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2. PESQUEIRA: PARA ENTENDÊ-LA

2.2. A Indústria

A cidade de Pesqueira viu surgir, crescer e declinar as suas tradicionais indústrias alimentícias. Sobre essa atividade industrial podemos afirmar que não houve um processo de industrialização, mas sim, a criação de algumas indústrias, pois, segundo Gabriel Conh, a industrialização “é um conjunto

de mudanças, dotado de uma certa continuidade e de um sentido. Seu sentido é dado pela transformação global de um sistema econômico-social de base não- industrial (...). é por operar num sistema que a industrialização implica em um conjunto articulado de mudanças (...)” (COHN in MOTA, 1980, p. 283). A

industrialização, ainda segundo o autor, tem raízes profundas e nem sempre se traduz em imediata criação de indústrias. Porém, uma vez instaurada, configura-se num movimento irreversível.

Assim, dentro desse raciocínio, concluímos que Pesqueira viveu um surto industrial, uma vez que para o autor referido acima,

unidades manufatureiras isoladas do contexto econômico-social global e condenadas, por isso, a serem reabsorvidas (...)” (Ibidem, p. 284).

Além disso, é importante considerar que as necessidades de acumulação do capital, calcadas em relações de dominação e subordinação, gestam o desenvolvimento desigual entre setores de atividade, espaços e pessoas, que, no decorrer do processo capitalista mudaram de forma, mas mantiveram a essência, assegurando sempre a reprodução ampliada da dependência. Este tipo de desenvolvimento forma uma unidade contraditória, mas indissolúvel no capitalismo, que é a característica fundamental do processo de acumulação. A lógica de dominação e subordinação entre as partes, encontra-se na lógica de desenvolvimento do sistema capitalista de produção, que acumula riqueza de um lado e pobreza do outro. Neste ponto alertamos para a observação feita acerca do desenvolvimento econômico capitalista no início deste capítulo.

A estrutura urbana de Pesqueira na qual a indústria se apóia continha uma mão de obra numericamente significativa, que habitava os bairros periféricos e, como foi visto, se reproduzia nem sempre dentro de um modelo capitalista e com pouca qualidade técnica, mas qualidade que não era demandada para executar os trabalhos na fábrica, salvo para raras funções. Isso possibilitou uma baixa remuneração, arrefeceu os choques de interesses – o emprego na fábrica era uma dádiva do industrial ao empregado desqualificado – e favoreceu a acumulação de riquezas.

A relação cidade-campo se deu de tal modo que não possibilitou a constituição de um mercado viabilizador de uma produção ampliada do capital no interior da região. Uma vez que a produção de matérias primas no campo destinadas às indústrias, ocorria em condições pré-capitalistas, influindo na geração de renda da terra e no caráter não capitalista da reprodução da força de trabalho.

Além das características apontadas, o meio em que a indústria pesqueirense estava imersa continha ainda uma outra particularidade. É que, em virtude do capital financeiro ainda se encontrar numa fase incipiente, praticamente financiando a produção de matérias primas, monopolizando o comércio externo e levando à transferência de rendimentos para o exterior, provoca uma atrofia no mercado regional em formação e torna imprescindível a expansão do seu capital industrial para todo o mercado nacional. Isso explica a expansão precoce da indústria de Pesqueira pelo território nacional, no alvorecer da década de 1940.

Focando-se especificamente o mercado interno pesqueirense, isso porque ele estar contido no mercado interno regional, percebe-se que ele é flagrantemente marcado por esse descompasso entre capital acumulado pela indústria e remuneração da força de trabalho. Pois os baixos salários pagos pelas fábricas modelam o tipo e a dimensão dos setores de comércio e de serviços que

a cidade irá comportar, provocando a proliferação de “vendas”14, mercadinhos, armarinhos, lojinhas, biscateiros etc. Dessa forma, a relação salarial entre o capital e o trabalho existente na indústria não se desloca para o resto da economia, perpetuando relações pré-capitalistas no campo e criando um modelo não capitalista de reprodução e apropriação do excedente no setor terciário e ainda favorecendo uma acumulação hipertrofiada no setor industrial. Essa realidade acarretará uma derrocada geral de todos os ramos das atividades econômicas, à medida que o setor industrial vai entrando em decadência, já que este não havia gerado atividades sólidas nos demais setores da economia.

O tipo de indústria que eclode em Pesqueira não cria obstáculos aos interesses fundamentais do capital financeiro internacional, centrados na economia agro-exportadora. Ao contrário, em certa medida ela favorece esse capital, pois para a execução de suas atividades, essa indústria regional, necessitava importar bens de capital15.

14 Pequenos estabelecimentos comerciais onde se vende artigos variados.

15 “É uma particularidade que chama a atenção da indústria regional ter se firmado no espaço histórico em que o capitalismo financeiro se instalava com decidido vigor. Chico de Oliveira sustenta que ‘a rapina internacional encontra terreno propício à constituição de uma estrutura de produção em que o capitalismo internacional domina a esfera financeira de circulação, deixando a produção entregue aos cuidados de fazendeiros, sitiantes, meeiros e posseiros. Emerge aqui a estrutura fundiária típica do latifúndio: o fundo de acumulação é dado pelas ‘culturas de subsistências’ do morador, do meeiro, do posseiro, que viabilizam, por esse mecanismo, um baixo custo de produção da força de trabalho e, portanto, um baixo valor que é apropriado à escala de circulação internacional de mercadorias, sob a égide das potências imperialistas’. Se é verdade que a circunstância descrita impediu a evolução, na totalidade, a formação do capitalismo na Região não é menos verdade que a conjuntura imperialista criara com a dinamização da economia agro- exportadora a possibilidade de desenvolvimento de certos ramos industriais que, em última instância, não afetavam os seus interesses fundamentais, gerando a capacidade de importar bens de capital necessários ao seu desempenho mesmo se considerado que, ainda aí, o capital financeiro realizava, também, apropriação de valor produzido pela força de trabalho regional.” CAVALCANTI, Célia Maria Lira. op. cit., p. 56.

Característica marcante da indústria de Pesqueira no período em que se detém este trabalho, foram as condições em que se reproduzia a mão de obra por ela utilizada, fazendo com que as inovações tecnológicas verificadas nas fábricas, incrementando a produtividade do trabalho, não suscitassem uma melhor remuneração da força de trabalho. Dessa forma, não contribuindo para a formação de riqueza ao nível local e/ou regional. Sendo assim, o crescimento do produto criado pela atividade fabril esbarrava no atrofiado mercado local e regional, forçando a expansão das unidades fabris para outras áreas do espaço nacional, colocando-as em competição oligopólica com indústrias similares e muitas vezes em condições mais favoráveis, a exemplo das do Centro- Sul. Já em 1933, o Jornal de Pesqueira, alertava para a concorrência de indústrias do Sul, congêneres as do município, que pelo fato de encontrarem-se próximas do centro de decisões políticas, do centro econômico nacional e, portanto, com mais facilidade de crédito e no maior mercado consumidor do País, poderiam suplantar a indústria local. Nesse momento, a que se apresentava mais ameaçadora era a Colombo S.A.16.

Essa tendência aos poucos inviabilizaria a indústria pesqueirense, enquanto indústria regional. Entretanto, enquanto a concretitude plena dessa tendência não ocorria, ela gozava de uma performance invejável, que, dispondo de um mercado nacional, ainda exportava seus produtos para o exterior, o que lhe proporcionava lucros vultosos. Isso se dá no interstício da crise

dos anos de 1930 e durante a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. (CAVALCANTI, 1979, p. 61).

O bom desempenho da indústria de Pesqueira se refletirá no melhoramento e mesmo na introdução de equipamentos urbanos na cidade. É nesse bojo que se tem nas décadas de 1930 – 40, o calçamento de muitas ruas, a construção dos prédios dos Correios e Telégrafos (num processo de expansão que ocorria nacionalmente) e do Hospital, na época regional. As melhorias prosseguem pela década seguinte. Em 1951, chega a Rádio Difusora e é construída a subestação de eletricidade (1956), que passa a fornecer energia da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), entre outras inovações.

A década de 1950 marca uma divisão inter-regional do trabalho mais nítida. Ao Nordeste coube exportar matérias primas e produtos agrícolas de subsistência. Dessa forma, o capital aqui gerado ao invés de favorecer o fortalecimento das atividades do setor secundário da economia é utilizado na aquisição dos produtos manufaturados, sobretudo do Sudeste, região onde esse setor econômico se potencializou. A desregionalização da economia que vem nessa maré fez a indústria de Pesqueira, especificamente, entrar num período agonizante. Imersa num mercado local e regional limitador da sua potencialidade de expansão, em virtude de seu crescimento (da indústria) ter se dado em oposição às bases sociais da localidade, dado o nível elevado de exploração da força de trabalho e as frágeis dimensões do mercado regional, essa

indústria não teve como se socorrer num quadro conjuntural adverso e um mercado intra-regional inexpressivo.

A situação histórica, em todas as suas dimensões, que se constrói em Pesqueira, desde cedo, deixou à mostra as suas contradições, que acarretaram na decadência que viveu a cidade e a região ao término dos anos 1950. O quadro que se afigura para o período apontado é o da falta de alternativas para o crescimento do mercado interno, provocado pela baixa remuneração da força de trabalho, como também pela existência de um latifúndio agro-exportador mantenedor de relações de trabalho pré-capitalistas. Essa situação é forjada pelo baixo nível da luta de classes, que favorece a acumulação de capital em detrimento do potencial de crescimento do mercado interno e a existência de um relativo beneficiamento dos empresários locais pela economia agro-exportadora, que proporcionou a esse segmento um poder aquisitivo urbano concentrado. Juntando-se a esses fatores, ocorre a ação do capital internacional, especificamente o inglês, que ao apropriar-se de boa parte da riqueza gerada pela economia regional, investe em ferrovias, diminuindo dessa forma os custos das empresas com transportes. No entanto, tudo isso apenas escamoteou por algum tempo a transferência de riqueza que iria ocorrer do Nordeste para o Centro-Sul, decorrente dos papéis que essas regiões irão assumir mediante a divisão inter- regional do trabalho no Brasil, que se processa, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Ao Nordeste é reservado o papel de economia complementar, no tocante a produção de bens de consumo agrícolas, industriais e de matérias primas. Isso repercute no espaço intra-regional, reforçando o monopólio da terra

ao acelerar a desagregação das tradicionais relações de produção no campo, expulsando grande contingente de lavradores que irá se concentrar na cidade. Retomando uma idéia já exposta na sessão Pesqueira no Contexto da Economia

Nacional, reafirmamos que o aumento populacional urbano aprofunda a

contradição presente na estrutura industrial entre capital e força de trabalho. Uma vez que esse exército de reserva de mão de obra superdimensiona a oferta de força de trabalho, comprimindo os salários, deixando-os aquém das necessidades de subsistência, levando esse fator de produção a reproduzir-se com baixíssimo teor de virtualidade técnica. Esse quadro satisfaz os interesses imediatos dos industriais, mas forma um mercado consumidor inexpressivo, sem perspectiva de melhorias, delineando a derrocada econômica do município e da região.

O Anuário Estatístico do Brasil, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 1960, dá um quadro da situação agonizante que a industria de Pesqueira passou a viver na década de 1950. Segundo esses dados, 8.000 habitantes viviam diretamente dos salários pagos pelas fábricas e quase a totalidade desse contingente residia na sede do município, que naquele momento dispunha de uma população absoluta de 13.134 pessoas. Daí se depreende que a massa de salário não era alvissareira para os setores da economia como o comércio e os serviços e a virtualidade técnica da força de trabalho, empregada na indústria deixava este setor econômico

pesqueirense em desvantagem em relação aos seus competidores do Sudeste17, que se forjaram com a redivisão nacional do trabalho, já que esses produziam valor a partir de uma qualidade superior das virtudes técnicas de seus empregados.

O cenário político que se montou a partir de 1930, delineava nitidamente um centro decisório no Sudeste, que deliberava no sentido de reiterar a economia agro-exportadora, como também favorecia o avanço da monopolização dos setores estratégicos pelo capital estrangeiro, sendo isso sua resposta aos desafios que emergiram com as sucessivas crises que viveu a economia brasileira a partir de então. Assim, a redefinição da divisão nacional do trabalho, que se processava, estava eivada dessa lógica, aprofundado as desigualdades regionais, que por sua vez estavam calcadas no aumento da taxa de exploração da força de trabalho.