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INCUBAÇÃO E TECNOLOGIA SOCIAL

No documento Secretaria Nacional de Economia Solidária (páginas 128-136)

1. ANÁLISE DAS INCUBADORAS

1.3 INCUBAÇÃO E TECNOLOGIA SOCIAL

A sociedade, em geral, ainda não se apropriou do deba- te em torno da importância que tem a Ciência e a Tecnologia para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Quando se pensa e discute a necessidade de construir outro modelo de desenvolvimento, é comum ouvir que é pre- ciso considerar suas múltiplas dimensões, o que está correto. Fala-se, por exemplo, que não é possível promover desen- volvimento sustentável sem investir em educação, saúde, ha- bitação, produção de alimentos saudáveis, energias renová- veis, em uma economia de baixo carbono, cooperação, enfi m, que é necessária uma atuação em todas essas dimensões, preservando o planeta.

Mas não se inclui nesse discurso que é preciso repensar o padrão científi co e tecnológico vigente, para que ele esteja em sintonia com esses anseios. Ou seja, não é possível cons- truir um mundo mais sustentável sem que haja investimento em uma concepção e uma política de Ciência e Tecnologia que deem sustentação e condições a que esse novo modelo se implemente.

A tecnologia que vem sendo produzida ao longo dos tempos tem sido elemento importante da construção de uma sociedade desigual e da insustentabilidade do planeta.

Pensar em outro tipo de sociedade implica em construir outro tipo de tecnologia, partindo de formas diferentes de de- senvolvê-la, pois, do mesmo jeito que o problema da exclusão social está relacionado com a ciência e a tecnologia, estas podem desempenhar papel importante para a construção de um mundo melhor.

Os atores sociais envolvidos com a Economia So- lidária já fazem essa discussão há vários anos, havendo

reconhecimento da necessidade da existência de uma matriz científi ca e tecnológica comprometida com os seus desafi os e com um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e includente.

Como já se sabe, os Empreendimentos da Economia Solidária (EES) ainda apresentam algumas fragilidades, sen- do uma das mais recorrentes, segundo eles próprios, o aces- so a conhecimentos e tecnologias voltados ao fortalecimento e à viabilidade desses empreendimentos.

Mas não se fala de qualquer tecnologia. A Plataforma da Economia Solidária qualifi ca que a tecnologia a ser de- senvolvida e utilizada pelos EES deve “respeitar a cultura e os saberes locais, agregar-lhes valor e garantir a melhoria da qualidade de trabalho, de saúde e de sustentabilidade am- biental dos empreendimentos”.

Segundo Roberto Silva e Maurício Faria (2010)16, essa

perspectiva foi reforçada no documento fi nal da IV Plenária Nacional de Economia Solidária: “A tecnologia é fundamental para a sustentação da Economia Solidária, sobretudo porque se percebe que dela depende todo um padrão de avanço tec- nológico que garante e dá sustentabilidade aos bens e servi-

ços por ela produzidos” (FBES, 2008, p.24)17.

É importante perceber que, para desenvolver uma tec- nologia assim, desde a sua concepção até a sua aplicação, deve-se ter incorporado uma “intencionalidade de inclusão social e desenvolvimento econômico-social e ambientalmente sustentável. Para tanto, cada tecnologia deve ser defi nida de acordo com o contexto, pela relação particular da tecnologia

16 SILVA, Roberto Marinho Alves da; & FARIA, Maurício Sardá de. Tec-

nologias Sociais e Economia Solidária.Tecnologia Social e Desenvolvi- mento Sustentável, p. 65 a 70, 2010, RTS.

17 Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Disponível em: www.

com a sociedade e envolvimento dos atores interessados.”

(FONSECA, 2010)18.

À “solução” decorrente desse processo de forte intera- ção entre atores, a Rede de Tecnologia Social (RTS) chama Tecnologia Social. Para a RTS, portanto, o conceito de Tec- nologia Social compreende “processos, técnicas e metodo- logias, reaplicáveis, desenvolvidos em interação com a co- munidade e que represente efetiva solução de transformação social”

Entende-se como tecnologia, a partir desse conceito, não apenas o artefato, mas também o sistema de conhe- cimentos e a organização necessária para desenvolvê-la e utilizá-la.

O resultado da aplicação e reaplicação dessa tecnologia se dá na sua apropriação e na melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas, da coletividade, e não com ganhos privados garantidos pelo Estado, por meio da “propriedade intelectual”. A TS cumpre seu objetivo se conseguir ser repro- duzida, renovada, recriada.

Nessa perspectiva, as incubadoras de empreendimen- tos solidários são um ambiente ideal e apropriado para esti- mular o desenvolvimento e a disseminação de novas tecno- logias sociais, voltadas às demandas dos EES. Para Silva e Faria (2010), as instituições de ensino superior (universida- des e centros tecnológicos) podem desempenhar um papel central na estratégia de desenvolvimento de uma nova matriz tecnológica, buscando a ligação entre o conhecimento cientí- fi co com os valores éticos, sociais e ambientais.

18 FONSECA, Rodrigo. Ciência, Tecnologias e Sociedade.Tecnologia So-

A visão das Incubadoras de Empreendimentos Solidários

O tema das tecnologias sociais está presente, embora ainda de forma pouco aprofundada, no ambiente das incu- badoras de empreendimentos solidários que fazem parte do PRONINC. De acordo com a Tabela a seguir, cerca de 72% das que foram visitadas durante o processo avaliativo, reali- zado em 2010, afi rmaram ter gerado ou usado alguma tecno- logia social em suas atividades.

Ao identifi carem que tipos de TS utilizaram ou desenvol- veram, praticamente metade das incubadoras respondeu ter trabalhado com metodologias e a outra metade com artefatos produtivos.

TABELA 25 - EMPREENDIMENTOS GERARAM OU USARAM ALGUMA TECNOLOGIA SOCIAL?

% INCUBADORAS CASOS VÁLIDOS

Sim 38 71,7% 73,1 Não 14 26,4% 26,9 Total 52 98,1% 100,0 A u s ê n c i a de resposta 1 1,9% - Total 53 100,0% -

Vale ressaltar que as próprias metodologias utilizadas pelas incubadoras para apoiar os empreendimentos de Eco- nomia Solidária são consideradas exemplos de tecnologias sociais reaplicadas em todo país, nas universidades. Afi nal de contas, são metodologias reaplicáveis, desenvolvidas em interação com a comunidade e promotoras de transformação social, tendo, portanto, em si, todos os elementos do conceito de TS.

Para além das metodologias de incubação (e desincu- bação) desenvolvidas e reaplicadas pelas incubadoras, foram

citadas várias outras tecnologias sociais nas respostas à questão 5.13 do Questionário (“Uso de tecnologias sociais: Os empreendimentos incubados geraram ou usaram alguma tecnologia social?”)

As respostas trouxeram a esse processo avaliativo uma importante contribuição, na medida em que revelam o quão presente o tema se encontra hoje, e exemplifi cam as dezenas de tecnologias sociais já desenvolvidas/utilizadas pelas incu- badoras e empreendimentos solidários (ver Anexo VIII).

Aprofundando a discussão sobre o papel da incubadora no que concerne ao desenvolvimento das tecnologias sociais, veio à tona o entendimento de que não é ela (ou não deveria ser) a responsável por esse importante papel no ambiente universitário, pois não tem corpo técnico para esse fi m. O pa- pel da incubadora deve ser mais de difusora tecnológica.

Deveria ser a partir da relação entre incubadora e de- mais instâncias e ambientes das universidades - principal- mente com os professores e professoras, alunos e alunas pesquisadores - que as tecnologias sociais passassem a ser geradas, em um processo interativo, de diálogo permanente.

Às incubadoras e empreendimentos incubados caberia, então, a apropriação do conhecimento gerado e sistematiza- do, a partir desse diálogo.

No entanto, essa não é a realidade observada na maio- ria das universidades. Segundo relato de alguns professores, o acesso dos empreendimentos, a partir de seus conheci- mentos e demandas, aos laboratórios e à maioria dos pesqui- sadores, ainda é muito difícil.

O que acontece, então, na maior parte das vezes, é que as inovações são incorporadas às tecnologias existentes, ade- quando-as ao máximo ao uso dos empreendimentos. E tam- bém o desenvolvimento, por parte das próprias incubadoras,

de tecnologias sociais voltadas às melhorias do processo de produção e à gestão. Mas ainda não se percebe o envolvi- mento das universidades, como um todo, no desenvolvimento de novos produtos ou equipamentos para melhorar ou incre- mentar o processo produtivo dos EES incubados.

Há, inclusive, muitos temas demandados pelos empre- endimentos às incubadoras, que não encontram referência de pesquisa na própria universidade, demonstrando que há um distanciamento do foco das pesquisas existentes em relação a esse tipo de empreendimento.

Alguns grupos conseguem uma aproximação, mas a maioria não. Por vezes, esse contato é iniciado quando a in- cubadora é percebida como objeto de pesquisa, gerando a produção acadêmica de dissertações e teses sobre Econo- mia Solidária, e tendo as experiências de incubação como casos, o que não signifi ca que as demandas tecnológicas dos empreendimentos sejam consideradas e abordadas, tampou- co que se transformem em novos temas de pesquisa.

Outro fator importante a ser considerado nessa análise é que as próprias incubadoras que têm desenvolvido tecno- logias sociais – sejam metodologias, processos ou produtos – não as registram e sistematizam. O olhar dessas organiza- ções e também o foco das políticas públicas de apoio à incu- bação não incentivam o desenvolvimento tecnológico, nem aportam recursos fi nanceiros para esse fi m, tampouco para o processo de sistematização e compartilhamento do que já vem sendo feito.

De toda forma, quando se vai a campo, observa-se a existência de alguns professores, das mais diversas áre- as, que têm se aproximado e participado das incubadoras, contribuindo com o processo a partir de seus conhecimen- tos específi cos e com a sistematização do conhecimento gerado com o trabalho da incubadora e sua relação com os

empreendimentos incubados. Pode-se observar alguns des- ses exemplos relatados a seguir.

Há que se considerar ainda que existe uma discrepância entre os tempos de incubação e o de pesquisa e o desenvol- vimento de uma tecnologia. Por isso, para além da importân- cia do investimento em tecnologias sociais nas universidades, também deve ser valorizada, segundo alguns professores en- volvidos com incubadoras de empreendimentos solidários, a dedicação ao processo de apropriação, por parte dos EES, de uma tecnologia já existente.

Algumas propostas e sugestões ao PRONINC

Considerando o cenário descrito, pode-se afi rmar que os gestores, professores e estudantes têm preocupação e vontade de que seja aprofundada a relação entre os EES, as incubadoras e a universidade como um todo. Esses atores veem na tecnologia social uma forma por meio da qual essa aproximação pode acontecer e se consolidar.

Para que isso aconteça, é consenso que deve haver re- cursos fi nanceiros específi cos que permitam à universidade, por meio das incubadoras, investir no desenvolvimento de tecnologias sociais, pois, no Brasil, segundo a percepção dos atores envolvidos, a Ciência e a Tecnologia foram (e são) his- toricamente focadas na viabilidade e fortalecimento do merca- do, sem considerar a grande maioria da população, organiza- da ou não, e dos EES com suas necessidades e demandas.

Uma forma de contribuir para mudar essa realidade é o Ministério da Ciência e Tecnologia e a FINEP, por meio do PRONINC, passarem a considerar, de fato, Tecnologia Social como um eixo estruturante do Programa. A partir desse enten- dimento e de sua formalização, devem lançar editais de fl uxo contínuo, voltados para:

1. Desenvolvimento de novas tecnologias sociais, sejam elas metodologias ou tecnologias, voltadas diretamente à produção, por meio de consultorias específi cas;

2. Sistematização das tecnologias sociais desenvolvidas, para que, assim, possam ser compartilhadas com outras incubadoras e universidades;

3. Adequações e inovações tecnológicas, tendo como base tecnologias já existentes.

No documento Secretaria Nacional de Economia Solidária (páginas 128-136)

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