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INDÍCIOS SOBRE COMO O LIVRO TORNA-SE VISUAL

3. SOBRE LIVROS DE ARTISTA

3.2. INDÍCIOS SOBRE COMO O LIVRO TORNA-SE VISUAL

Qualquer disciplina que se preste a pesquisar seja qual for o evento, necessita sempre contextualizar. No campo artístico, compreendemos que o desenrolar de raciocínios estéticos, poéticos e políticos, conhecidos como movimentos ou vanguardas artísticas, possuíram relações, mais ou menos estreitas, com eventos ou situações anteriores a eles. Didaticamente é comum encontrarmos um desenrolar histórico linear dos acontecimentos. Entretanto, devemos encarar essa sucessão de eventos de maneira não-linear, mas como Cecília Sales nos propõe olhar para o processo de criação do artista: como uma gigantesca rede de eventos, de alguma forma, conectados.

O processo de construção da linguagem do livro, no campo das artes visuais, no ocidente, acaba por coincidir com a difusão do suporte livro ou livro- referente nas construções e abordagens visuais no campo poético e literário.

É complicado apontar como e quando, exatamente, uma tendência artística nasce, pois esta é, assim como a obra de arte que a “inaugura”, também parte de um processo de criação. Quando um ou mais artistas passam a dialogar, conceitual e plasticamente, sobre usos de materiais ou suportes, ou mesmo formas de pensar, seus trabalhos podem já possuir certa inclinação para o caminho apontado, bem como pode levar ainda algum tempo até que sejam maturados e possam ser nomeados ou enquadrados naquela nova forma de pensar. Por esta razão Johanna Drucker prefere conceber a existência de pontos simultâneos de origem para a utilização do livro como suporte plástico.

Em termos internacionais, poderíamos apontar que o surgimento dos livros de artista contemporâneos estaria fixado nas vanguardas artísticas do início do Século XX, como o dadaísmo, surrealismo, o futurismo e o construtivismo russo, como Parole in liberta futuriste: tattili-termiche olfative (1932) de Tullio d’albissola e Filippo Tommaso Marinetti ou a Caixa verde (1934) de Marcel Duchamp. Contudo, é a partir da metade do Século XX que, sistematicamente, passam a surgir trabalhos neste campo: o Grupo CoBrA na Dinamarca, Bélgica e Holanda; os Letristas Franceses; o FLUXUS, que incorpora a música experimental, performance e outras forma não tradicionais de arte ao livro; e os poetas concretos no Brasil (SOUSA, 2009). A autora

Figura 17 - Tullio d’Albisola e Filippo Tommaso Marinetti, Parole in libertà futuriste: tattili-termiche olfative (1932);

também localiza que existem contribuições mais antigas em se tratando de livros de artista

Publicado dentro dos padrões tradicionais da leitura, Um Coup de Dés..., como visto, foi, inicialmente, pensado para ser apresentado em folhas duplas, como as de um livro aberto, condensando, assim, uma fluência musical à sua leitura. Com este poema, Mallarmé inaugura no ocidente não só uma maneira inovadora de utilizar as palavras em sua visualidade, mas também em uma forma diferenciada de leitura que, até então, só era concebida página por página (GARCIA, 2006a).

El Lissitsky, arquiteto e artista construtivista russo, afirmava, no início do século XX, que o livro (o objeto livro) deveria possuir uma eficácia de obra de arte. (GARCIA, 2006a). Mas qual seria esta eficácia? Compreendemos que El Lissitsky gostaria de encontrar em um livro, ou mesmo um livro em sua totalidade, não apenas textos que pudessem desencadear uma leitura, ao mesmo tempo, poética e enriquecedora, mas também aspectos do sublime e não objetivo, que uma obra de arte poderia constituir. Um bom exemplo desta interseção pode ser o livro simultâneo (SILVEIRA, 2008) La Prose Du

Transsibérien et de La petite Jehanne de France (1913) -, uma parceria entre Sonia Delaunay-Terk e Blaise Cendrars. Este livro, que mede quase dois metros de altura, possui em sua margem esquerda uma cascata de formas coloridas, orgânicas e geométricas. À direita, o texto de Blaise Cendrars reconta a viagem de trem que ele fizera de Moscou ao Mar do Japão, em 1904. A relação dialógica entre o texto e a composição abstrata que compõe o livro não se dá mais pela via da representação ou mera ilustração. Aqui podemos perceber que não há uma relação de subordinação em qualquer das vias expressivas. Na Rússia, entre as décadas de 1910 e 1920, artistas plásticos e poetas passaram a trabalhar o livro sob diferentes perspectivas e efetivamente pensando sua visualidade enquanto objeto, texto e obra plástica (GARCIA, 2006a).

Os ideais revolucionários juntamente com a rejeição às convenções acadêmicas, tanto para as artes plásticas quanto para com a literatura, propuseram liberdade criadora aos artistas modernos. A produção russa de livros no início do Século passado foi intensa e diversa, tanto em uso de materiais quanto à estrutura visual final do empreendimento, numa busca por

Figura 18 - Sonia Delaunay-Terk e Blaise Cendrars, La Prose Du Transsibérien et de La petite Jehanne de France (1913)

uma subversão ou renovação estética do livro. Foram utilizadas tipografias variadas, caligrafia, colagem (inclusive de papéis rasgados), litografia, tamanhos de paginas diferenciados, carimbos. Em meio a tantas possibilidades criadoras, Vasilii Kamenskii e Andrei Kravtsov lançam, em 1914, um livro pentagonal intitulado Nu entre os vestidos (GARCIA, 2006a). Este livro combina o texto, privilegiando o seu aspecto visual, e imagens. Essa combinação não se dá apenas por desenhos realizados em suas páginas, mas também pelo fato de que as folhas utilizadas na confecção deste livro eram retalhos de papel de parede.

Em 1923 El Lissitsky publica Para a voz. Neste livro algumas formas geométricas e algumas formas figurativas dialogam com poemas de teor revolucionário de Vladimir Maiakovsky. Lissitsky resolveu, possivelmente para facilitar a busca pelos poemas e imagens de seu livro, encaderná-lo como uma caderneta telefônica: a margem direita do livro é recortada de forma que cada imagem/poema é identificado e acessado de forma rápida a partir de um ícone e algumas palavras. El Lissitsky ocupa um papel proeminente no desenvolvimento do design gráfico moderno (GARCIA, 2006a).