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Indústrias Culturais vs Indústrias Criativas

Capítulo I – Indústrias culturais e criativas

1.6 Indústrias Culturais vs Indústrias Criativas

Apesar de existirem muitos autores e estudos que se debruçam sobre o que são as indústrias culturais e as indústrias criativas, não existe um consenso sobre a definição e utilização destes termos. Os próprios conceitos de indústrias culturais e indústrias criativas são muitas vezes usados como sinónimos (Galloway e Dunlop, 2006).

No entanto, a revisão da literatura permite-nos constatar que desde o surgimento da noção de indústria cultural com Adorno e Horkheimer até a denominação mais atual, o conceito tem evoluído. Esta mudança deve-se principalmente às transformações globais em termos de tecnologia, comunicação, economia global, inovação e a própria evolução e diversificação da oferta cultural como resultado destas mudanças (O'Connor, 2007).

A necessidade de definir e operacionalizar os conceitos de indústrias culturais e criativas torna-se fundamental devido ao impacto que estas indústrias têm nas economias regionais, nacionais e transnacionais. Mas como verificamos, é difícil operacionalizar estes dois conceitos devido, por um lado, à própria subjetividade da definição dos termos que lhes dão origem, ou seja, os significados de cultura e de criatividade e, por outro, a três motivos que consideramos importante destacar.

Em primeiro lugar, a falta de consenso entre os diversos autores sobre as definições e consequente utilização dos conceitos de indústrias culturais e criativas. Em segundo lugar, a diferente valorização atribuída às indústrias culturais e criativas de país para país. Em terceiro lugar, a diversidade de modelos existentes que procuram realizar uma categorização e hierarquização dos diversos sectores que integram as indústrias criativas.

O primeiro motivo deriva da falta de acordo sobre a significação dos termos e consequente utilização, da confrontação dos valores e da comercialização da cultura. Por um lado e segundo o livro Cultura, Comercio e Globalização, “os bens e

serviços culturais constroem e transmitem valores, produzem e reproduzem identidades culturais, para além de contribuir na coesão social, também é um fator livre de produção de uma nova economia” (UNESCO, 2000, p. 7). Por outro, é importante salientar que esta divergência não é só entre os autores mas também entre as entidades responsáveis por fomentar e regular as atividades relacionadas à cultura, que não têm conseguido acordar uma terminologia única para definir atividades relacionadas ao comércio dos bens e serviços culturais. Esta dificuldade em determinar apenas um conceito pode ser explicada pela rápida evolução das indústrias culturais na última década, que também veio despertar a atenção dos governos para esta matéria.

Em segundo lugar, considerando que os governos têm uma maior preocupação em definir o que compõe e como funcionam as indústrias culturais, pelo potencial e contributo comercial que este sector representa para as economias nacionais, existe maior interesse em definir e implementar políticas que regulem estas indústrias.

No entanto, como já tinha sido referido, os países do norte têm prestado maior atenção às indústrias culturais, o que resultou em acrescentar-lhes diferentes denominações, como indústrias criativas, indústrias de futuro e indústrias de conteúdos. Tal como refere a UNESCO, a evolução das indústrias culturais é também paralela ao desenvolvimento das novas tecnologias e da (des)regulação das políticas nacionais, regionais e internacionais (UNESCO, 2000, p. 21). Neste sentido, podemos reiterar que tem havido uma vontade de sistematizar o conceito, especialmente na Europa, onde se têm desenvolvido políticas sobre a matéria a nível da União Europeia (O'Connor, 2000, p. 1). Segundo refere o relatório das Nações Unidas (2010), a economia criativa é um dos assuntos prioritários da Agenda Europeia 2020 e é considerado um sector estratégico.

Por outro lado, o supracitado relatório indica ainda que nos países do Sul é necessário estabelecer e reforçar as instituições que regulam e gerem estas áreas, bem como é preciso um melhor desenvolvimento e controlo do marco regulatório e de financiamento. Noutras palavras, torna-se essencial que haja uma política com bases

legais bem definidas que permita criar fundos de apoio ao desenvolvimento das diversas indústrias que compõem o universo cultural. Deste modo, serão beneficiadas todas as formas de expressão cultural e ao mesmo tempo será potenciada a economia criativa.

Salienta também que estes fatores servem como indicadores, uma vez que refletem o grau de desenvolvimento dos países, ao mesmo tempo que revelam a importância que cada país atribui à economia criativa. Daí a necessidade dos países subdesenvolvidos aumentarem as capacidades produtivas através de instituições criativas para conseguir uma propagação e aumento favorável da oferta cultural.

Em terceiro lugar, verificamos que existem diversos modelos explicativos que surgiram para discriminar as características das indústrias criativas e o seu enquadramento na esfera cultural. Igualmente apuramos que não há um modelo certo ou errado, senão diversos modelos que podem ser utilizados com diferentes propósitos de análise, por exemplo alguns modelos pretendem demonstrar como se posicionam as indústrias criativas fase às indústrias culturais, outros apenas descrever as suascaracterísticas, outros ainda, o seu funcionamento.

Em suma, após termos avaliado os diversos aspetos relativos às indústrias culturais e às indústrias criativas, podemos concluir, numa primeira instância, que estes conceitos e enfoques partilham um núcleo comum: a criatividade dá origem aos bens e serviços destas indústrias (Cano, Bonet, Garzón e Schargorodskyn, 2011, p. 17). Numa segunda instância, devemos referir que a emergência das indústrias criativas é cada vez mais um assunto de interesse para os países, pelo papel vital que desempenham no contexto socioeconómico e por servir de veículo para a difusão da diversidade cultural.

Finalmente, devemos relembrar que apesar de tudo o conceito de indústrias criativas ainda é utilizado de uma forma muito restrita, ao contrário do termo indústrias culturais que continua a ser mais utilizado apesar do debate em torno dos valores intrínsecos do produto cultural e a sua produção em forma de mercadoria e as estruturas em que foram produzidos (O'Connor, 2010).

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A música como indústria cultural

Segundo o autor Harold L. Vogel (2004), a música é uma das formas de entretenimento mais acessível e encontra-se em todas as culturas e níveis sociais. A esta afirmação podemos ainda acrescentar que

“Everywhere in the world, music is the universal idiom to give expression to our feelings and aspirations. Sharing a musical experience, whether domestically or internationally, is an act that goes beyond established boundaries and transcends existing divides... Music is an essential instrument of intercultural dialogue” (UN, 2008, p. 119)

O relatório das Nações Unidas Economia Criativa salienta também que a música, como uma forma primária de expressão cultural, representa uma grande força económica no mundo globalizado e que alguns géneros e estilos musicais têm vindo a ganhar espaço no circuito internacional estabelecendo canais para o intercâmbio e a difusão cultural.

Com base na classificação das indústrias criativas realizada no estudo The Economy Culture in Europe, promovido pela União Europeia (KEA, 2006), que situa a música numa das áreas puras das indústrias criativas, podemos afirmar que a indústria da música é uma das indústrias criativas fundamentais na criação de valor cultural e económico nas sociedades. Sobre este aspeto, Thorsby (2002) refere que existe um paradoxo acerca da música como indústria criativa porque, por um lado, é uma forma primária de expressão artística, e por outro lado, é uma indústria que gera milhares de milhões em receitas para diferentes grupos de stakeholders. Independentemente de ser considerada uma indústria cultural ou criativa, é claro que estamos perante uma área que envolve criatividade, conteúdos simbólicos e criadores simbólicos.

Especificando os grupos de stakeholders que integram a indústria da música, o relatório das Nações Unidas faz a seguinte classificação:

• creative artists such as composers, songwriters and musical performers;

• agents, managers, promoters etc. who act on behalf of artists; • music publishers who publish original works in various forms;

• record companies which make and distribute records (LPs, cassettes, CDs, music videos, DVDs);

• copyright collecting societies which administer the rights of artists, publishers and record companies;

• a variety of other service providers including studio owners, manufacturers, distributors, retailers, broadcasters, venue operators, ticket agents, etc.;

• users of music such as film-makers, multi-media producers, advertisers, etc.; and

• individual consumers, who purchase a musical good or service (buying a record, attending a live performance, subscribing to a “pay” diffusion service) or consume it for free (listening to broadcasts, background music, etc.)

Em relação a estes stakeholders é importante fazer a distinção entre as produtoras discográficas majors5 e as indies, pois elas desempenham um papel

fundamental e determinante há mais de 70 anos no mundo da música. Sobre este assunto, devemos referir que uma das características da indústria musical sempre foi o domínio de um pequeno número de grandes produtoras, as majors (Neto e Noboru, 2008). Neste sentido, os autores Richard Peterson e David Berger (1975) realizaram um extenso estudo sobre a concentração do mercado e concluíram que a homogeneidade existente neste meio resulta da oferta massiva de produtos pelas majors que são assim responsáveis por ditar as “regras” no mercado da música, gerando uma tensão constante com as restantes empresas produtoras, denominadas indies. Na indústria da música, o termo indie (indie music, indie band, indie artist) é utilizado para fazer referência a todos os trabalhos que são independentes das 5 As majors encontra-se centradas nos USA, Europa e Japão, entre 2008 e 2011 a Sony Music Entertainment; o EMI Group; a Warner Music Group e a Universal Music Group foram consideradas as Big Four.

grandes empresas reconhecidas a nível internacional.