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5.4 Vivências na prática

5.4.1 Incorporação do aprendido na prática

Nessa subcategoria, os participantes do estudo relataram a incorporação e aplicação do conhecimento no contexto de trabalho.

Os entrevistados exemplificaram casos de incorporação dos conhecimentos adquiridos nos cursos, relacionando às mudanças das práticas na produção do cuidado em saúde. Percebe-se que os relatos são vinculados, em sua maioria, ao conteúdo programático dos cursos realizados.

A incorporação do aprendido na prática foi associada, pelos profissionais, a aspectos mencionados na análise das duas categorias anteriores, especialmente em relação às subcategorias “busca por qualificação profissional” e “conhecimento para a prática profissional”.

Os participantes entendem que os cursos permitiram a atualização teórico-técnica que contribui para o fazer profissional. Mencionam que o conhecimento adquirido no curso possibilita o agir profissional embasado no aporte teórico, resgatando condutas e dando mais segurança ao trabalhador.

De adolescente em risco que eu não sabia como encaminhar, porque tem coisas que são do serviço social e às vezes a gente não conhece, como não tem aqui, aí outra pessoa que falou que existe a lei tal que ampara esta atitude, que você pode estar procurando junto ao CRAS [Centro de Referência da Assistência Social], alguma coisa assim, que você consegue dar andamento (JF11).

Eu deparei com o caso de uma senhora que o conteúdo do curso me fez lembrar bem quais as atitudes que eu tinha que fazer. Não só no cuidado, mas no serviço que tem direito, as bolsas, a parte toda (JF3).

A questão do uso dos fitoterápicos que antes eu trabalhava com um fitoterápico só, depois, com as informações que eu tive no curso eu comecei a trabalhar com outros, eu tive mais segurança para estar prescrevendo outros fitoterápicos (MOC2).

Os discursos dos entrevistados permitem identificar que para alguns trabalhadores o conhecimento adquirido nos cursos é inserido no campo da prática da assistência. A melhoria na atenção prestada ao usuário é enfatizada pelos entrevistados vinculada, por exemplo, à abordagem e condução dos casos, inclusive sendo possível verificar o reconhecimento dos usuários atendidos e beneficiados.

O de Saúde Mental com certeza mudou muito na minha prática, muito, muito mesmo, principalmente em relação à escuta mesmo, a essa posição que a gente ocupa de redutor de danos dentro da saúde mental, como um todo, na rua, no serviço extramuros (MOC6).

Quando uma gestante deu mastite, aí estava sofrendo demais com febre, sabe, aí fui lá com a enfermeira, nós começamos a fazer um trabalho com ela e aí ela melhorou da mastite, foi curada, não precisou ficar internada e a partir daí ela passou a ter mais cuidado. Foi falta de cuidado mesmo que levou ela a desenvolver a mastite e graças a Deus nós conseguimos resolver de uma forma bem, sabe, precisa, e ela ficou muito satisfeita, até hoje ela fala "graças a Deus, se não fosse vocês eu não sei o que seria de mim, porque eu não sabia, era o primeiro filho, eu não tinha experiência", então assim, ajudou muito, ela dá testemunho para a gente direto (MOC3).

Teve principalmente na questão dos hipertensos, diabéticos e doente renal crônico, eu gostei muito, vamos falar assim, do conteúdo, eu melhorei bem a minha parte clínica assim, de associar os medicamentos, de vamos supor assim, aguardar um pouco mais, insistir mais com o paciente para ele, em cima assim, de dieta, de atividade física, mudança de hábito de vida, principalmente isso (UBL7).

Também foram manifestados exemplos voltados para a melhoria da organização do processo de trabalho, em especial a respeito dos fluxos de referência e contrarreferência, definições de critérios e acompanhamento dos serviços prestados e incorporação de novas ferramentas no processo de trabalho, relatadas por alguns entrevistados.

Eu vejo principalmente isso na própria classificação de risco que eu acho que foi o que impactou mais para a gente, porque às vezes você fazia uma avaliação do paciente, mas não tinha tanto este critério definido (MOC11).

Um exemplo assim mais prático, por exemplo, do Hiperdia, foi um que eu fiz, na temática do curso fala da escala de classificação do paciente, eu peguei aquela escala, discuti com minha equipe, entendeu, porque muitas vezes a gente assume caso que não é para estar com a gente, ou se a gente assume, também a gente precisa da parceria para fazer a contra referência, eu sempre tento fazer alguma coisa (JF17).

O curso de Atenção Primária também abriu outros horizontes, até para ferramentas de gestão mesmo, de supervisão, de organização do serviço, ajudou bastante (MOC12).

Os cursos contribuíram para a qualificação profissional dos respondentes, auxiliando no desenvolvimento das ações de capacitação interna que são realizadas entre os membros da equipe de saúde, bem com as ações de educação em saúde implementadas no território.

Tem conhecimento do Canal Minas Saúde que ajudou na prática, por exemplo, o curso Gestão da Clínica, o protocolo de hipertenso e diabético que melhorou o atendimento, a classificação de risco individual, teve várias coisas assim, o curso

de aleitamento materno para treinar a equipe direitinho. Auxilia na capacitação dos outros profissionais da equipe também (UBL5).

A partir disso até a gente começou a fazer um trabalho com adolescentes aqui na unidade, a gente chegou a fazer um grupo com adolescentes, foram pouquíssimos, foram uns cinco adolescentes só que vieram nesse primeiro grupo. Eu até trabalhei a questão da droga baseado no curso que eu fiz. Eu tirei as informações, montei slides, sabe, apresentação em power point para eles, com base no curso Prevenção em Pauta (JF1).

Contudo, alguns profissionais aduzem que a participação no curso contribuiu para a reorganização de seu processo de trabalho de forma mais ampla e não vinculada aos conteúdos específicos. Alguns reconhecem a importância dos cursos na instrumentalização para o acolhimento e dinâmica de funcionamento da rede.

Não vou falar assim que mudou a minha prática, mas complementou a minha prática (UBL6).

Eu aprendi a fazer uma anamnese muito mais elaborada e os encaminhamentos também. Conhecendo a rede eu consigo encaminhar melhor, eu consigo saber o que está acontecendo (UBL2).

Acho que foi na escuta mesmo, tem hora que eu sentava nos bancos lá com os pacientes para fazer a acolhida deles [...] Ensinou que a gente deve ter esta prioridade do escutar, que é o acolhimento em si, acolher cada ser humano de acordo com a faixa etária dele para a gente identificar o problema chave dele (MOC4).

Por meio dos discursos tem-se a indicação de que os cursos ofertados pelo Canal Minas Saúde geralmente têm sido realizados de forma programática e verticalizada, relacionados aos programas da SES/MG.

Infere-se que isso está relacionado à forma como os mesmos são formatados: cada área técnica da SES/MG, ao identificar a necessidade de desenvolvimento de uma prática educacional, preenche um formulário, informando a proposta político-pedagógica do curso a ser elaborado. Tal proposta contempla a identificação da prática educacional, o detalhamento do curso que pretende ser ofertado, contendo, inclusive, a estrutura curricular e metodologia a ser seguida, até os métodos de avaliação e resultados esperados. A equipe do Canal Minas Saúde avalia a proposta, faz as considerações pertinentes e devolve para a área técnica para adequações, quando necessário. Após, a área técnica elabora uma minuta de deliberação para discussão da aprovação do curso pela Comissão de Integração Ensino Serviço (CIES). Aprovado o curso, os trâmites para execução do mesmo são iniciados, seguindo o previsto no cronograma contido na proposta político-pedagógica do curso.

Ressalta-se, ainda, que a percepção dos participantes deste estudo sobre a mudança na prática profissional é semelhante ao encontrado no estudo de Silva, Ogata e Machado (2007). Estes encontraram que os trabalhadores veem os cursos como importantes para sua atualização profissional, por meio do conhecimento de inovações, esclarecimentos e fundamentações teórico-práticas que podem conduzir para a melhoria da qualidade do cuidado, de sua oferta, de seu consumo e reprodução no cotidiano dos serviços de saúde.

No estudo das autoras, os discursos da maior parte dos gestores entrevistados indicam que a representação da capacitação pode ter dimensão mais ampliada no momento em que alguns participantes a percebem como mecanismo potente para transformar a prática profissional por meio da aquisição de novas habilidades e compartilhamento dos novos conhecimentos com a equipe (SILVA; OGATA; MACHADO, 2007).

Para Jesus et al. (2011), os trabalhadores que estudam compreendem a capacitação como uma oportunidade de aquisição de conhecimento científico para orientar os cuidados, valorizando a base científica da assistência.

Apesar da manifestação dos entrevistados acerca da contribuição dos cursos para a mudança nos processos de trabalho e no cuidado às pessoas, os impactos gerados pelos cursos estão em sua maioria vinculados à atuação individual dos trabalhadores na atenção à saúde, não envolvendo a equipe e com grande significado no aprimoramento técnico- profissional.

Assim, evidencia-se a necessidade de o Canal Minas Saúde priorizar alternativas que possibilitem a aprendizagem coletiva a partir das práticas e do trabalho para se tornar uma ferramenta para implementação da EPS. Ceccim e Feuerwerker (2004) asseveram que a EPS é uma estratégia para a gestão de coletivos.