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Independência do Brasil na Bahia e a formação da nacionalidade brasileira

4 UM OLHAR SOBRE A COLÔNIA E O IMPÉRIO

4.2 A IDEIA DE REVOLUÇÃO

4.2.1 Independência do Brasil na Bahia e a formação da nacionalidade brasileira

A independência do Brasil significou para Braz do Amaral o momento de constituição de uma nacionalidade que já dava sinais no “espírito” dos brasileiros de “todas as classes”, das pessoas mais graduadas às do povo.435 As “sementes da liberdade” teriam sido lançadas pelos movimentos ocorridos no final do século XVIII e começo do XIX contra o domínio da metrópole. Entretanto, esse sentimento ou ideia, que é o de uma “pátria”, só se firmaria no dia em que os portugueses deixaram o Brasil, em 2 de julho de 1823.436 Este foi, em sua visão da história, um episódio inevitável. Uma vez criada uma “brecha no sistema absolutista”, a partir da abertura dos portos do Brasil ao comércio estrangeiro, a independência estava marcada para acontecer.437 Ainda que, à época, as pessoas não tivessem se dado conta do que isso significaria para o Brasil, alertou que esse acontecimento revelaria sua importância e sua

435 AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria

Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 10. UFBA, FFCH, Biblioteca, Coleção Especial.

436 AMARAL, Braz Hermenegildo do. Como expirou o poder holandês no Brasil. In: ______. Recordações

históricas. Prefácio de Consuelo Pondé de Sena. 2ª ed. revisada. Salvador: Assembleia Legislativa do Estado

da Bahia; Academia de Letras da Bahia, 2007, p. 131. Sobre a ideia de “sementes da liberdade”, consultar: AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 11.

437

AMARAL, Braz Hermenegildo do. Sobre a data da abertura dos portos do Brasil ao comércio estrangeiro – 1808-1823. In: ______. Recordações históricas. Prefácio de Consuelo Pondé de Sena. 2ª ed. revisada. Salvador: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia; Academia de Letras da Bahia, 2007, p. 145.

“força própria” anos depois. Daí, talvez, a importância da história que ele se interessou em contar no período de comemoração do centenário daquela data capaz de legitimar a força do fato histórico. Ao reconhecer as causas imediatas e remotas da independência, assegurou: “A abertura dos portos ao comércio estrangeiro equivaleu a um decreto de separação.”438

Obra atribuída por Braz do Amaral ao economista baiano, José da Silva Lisboa, cuja consequência imediata, a independência, se expressaria como uma fórmula matemática:

A questão da independência foi depois dela, uma questão de tempo apenas, mas era fatal e lógica, como uma equação matemática, porque não dependia o problema então do povo brasileiro só, mas entrava no realizá-lo o interesse de nações e governos mais poderosos do que o de Portugal.439

Certamente Braz do Amaral fazia referência ao interesse e à participação da Inglaterra nesse processo, afinal é conhecida a história da presença de um Lord inglês (Cochrane) na resistência às tropas portuguesas. Esse país foi beneficiado com a abertura dos portos e os tratados de 1810 e possuía interesse no comércio com o Brasil, em função das exigências do estágio de desenvolvimento industrial. Seria mais vantajoso manter o comércio com o Brasil do que as boas relações com a monarquia portuguesa. À transferência da Corte, considerada o “golpe decisivo” no antigo sistema colonial, seguiram-se medidas que favoreceram a produção e o comércio, mas não foram capazes de modificar totalmente o sistema, uma vez que esbarravam no interesse dos portugueses. Dessa forma, ao tempo em que tomava medidas de caráter liberal, D. João criava outras, restritivas e de caráter monopolista, para proteger os interesses dos portugueses, aprofundando os antagonismos.440

Braz do Amaral não discute, nem avalia a participação dos ingleses no movimento, tampouco considera as ambiguidades geradas pelas medidas adotadas. A sua explicação sobre as crescentes oposições e lutas entre brasileiros e portugueses apela à lógica do “ciúme” e das “rivalidades” existentes entre eles, em detrimento, por exemplo, da consideração sobre a possível tomada de consciência dos brasileiros em relação à política das cortes portuguesas.441 Concentra sua narrativa no papel do monarca. Em sua visão, a chegada de D. João ao Brasil

438 AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria

Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 9. Sobre a “força própria” desse acontecimento, ver p. 10. UFBA, FFCH, Biblioteca, Coleção especial.

439

AMARAL, Braz do. Discurso que foi elaborado para ser lido na sessão de inauguração do novo edifício do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, após o incêndio que o destruiu. In: ______. Discursos e

Conferências. Porto: Tipografia Econômica, 1921, p. 107. Grifo nosso.

440

CAVALCANTI, ZÉLIA. O Processo de Independência na Bahia. In: MOTA, Carlos Guilherme. 1822: Dimensões. São Paulo: Editora Perspectiva, p. 248 e p. 234-235.

significou a “substituição” das questões “acanhadas” da colônia por “grandes ideias”, do que resultaram a constituição da nacionalidade e da educação nacional. O monarca teria “guiado o país pelas mãos”, ao preparar a prosperidade da pátria, cujo “corolário lógico foi a sua independência da metrópole”.442

Tamanha a importância atribuída à vinda da família real, considerada o “acontecimento mais importante da nossa história”, que Braz do Amaral chegou a declarar, em 1907:

Foi ele quem fez pulsar neste vasto território o coração de um povo, quem lhe despertou interesses, necessidades, ambições que não tinha e lhe deu a consciência de um vigor que ele mesmo não conhecia.

Sente-se que pulsa no seio do novo império, que ele prometera à Europa criar e que realmente criou, o sangue de uma nacionalidade a acrescentar na geografia do mundo.443

O período de 1808 a 1822, da chegada da família real à instituição do Império, foi considerado por alguns historiadores um período preparatório, que seria seguido de uma fase de transição até 7 de abril de 1831, com a abdicação de D. Pedro I, momento em que o “estado nacional” se consolidaria. A transferência da Corte significou, para alguns, a “abolição” do regime de colônia no Brasil, provocando mudanças econômicas, políticas e até no modo de vida, que poderiam significar uma independência brasileira. Nessa perspectiva, a transformação econômica, que começou a ocorrer em meados do século XVII, foi a base para a emancipação política do país.444 Esse processo, que teve como resultado a independência do Brasil, se diferenciou do ocorrido em outras colônias americanas, nas quais o rompimento com as metrópoles havia sido violento. No caso brasileiro, o governo metropolitano teria lançado as bases de sua autonomia, principalmente com a transferência da Corte portuguesa. Fato que singularizou, para alguns, esse processo histórico.445 A ênfase nesse aspecto, no entanto, pode favorecer o entendimento da independência brasileira como uma “dádiva portuguesa”. José Honório Rodrigues chama a atenção ao fato de que, a despeito do derramamento de sangue, a historiografia latino-americana e a norte-americana não falam da Guerra de Independência ocorrida no país, sobretudo na Bahia, onde as tropas brasileiras somaram 11.000 homens, em abril de 1823, dos quais boa parte foi comandada por Pedro Labatut na batalha de Pirajá. Para o autor, os combates na Bahia, o caso de Joana Angélica, a

442

AMARAL, Braz H. do. Discurso proferido na Faculdade de Medicina da Bahia por ocasião do Centenário do Ensino Médico no Brasil. In: ______. Discursos e Conferências. Porto: Tipografia Econômica, 1921, p. 88 e p. 93-94.

443 Ibid., p. 94. O texto original é da revista do IGHB e data de 1907. 444

PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política de Brasil: colônia e império. 16ª ed. São Paulo: editora brasiliense, 1987, p. 9, p. 44, p. 47 e p. 59.

mortandade em Itaparica, entre outros, demonstram que a independência foi marcada por lutas que valeram sangue e não só pela conciliação.446

Braz do Amaral ressaltou, em 1923, o sacrifício do povo baiano, contestou a ideia, segundo a qual, a independência teria se realizado amistosamente e rejeitou a suposta passividade dos brasileiros, bem como a traição dos portugueses ao seu país. Entretanto, chegou a argumentar, em 1926, que “apesar de todos os seus defeitos, (o regime colonial) deixou o povo preparar-se para as aspirações liberais que se revelaram pela independência [...]”.447

Esse raciocínio é explicado pelas considerações feitas acerca de causas econômicas. Ainda que em uma perspectiva de análise da história diferente da de autores posteriores, como por exemplo, a de Caio Prado Júnior, Braz do Amaral havia levado em conta as mudanças econômicas desencadeadas com a chegada da família real ao Brasil. Por essas razões, sobretudo, pela necessidade de criar uma “receita” o decreto de abertura dos portos foi baixado, configurando em importante passo para as mudanças que ocorreriam no Brasil. Dada a inevitabilidade desse acontecimento, contudo, a única coisa que poderia ter mantido, para ele, a sujeição do Brasil a Portugal era a implantação de uma “habilíssima política liberal”, que muito provavelmente nenhum português teria sido capaz de realizar.448

Esses dois acontecimentos, o decreto de abertura dos portos e a evacuação da Bahia das tropas de Portugal, configuraram para Braz do Amaral o início e o fim da “grande transformação política” pela qual passou o país. O 2 de julho de 1823 aparece na sua narrativa como o fato de grande importância para a história nacional e dos baianos:

Têm os baianos real motivo para se orgulharem da sua data de 2 de julho, porque ela foi o primeiro fato de grande valor da nossa vida nacional, como prova de poder; e porque terminou aqui, no batismo de fogo e de sangue da guerra da Independência, a emancipação do país, que também se havia preparado aqui pelo ato da abertura dos portos do Brasil.449

A Bahia, por essa perspectiva, teve papel fundamental para a constituição da nacionalidade brasileira, porque foi palco dos acontecimentos que decidiram a vitória sobre a

446 RODRIGUES, José Honório. Conciliação e Reforma no Brasil: um desafio histórico cultural. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 42.

447

AMARAL, Braz Hermenegildo do. Ação da Bahia na obra da independência nacional. Salvador: EDUFBA, 2005, p. 9.; AMARAL, Braz Hermenegildo do. Aspirações liberais no Brasil. In: Livro do centenário da câmara dos deputados (1826-1926). Rio de Janeiro: Empresa Brasil editora limitada, 1926, p. 183. APJCB

448 AMARAL, Braz Hermenegildo do. 2 de julho de 1823. In: ______. Recordações históricas. Prefácio de

Consuelo Pondé de Sena. 2ª ed. revisada. Salvador: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia; Academia de Letras da Bahia, 2007, p. 191.

metrópole. Essa nacionalidade encontrava sua força e sua nobreza na união e nas “qualidades de resistência” do povo.450

Sobre elas comentou:

Estas qualidades heroicas, no tempo da nossa emancipação política, só o povo da Bahia teve ocasião de as mostrar e as revelou, com uma superioridade, um denodo e uma bravura que são as coisas que se podem citar como generosas e nobres daquela época, de modo que podemos hoje dizer, sem que possa quem quer que seja titubear uma contestação, que para ter este país a sua liberdade, ninguém sacrificou nem lutou como os baianos!451

O historiador reivindicava a participação do estado nesses acontecimentos, na ocasião de comemoração do centenário da independência. Uma festividade, para ele, de “cunho demasiado particularista”, em que as atenções se voltavam para Rio de Janeiro e São Paulo, como se a independência fosse uma “propriedade patriótica” dessas localidades.452

Nesse sentido, criticou as produções literárias surgidas nesse contexto, que apagavam, em sua visão, o sacrifício de outras províncias que deram sua contribuição para a libertação do Brasil. Havia, para ele, “desvios numerosos na exatidão precisa da história nacional, assim como omissões injustas, porque houve no Brasil um lugar em que a independência custou sangue e sério esforço e foi conquistada de um modo que honra o povo brasileiro.”453

Ao tempo em que reivindicou a centralidade dessa província e dos baianos nos acontecimentos da independência, Braz do Amaral buscou reduzir a importância dada aos fatos que envolveram D. Pedro I, ocorridos no Rio de Janeiro: “Tirem da independência a campanha da Bahia e ela ficará reduzida a um arranjo familiar e muito burguês, com a intervenção de Sir Carlos Stuart [...].”454

Em torno do que ele chamou de “campanha da Bahia” uniram-se câmaras, milícias e o povo, ao governo do príncipe regente, fazendo os acontecimentos avançar para uma “solução violenta”, que tinha que ocorrer “fatalmente” e ocorreu. Este caminho embora curto, em sua perspectiva, não foi considerado o melhor por ele.455 Salvador sofria com a escassez de

450 AMARAL, Braz Hermenegildo do. Sobre a data de abertura dos portos do Brasil ao comércio estrangeiro –

1808-1823. In: ______. Recordações históricas. Prefácio de Consuelo Pondé de Sena. 2ª ed. revisada. Salvador: Assembleia Legislativa do Estado da Bahia; Academia de Letras da Bahia, 2007, p. 149.

451 AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria

Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 61. UFBA, FFCH, Biblioteca, Coleção Especial.

452

AMARAL, Braz do. Ação da Bahia na obra da independência nacional. Salvador: EDUFBA, 2005, p. 9.

453 Ibid., p. 9.

454 AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria

Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 60. UFBA, FFCH, Biblioteca, Coleção Especial.

gêneros alimentícios, com a violência e a carestia, o que aumentava o êxodo para o interior do estado. A falta de alimento foi considerada por Braz do Amaral o “pior e mais sinistro” aspecto da guerra.456 Com o desenrolar dos acontecimentos e o isolamento da guarnição de Portugal, o acesso aos produtos que abasteciam a capital ficou restrito. A falta de víveres, conforme destacou, foi “causa determinante” da evacuação da Bahia das tropas portuguesas, resultando na vitória dos brasileiros com a retirada do general Madeira de Mello e de sua guarnição que era a mais importante e fiel a Portugal ainda no Brasil.457

As vilas do recôncavo tiveram uma participação importante. De forma “majestosa”, para Braz do Amaral, os “homens ilustres” de Cachoeira chegaram a constituir um governo interino.458 A importância atribuída à organização dessas cidades, o levou a comparar esse episódio com outros da história de outros países:

A sublevação das vilas do Recôncavo, a sua organização em corpos políticos beligerantes, a formação daquele conselho de representantes delas, dirigindo a guerra e governando, é uma coisa tão perfeita e admirável como o comitê de salvação pública da revolução francesa, ou o parlamento de Inglaterra, ou o Congresso dos americanos, lutando contra os ingleses, parecendo que foi este o modelo que pretenderam eles seguir, o que conseguiram com perfeito êxito.459

Como destacou, as câmaras municipais das cidades do Recôncavo, a exemplo de Santo Amaro e Cachoeira, com o apoio das milícias, dirigiram o movimento em prol da “causa nacional” dando início à revolução. Essas instituições foram reconhecidas em seus textos como: “Organização plebeia, e refúgio das liberdades públicas, nos países em que ela se enraizou, foram as Câmaras na península ibérica os alicerces das instituições liberais.”460

O povo baiano por meio delas, e a elas unido, também se mobilizou, fazendo-o, porém, com despreparo e sem conhecimento da causa. Ainda que ressalte o “batismo de sangue” a que foram lançados os baianos, que faça recorrentemente referência às suas lutas neste processo, eles aparecem como coadjuvantes de uma história que seguia seu curso. Estando eles próprios acompanhando a marcha da história:

456

AMARAL, Braz Hermenegildo do. 2 de julho de 1823. In: ______. Recordações históricas..., p. 187. Conferir ainda: AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957.

457

AMARAL, Braz Hermenegildo do. A entrada do exército pacificador na Bahia. In: ______. Recordações

históricas..., p. 291.

458 AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria

Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 7. UFBA, FFCH, Biblioteca, Coleção Especial.

459 Ibid., p. 7. 460 Ibid., p. 177-178.

O povo, a massa numerosa e dirigível, não sabia o que se estava armando, nem previa as consequências dos acontecimentos em que era principal fator. Seguia despreocupado o seu destino, com este instinto das multidões que as leva para diante, sem que percebam a razão do que estão a fazer.461

Ao tratar das forças que se organizavam para lutar contra a possibilidade de “recolonização” do Brasil, figurando entre elas brasileiros e portugueses, Braz do Amaral ressaltou a ausência de um centro ou poder que pudesse dirigir a guerra e orientar os envolvidos. Pelo que se depreende da leitura dos seus textos, conforme foi discutido no tópico anterior, caberia aos militares organizá-las:

Urgia, porém, dar uma forma militar segura, uma organização sólida a estas forças sem disciplina e muito bisonhas e por isto foi equipada no Rio de Janeiro a esquadra composta da fragata União, das corvetas Maria da

Glória e Liberal e do bergantim Reino Unido [...].462

Quando narrou detalhadamente as circunstâncias do acontecimento, como se tivesse sido testemunha ocular dele e agora registrasse as suas memórias, o fez de uma perspectiva dos generais, como se eles tivessem decidido a história e a sorte do povo. O norte do país é reverenciado “viveiro dos soldados do Brasil”.463

A Bahia e os seus militares mostraram, para Braz do Amaral, sua força e seu patriotismo ao resistir corajosamente à possibilidade de “recolonização” do Brasil. A cidade de Salvador por ter sido o lugar onde havia começado a vida administrativa do país foi reconhecida pelo seu valor histórico e pela sua tradição. As vilas do recôncavo pela sua bravura e pela importância das câmaras. Esses fatores decidiram a vitória dos brasileiros sobre a metrópole, com a evacuação da Bahia pelas tropas portuguesas, marcando o último acontecimento antes da independência do país, da sua “libertação política”.

Não foi dessa forma que historiadores trataram anos depois da independência nacional. Ao contrário de Braz do Amaral, referiram-se à correlação de forças que deu o tom a esse processo, desde a vinda da família real, depois com o estabelecimento de um regime constitucional e o posterior movimento pela independência, até o surgimento de um estado nacional e as “revoluções da menoridade” (1831-1840). Caio Prado Júnior, por exemplo, analisou esse período na perspectiva do marxismo com atenção às classes sociais e às disputas

461

Ibid., p. 178.

462 AMARAL, Braz Hermenegildo do. História da Independência na Bahia. 2ª edição. Salvador: Livraria

Progresso Editora. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. n. 19, 1957, p. 186. UFBA, FFCH, Biblioteca, Coleção Especial. Grifos no original.

463 AMARAL, Braz Hermenegildo do. A entrada do exército pacificador na Bahia. In: ______. Recordações

entre elas. Ele explica quais eram as classes e os seus interesses. Interpretou a posição das “forças reacionárias”, que desejavam a recolonização do Brasil, das “classes superiores”, representadas no partido brasileiro, compostas por grandes proprietários rurais e aliados, e das “forças populares”, que para ele não possuíam maturidade política nem condições objetivas para conquistar a liberdade econômica e social que almejavam.464 Conforme esse autor, o segundo grupo foi o responsável pela independência. As classes populares mantiveram uma posição radical, buscaram transformações e igualdade sociais, mas sem base econômica e social os projetos não eram postos em prática.

Uma vez que a luta pela independência se desenrolou em torno do príncipe regente, constituiu-se em uma “simples transferência política de poderes da metrópole para o novo governo brasileiro”. E sem a participação direta das massas, as classes superiores absorveram o poder, do que Caio Prado Jr. concluiu, “Fez-se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupou sacrifícios, também afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independência brasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto.”465

Este autor concentrou sua análise, como foi possível verificar, nos acontecimentos ligados à sede do Império e ao príncipe regente. Foi uma visão mais geral do fato.

Braz do Amaral que, antes dele, discutiu os termos da independência, salientando a participação da Bahia nesse processo, assegurou que a independência do Brasil foi conquistada nesse estado, após derramamento de sangue. Talvez o recorte dado, no âmbito da Bahia, tenha contribuído para a forma da narrativa. Outros historiadores estavam afinados com essa história contada sobre a independência. A respeito do tema, Wanderley Pinho falou, a partir de Ladislau dos Santos Titara, ao transcrever o poema “Paraguaçu”, publicado na Bahia, em 1835. Trata-se de uma narrativa da Guerra da Independência, considerada pelo