de Proteção Social Básica e tem como principal objetivo o atendimento das comunidades em situação de vulnerabilidade e risco social, na perspectiva de prevenção e promoção das potencialidades destes indivíduos e grupos. Constituindo as estratégias do CRAS está o apoio e fomento à Inclusão Produtiva, bem como, o mapeamento de potencialidades para a articulação das diversas políticas responsáveis pela geração de trabalho e renda. A Política Nacional da Assistência Social (PNAS) traz o desafio da Inclusão Produtiva como uma das estratégias de enfrentamento da pobreza, tendo como principais beneficiários os usuários do Programa Bolsa-Família e seus familiares, os jovens de 16 a 24 anos, os egressos de medidas socioeducativas e famílias em situação de rua [...]. O Plano Brasil sem Miséria do Governo Federal possui como um dos seus principais objetivos promover a inclusão social e produtiva da população extremamente pobre. A Inclusão Produtiva, como ferramenta de gestão da política de Assistência Social, também está referenciada na SESEP – Secretaria Extraordinária para a Superação da Extrema Pobreza. (ORTH; REIS; GUIMARÃES, 2013, p. 1).

Cabe ressaltar que ocorreram discussões quanto à inserção na agenda nacional sobre atribuir ou não a assistência social, “ações de geração de trabalho e renda, qualificação profissional e economia solidária, nos territórios a proliferação dos projetos não permitia mais ignorar a questão”. (SOUZA, 2013, p. 294).

Nota-se, assim que havia uma resistência da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) em aceitar mais essa agenda, fundamentando tal posicionamento na compreensão de que a inclusão produtiva dependia de mudanças estruturais, assim:

De um lado, as pesquisas que registravam tais iniciativas com recursos dos fundos da assistência social, de outro, as agendas estratégicas do governo pressionando na localização e convencimento dos usuários. Desde 2007 os resultados das pesquisas com os CRAS apontam a utilização de recursos da assistência social em ações de inclusão produtiva. Em 2011, no monitoramento realizado pelo MDS, há registro que em 78,9% dos CRAS são desenvolvidos programas ou projetos de capacitação profissional e inclusão produtiva. No topo do ranking das ações mais frequentes estão os cursos de artesanato (83%), os cursos de capacitação profissional para o mercado de trabalho (68%) e o cadastramento para participação em programas de qualificação profissional (49%) (SOUZA, 2013, p. 294-295).

Neste cenário surge a seguinte questão: se não geram renda e não incluem produtivamente por que tais ações vêm ganhando destaque na assistência social? (SOUZA, 2013). É importante mencionar que para esta autora a qualificação profissional precisa gerar renda, caso contrário, não se trata de inclusão produtiva. Neste estudo será adotada a perspectiva de Ferrarini e Wallauer (2015, p. 30) que acreditam que a inclusão produtiva, no âmbito da assistência social, não representa somente a aprendizagem de uma profissão ou o encaminhamento para uma vaga de trabalho. Ela parte do pressuposto de que a renda não pode ser vista como um elemento isolado dentre as inúmeras carências das famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social. Diante disso, a inclusão produtiva é considerada “um processo de fortalecimento de vínculos sociais, acesso a serviços, exercício de cidadania e inclusão em oportunidades mais efetivas de trabalho, com acompanhamento socioeconômico e garantia de renda”. Ela também abrange “processos de informação, encaminhamento e monitoramento de segmentos em situação de pobreza e vulnerabilidade social ao mundo do trabalho, à qualificação profissional e à elevação da escolaridade”.

Assim, a inclusão produtiva não tem a intenção de apressar ou retirar as famílias beneficiárias de programas de assistência social, pois ela é vista como um direito social e o trabalho não é exigido como contrapartida, como ocorre na experiência das políticas de ativação europeias3. Nesse sentido, “a inclusão produtiva não é porta de saída, mas travessia para outras políticas, de forma simultânea e amparada”. O desligamento do programa não é o propósito da inclusão produtiva, entende-se que esse deve ocorrer de forma natural através do aumento de renda, porém esse não pode ser o único critério e nem ser avaliado de forma isolada. (FERRARINI; WALLAUER, 2015, p. 31).

Em alguns casos, o receio da perda do benefício leva muitas famílias a abrirem mão de oportunidades econômicas e direitos trabalhistas que poderiam contribuir para a sua

3 São políticas que “exigem às pessoas que trabalhem em troca, ou em vez, dos subsídios da assistência social. Estas medidas visam, em primeiro lugar, ir ao encontro da luta contra a ‘cultura de assistência’ em que o sistema de ajuda social encerraria os mais desfavorecidos. [...]”. (LAVILLE, 2000, p. 142).

emancipação e autonomia. Ferrarini e Wallauer (2015) comentam que esses receios são entendíveis pela falta de informações sobre as oportunidades econômicas e sobre os dispositivos da política pública, que foram articulados para que essa alteração ocorra de forma cidadã. Assim, as mesmas autoras informam que:

O desligamento voluntário é um desses dispositivos e está previsto na Instrução Operacional nº 48 de 13/10/2011 do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)/Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC), sendo definidos como o momento em que a beneficiária responsável pela unidade familiar, ao seu próprio julgamento e em virtude do aumento da renda per capita familiar, mesmo que temporariamente, não necessitar mais do reconhecimento dos benefícios Programa. [...] O documento também prevê que, caso a beneficiária volte a precisar do benefício, retorne de maneira imediata a recebê-lo, procedimento denominado de “Retorno Garantido”. O período de reversão do cancelamento por desligamento voluntário é de 36 meses (MDS/SENARC) [...]. (FERRARINI; WALLAUER, 2015, p. 31-32).

Pode-se dizer que no âmbito da assistência social, a inclusão produtiva está vinculada à realização de cursos de capacitação, os quais se direcionam tanto para a inserção no mundo de trabalho, como para o empreendedorismo. Identificam-se ações voltadas a centralidade da qualificação profissional, com objetivo de reduzir as vulnerabilidades sociais por meio de capacitação profissional, todavia ainda existem obstáculos relacionados às deficiências em recursos humanos, infraestrutura e pouca adesão aos cursos. Essa realidade contribuiu para a criação do Programa Nacional de Promoção do Acesso ao Mundo do Trabalho (Acessuas Trabalho), a este compete “[...] à assistência social, a mobilização, encaminhamento e acompanhamento dos usuários em situação de vulnerabilidade e risco social para acesso a cursos de capacitação, bem como a formação profissional e demais ações de inclusão produtiva”. (SOUZA, 2013, p. 295).

Para alcançar maior êxito no Brasil Sem Miséria, em seu eixo inclusão produtiva, no ano de 2012 foi criado, pela resolução nº 18 do CNAS, o Acessuas/Trabalho. Esse programa buscou reduzir a sobrecarga de trabalho das equipes dos CRAS em função do Pronatec. Além das ações de articulação, mobilização, acompanhamento, encaminhamento, esse programa também podia intermediar a inserção das pessoas em situação de pobreza e qualificadas nos cursos oferecidos pelo Pronatec para o mundo do trabalho. (AMÂNCIO, 2015). Assim, a mesma autora ainda afirma que:

O ACESSUAS/Trabalho realiza uma importante inflexão na gestão de políticas de inclusão produtiva no interior da assistência social ao definir mais claramente as competências das equipes socioassistenciais nesta direção. A definição de tais

tarefas, sobretudo de acompanhamento dos alunos e de encaminhamento para os cursos do Pronatec e para outras políticas sociais que possam auxiliá-los na conclusão dos cursos e no ingresso ao mercado de trabalho e ao empreendedorismo significa um avanço na gestão da inclusão social na assistência social por garantir recursos específicos, delimitar equipes exclusivas e possibilitar o planejamento mais coerente de ações. (AMÂNCIO, 2015, p. 87).

Vale dizer que o método para desenvolver novas técnicas de inclusão social e produtiva consiste na devida implementação do SUAS, tendo os sujeitos, usuários da política, como personagens principais e participantes de sua gestão. O principal obstáculo da Política de Assistência Social é gerar e assegurar meios mais efetivos de participação e controle dos cidadãos para que se possa construir uma nação mais participativa e democrática. (ORTH; REIS; GUIMARÃES, 2013).

Concorda-se com Ferrarini et al. quando dizem que:

É imprescindível para que indivíduos em situação de pobreza e vulnerabilidade social acessem o mundo do trabalho. A inclusão produtiva tem característica intersetorial justamente porque não depende apenas de oportunidades de trabalho. O acesso integral e efetivo às oportunidades disponíveis se dá quando as demais necessidades, que impedem esses cidadãos de ingressar de forma emancipatória no mundo do trabalho, são sanadas. O público alvo destas políticas tem demanda de diversas áreas, como educação (creches ou aulas de turno integral, por exemplo); habitação (por morar em domicílios precários em locais de alto risco de contaminação ou de enchente) e saúde (na espera por alguma cirurgia ou dependência de tratamento), além de inúmeras outras. (2016, p. 243).

As políticas sociais, ao valorizarem a ideia de inserção por meio do emprego, transfiguram-se de “passivas” em “ativas”. Num Estado-Providência4 ativo, a participação no mundo de trabalho é vista como indissociável do processo de inserção social na sociedade moderna. O Estado ativo deve garantir aos mais pobres o trabalho, a manutenção de um lar livre de violência e a frequência regular à escola. (MOSER, 2011).

De acordo com Ferrarini (2016) as políticas de ativação, apesar das diversas críticas quanto aos seus fundamentos e implementação e de não ter atingido objetivos tão audaciosos, estão se disseminando amplamente. No Brasil, a inclusão produtiva tem sido vista como uma política social de ativação, suscitando um conjunto de análises e controvérsias.

Com o objetivo de viabilizar a inclusão social e produtiva emerge o Pronatec, programa coordenado pelo Ministério da Educação (MEC) e criado pela Lei n. 12.513/2011.

4 O termo “Estado-Providência” é utilizado por autores portugueses, porém seu uso não é único na literatura. Outros escritores utilizam outras terminologias como Welfare State, “Estado Social” e “Estado de Bem Estar”, para designar uma organização política e econômica que coloca o Estado capitalista como agente regulador das políticas sociais. (MOSER, 2011).

O programa oportuniza de forma gratuita a qualificação profissional para pessoas inscritas ou em processo de inclusão no CadÚnico na modalidade Bolsa-Formação Trabalhador, na forma do FIC. (AMÂNCIO, 2015). O público alvo do programa abrange os mais vulneráveis socialmente e devido a sua importância, será tratado com maior profundidade no decorrer deste estudo.