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Pesqueira no Contexto da Economia Nacional

2. PESQUEIRA: PARA ENTENDÊ-LA

2.1. Pesqueira no Contexto da Economia Nacional

Uma análise histórico-econômica de Pesqueira não pode perder de vista que este município se insere numa macroeconomia nacional dependente, onde a expansão de sua capacidade produtiva é limitada, pois, dado ao papel que essa macroeconomia desempenha no cenário internacional, faz com que ela tenha as suas possibilidades de desenvolver tecnologia industrial e financeira severamente restringidas pelo mercado internacional, inviabilizando um crescimento autogerado. Entenda-se por crescimento autogerado a capacidade do sistema econômico de engendrar novas tecnologias, de expandir o setor de bens de capital e de controlar seu sistema financeiro e bancário, gestando assim, seu

próprio crescimento. Entretanto, economia dependente não significa um perene subdesenvolvimento nem estagnação econômica, mas deixa a mostra níveis de vida baixíssimos para a maioria da população, alta taxa de desemprego, iníqua distribuição de renda e disparidades regionais, caracterizando desta forma, um desenvolvimento distorcido6.

Neste quadro o Estado brasileiro teve que desenvolver ações buscando ao mesmo tempo criar as condições necessárias para a reprodução ampliada do capital e atenuar as tenções e interesses que emergiam das classes sociais. Sendo assim, nas décadas de 1930 e 1940, o Estado, refletindo os interesses de diversos grupos sociais, em especial dos latifundiários, dos industriais e da “burguesia agrária”, utilizou mecanismos de compensação através das políticas sociais, buscando contrabalançar a implementação de políticas que satisfizeram quase que exclusivamente as necessidades da acumulação e assim suavizar as pressões e perdas sofridas pelas camadas dominadas. Dentre essas camadas tinha maior realce as massas urbanas, uma vez que o Estado buscou com sucesso dar mais dinamicidade à industria7, utilizando-se como um dos mecanismos a transferência de renda do setor agro- exportador para o industrial. Esse mecanismo gerou crescente acumulação de

6 CARDOSO, Fernando H. e FALETTO, Enzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 22.

7 É bom ressaltar que numa economia dependente a industrialização aumenta a concentração da renda ao mesmo tempo em que agrava acentuadas diferenças de produtividade, pois, enquanto a produção de bens de consumo duráveis, como por exemplo, eletrodomésticos e automóveis demanda tecnologia moderna, boa parte dos bens que constituem o consumo básico das massas, a exemplo de alimentos e têxteis, assenta-se em tecnologias e relações de produção mais tradicionais (Ibidem).

As indústrias de Pesqueira mesmo tendo um percurso histórico de evolução que foi do artesanato à grande indústria, insere-se neste último conjunto.

renda no setor da indústria e praticamente uma exclusão dos trabalhadores rurais da ação do Estado. Toda essa situação, nas suas linhas gerais, manteve-se na década de 19508, e é a partir de então que tem mais visibilidade o início do processo de aprofundamento dos desequilíbrios regionais, que está inserido num conjunto que contém também a elevação da taxa de exploração da força de trabalho ao limite máximo de suportabilidade, evidente que até onde permitia ou se conseguia burlar a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto nº. 5.452, de 1943), a monopolização dos setores básicos da vida econômica do País e a constituição do Estado monopolista.

As marcas impingidas na Formação Social Econômica brasileira pela condição de economia dependente, sobretudo as disparidades regionais, levaram a indústria tradicional e outros setores econômicos comprometidos com interesses internos – nas condições históricas do desenvolvimento do País - a não acompanhar o ritmo de concentração capitalista que definiu a consolidação da monopolização dos setores estratégicos da economia do Brasil, num processo que se iniciou na década de 1950. A partir de então não é difícil perceber que no campo as velhas relações de produção entraram em estado de desagregação cedendo espaço para o monopólio da terra, o acentuado êxodo rural e a concentração urbana. Este quadro recrudesce a contradição existente na estrutura da indústria regional entre capital e força de trabalho, pois com a emigração do campo, a concentração de mão de obra no meio urbano superdimensiona o exército de reserva e a oferta de força de

trabalho, contribuindo para a compressão dos salários. Sendo assim, mantinha-se a tendência da estrutura industrial de funcionar com trabalhadores que tinham sua força de trabalho remunerada abaixo das suas necessidades de subsistência, acarretando numa reprodução dessa força de trabalho com baixíssimo teor de virtualidade técnica. Tudo isso satisfaz interesses imediatos dessa burguesia industrial, mas alimenta a manutenção de um mercado consumidor insignificante, gestando a derrocada da estrutura industrial regional9.

O percurso histórico da política brasileira explicita a tendência concentracionista da movimentação das camadas sociais dominantes ao dar respostas aos desafios que a economia impunha. É nesse sentido que a redefinição da divisão nacional do trabalho é diretamente proporcional à manutenção da economia agro-exportadora e ao avanço da monopolização dos setores estratégicos pelo capital estrangeiro. Da mesma forma que as desigualdades regionais se ampliam como conseqüência do aumento da taxa de exploração da força de trabalho. Ao mesmo tempo em que existe a transferência de rendimentos do Nordeste para o Sudeste, nesta primeira região eram mantidas relações de produção responsáveis por seu empobrecimento. Retomando aos desdobramentos históricos nacionais, constata-se que a política livre cambista do Governo do General Eurico Gaspar Dutra (1946 – 1950), sob a justificativa de que a livre concorrência entre formas de capital de diferentes níveis de qualidade produzia eficiência econômica, que após o interregno do Governo Vargas (1951 –

1954), interrompido com o seu suicídio10, é reimplemtada por Café Filho, privilegiava sobremaneira o capital estrangeiro11.

O estabelecimento triunfal do grande capital deu-se no Governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1960), que alicerçado num “duvidoso

sistema de crédito12”, alimentava a sua dinâmica nos investimentos públicos e na

indústria de bens de consumo duráveis, engendrando uma conjuntura desenvolvimentista com elevada taxa de crescimento, porém, de concentração com a mesma dimensão.

Imersa nessa realidade, a indústria tradicional de Pesqueira trazia uma herança histórica que conjugada ao quadro em que ela encontrava-se inserida, tiveram peso determinante para a sua derrocada. Desta

10 A base da crise que acarretou no desfecho trágico do Governo de Getúlio Vargas (1951 – 1954), estava na política de produção de câmbio e nas medidas nacionalistas representadas pelo monopólio estatal da energia empreendidas pelo Presidente, acirrando a oposição ao governo, uma vez que setores dominantes de direita não escondiam a intenção de arrebatar o poder e usá-lo no favorecimento do capitalismo monopolista.

Elucidativa reconstituição histórica deste Governo Vargas, como também, para os rumos que a economia brasileira toma após o suicídio de Getúlio, encontra-se em SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

11 SKIDMORE. op. cit., pp. 198 – 202.

12 “(...) é interessante notar que, em 1957, 26% do total de impostos aferidos no país e conhecidos pela Divisão do Imposto de Renda pertenciam a residentes no exterior. Nesse mesmo ano, na sede da sua entidade de classe, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo esclarecia, sobriamente: ‘Grandes empresas estrangeiras que se estabeleceram no país como trazem, via de regra, capitais de giro, aqui chegando atraem para seus negócios as escassas disponibilidades de numerários de que dispomos’.

A entrada desse capital de giro é discutível. Na verdade, aquelas empresas valem-se de recursos nacionais, cedidos pelo governo ou drenados por companhias estrangeiras especializadas, e valem-se ainda de recursos em moeda estrangeira obtidos por linha de crédito ligada ao governo. Ampliam suas instalações à custa do reinvestimento de lucros aqui obtidos. É a economia que contribuiu para o desenvolvimento do capital estrangeiro. Nunca contribuiu tanto como na fase em que o governo proclamou obedecer a uma política de desenvolvimento. A Brasilian Traction representa a maior inversão de capital estrangeiro em nosso país. Mas o seu capital se formou e cresceu com recursos brasileiros, e só em uma oportunidade, entre muitas, o Tesouro lhe forneceu, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, aval para empréstimo no BIRD, no valor de 11.600 milhões de dólares. À Bond & Share aquele mesmo BNDE cumulou com 3 bilhões de cruzeiros – tudo a pretexto do desenvolvimento. Para a ampliação da Usina Piratininga, o governo forneceu à Ligth 1.300 milhões de dólares.” SODRÈ, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, p. 258 – 259.

forma, no decorrer da década de 1950, importantes fábricas do município, como as fábricas de laticínio Paulo Britto, a Tigre e a Rosa, cerram suas portas. A Fábrica Peixe apresenta fôlego para uma sobrevida até o final da década seguinte.

A impossibilidade de dilatar as suas fronteiras, leva a indústria tradicional de Pesqueira à falência. Isso porque o espaço competitivo que lhe reservava a estrutura monopolista era demasiadamente estreito. É evidente que os grupos acionistas locais tentaram saída para a crise que insistia em eliminá-los do mercado. Entretanto, a alternativa de voltar-se para o mercado regional, fazendo valer a utilização dos fatores internos, mostrou-se inócua, pois o mesmo não oferecia perspectiva, por encontrar-se marcado de forma irreversível pela acumulação e concentração capitalista em nível de monopólio13.

O aspecto específico do desenrolar histórico da atividade industrial de Pesqueira encontra-se no fato da acumulação primitiva que aí ocorreu ter-se caracterizado pela constituição de riqueza nas mãos da burguesia local, proprietária da indústria tradicional, através de alto nível de exploração da força de trabalho, possibilitando-lhe reproduzir-se por formas pré- capitalistas e muitas vezes usando as concessões extra-econômicas para reduzir a sua remuneração monetária. Isso indubitavelmente limitou as potencialidades de expansão do mercado. Sendo assim, a indústria estruturou-se de forma

13 Cabe um estudo acerca de um caso inverso: o sucesso da Tambaú Indústria Alimentícia Ltda., congênere das indústrias de doce de Pesqueira, criada no ano de 1962, em Custódia, município pernambucano, do Sertão do Pajeú. Esta indústria atende significativa porção do mercado nordestino.

concentracionista e se colocou em flagrante oposição às bases sociais do seu meio. É incontestável que as fábricas desempenharam um papel de indutoras do desenvolvimento, mas desenvolvimento distorcido, de que tratam CARDOSO e FALETTO (1975), que conseqüentemente reverberou nos outros segmentos sociais e ampliou a divisão social do trabalho. Porém, com a limitação já apontada.