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A proposição de um trabalho de investigação inicia-se necessariamente a partir de uma ou mais questões que nos impulsionam a trilhar um caminho que alia o rigor do trabalho acadêmico ao prazer da descoberta. Entender a visita escolar ao museu como uma

experiência educativa híbrida, tecida na fronteira entre os museu e escolas, significou a necessidade de levantamento de informações nos dois contextos educativos.

No âmbito do museu, interessava conhecer a historicidade da ação educacional naquele museu a fim de compreender o significado atribuído à educação naquela instituição. Para isso, procedemos a uma investigação documental que nos permitiu traçar o percurso da sua trajetória histórica que levou à consolidação do seu Programa de Educação Patrimonial. Ainda, no contexto do museu, tornou-se importante conhecer como esse programa educativo era construído e reconstruído cotidianamente, quais as concepções educativas o informavam e quais ações eram postas em prática no contexto da visita. O empreendimento da pesquisa etnográfica permitiu a observação cotidiana da prática educativa do museu e seu exercício no contexto da visita escolar.

No âmbito da escola, tornava-se relevante conhecer o significado atribuído pelos professores à visita e os modos de uso e apropriação do Museu por esses profissionais da educação. As motivações para a realização da visita desde a preparação prévia até o retorno à escola foram acessadas por meio da realização das entrevistas com os professores.

5.1 As fases da pesquisa

O estudo compreendeu, portanto, dois momentos de pesquisa distintos e complementares: uma análise diacrônica e outra sincrônica das práticas educativas do museu na relação com a escola. Para tanto, o processo de coleta de informações no museu organizou-se em duas fases: uma pesquisa documental (fase 1) e uma pesquisa etnográfica (fase 2). Para acessar o universo das escolas, realizamos entrevistas com professores (fase 3) que visitaram o museu naquele ano de 2009.

A primeira fase da pesquisa constituiu-se de uma investigação documental no Setor Educativo do Museu para o levantamento de informações relativas ao conjunto de ações educativas destinadas ao público escolar desenvolvidas por um período de aproximadamente doze anos. Buscamos levantar as informações dos documentos produzidos no período analisado, considerando-as como resultado de uma montagem consciente ou inconsciente dos grupos sociais que as produziu e guardou. As informações foram analisadas considerando as condições de sua produção e o contexto em que foram p oduzidas, us a do [...]des istifi a os seus sig ifi ados apa e tes (LE GOFF, 1997:103).

A segunda fase da pesquisa compreendeu a investigação etnográfica empreendida no Museu (fase 2). A escolha pela etnografia possibilitou a imersão no campo e permitiu traçar um mapa daquilo que contava como ação educativa para o Museu na relação com o público escolar. A negativa de uma definição essencialista atribuída ao museu e a busca pelos significados atribuídos pelos sujeitos em seus contextos de ação nos levou à realização de uma pesquisa de campo. Reiterando o que afirma Peirano (1995), na defesa do valor da etnografia para os estudos antropológicos, consideramos que a etnografia permite o confronto entre teoria e empiria e realimenta diferentes campos da pesquisa, ao permitir uma permanente desconstrução de rígidos arcabouços teóricos postos em xeque pela dinâmica dos sujeitos sociais em ação.

Imergir nos museus para entender os significados gestados no contexto museal pressupôs a adoção de uma perspectiva de análise que se pautou na descrição dos fenômenos a partir de uma visão do que ocorre no interior de uma experiência cultural, na direção do que se denomina perspectiva êmica, ou seja, [...]a uela ue se o upa de descrever uma cultura vista de dentro, contemplada naquilo que é relevante para os

e os do g upo GREEN, DIXON, ZAHARLICK et alii, 2005, p. 79).

Assim, entender o que acontece no museu é tentar interpretar os significados construídos pelos sujeitos envolvidos em diferentes práticas e experiências museais, sem, contudo, deixar de ocupar a posição de observadora externa (ética). Nossa compreensão de que a visão externa aguça a compreensão interna se apoia na afirmativa de Sahlins (2006, : [...] p e isa os de u a out a ultu a, pa a o he e out a ultu a . Nessa edida, o estranhamento é um procedimento metodológico (GOMES, 2009), essencial para se acessar o ponto de vista do outro. Realizar um duplo movimento capaz de transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico.

A adoção da etnografia como lógica investigativa e da observação etnográfica como recurso metodológico permitiu a descrição55 da cultura institucional do museu, em uma aproximação com os sujeitos dessa instituição. Ao observarmos as suas práticas, aproximamo-nos de suas representações e formas de apropriações e significação do museu.

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A busca de uma descrição mais aprofundada da cultura institucional do museu inspirou-se na descrição densa - expressão utilizada por Geertz (1978) emprestada de Gilbert Ryle -, para descrever um tipo de descrição dos fenômenos culturais que ultrapassa a descrição superficia, e que seja capaz de perceber os significados das ações dos sujeitos no contexto em que foram gestados.

Entendemos que o vigor da etnografia consiste e persiste justamente pela perspectiva de ousar captar os fenômenos socioculturais em movimento, como resultado das ações dos sujeitos tecidas em suas práticas cotidianas e informadas pela cultura em permanente processo de (re-) significação pelos sujeitos em ação. Como afirma Geertz (1997, p. 11), para u et g afo, as fo as do sa e s o se p e e i e ita el e te lo ais, i sepa eis de seus i st u e tos e de seus i lu os .

A exigência de uma análise intensa das questões propostas para essa investigação levou-nos a lançar mão do estudo de caso, visando obter um maior número de evidências daqueles elementos constitutivos do que se considera como significativo em um sistema cultural. Para tanto, realizamos um levantamento minucioso de dados em diferentes fontes de informações no conjunto documental e no ambiente natural de realização das dinâmicas de interação num contato direto com a situação pesquisada.

A descrição densa de todo conteúdo documental e registros de campo, associada a uma interpretação indiciária56, permitiu encontrar pistas reveladoras de traços e marcas daquilo que passou a ser reconhecido como ação educativa destinadas ao público escolar, gestada no contexto museal e nos modos de apropriação dos museus feitos pelos escolares. Nessa perspectiva, essa fase do estudo (fase 2) pretendeu compreender aspectos da cultura museal e escolar orientados pelas atividades práticas dos sujeitos participantes da visita.

O acesso às informações acerca dos usos e apropriações que os professores fazem dos museus e as formas de apropriação desse espaço cultural e educativo pelos professores, seus objetivos, as possibilidades e limites de suas ações foram complementadas com a realização de entrevistas semiestruturadas realizadas com os professores e técnicos em educação que visitaram o Museu, em busca de indícios daquilo que se constituiu como relevante na relação da escola com o Museu (fase 3).

Portanto, na terceira fase foram realizadas entrevistas com os professores e técnicos educacionais, com o objetivo de investigar as motivações e os usos dos museus em suas ações educativas. Com roteiro semiestruturado, as entrevistas forneceram informações

56 O historiador Carlo Ginsburg discute a emergência, no final do século XIX, de um paradigma de natureza

indiciária no âmbito das ciências humanas, que busca reconstruir a rede dos acontecimentos e eventos por meio da análise dos indícios, sinais, signos e pistas. Esse modelo epistemológico tem como aspecto central a valorização do singular, sem, contudo, abandonar a ideia da totalidade uma vez que busca a interconexão entre os fenômenos e não o indício no seu significado isolado (GOES, 2000). Segundo Ginsburg (1989), a abordagem indiciária permite saltar de fatos aparentemente insignificantes, que podem ser observados, para uma realidade mais complexa, a qual, pelo menos diretamente, não é dada a observação. Essa abordagem serviu de inspiração nas análises aqui desenvolvidas.

complementares acerca do universo escolar na sua relação com o Museu e foram ouvidos professores que visitaram o Museu como parte de suas estratégias de ensino.

O uso de diferentes procedimentos metodológicos deveu-se à necessidade de um aprofundamento e elucidação das questões observadas em cada um dos contextos da pesquisa. A triangulação dos dados oriundos do conteúdo documental, dos registros de campo e entrevistas permitiu encontrar pistas, traços e marcas do que passou a ser reconhecido como ação educativa destinadas ao público escolar gestada no contexto museal e dos modos de apropriação dos museus pelos escolares. No item 5.2 desta seção, apresentamos um Mapa dos Dados da pesquisa à página 79.

Considerando a natureza do estudo proposto, fizemos uma opção pela abordagem qualitativa57, aqui entendida de maneira geral como o tipo de pesquisa que valoriza a interpretação e a compreensão de significados, ao invés dos experimentalismos que perseguem leis e regularidades. Em maior ou em menor grau, nos apropriamos de técnicas e procedimentos da Teoria Fundamentada58 (Strauss e Corbin, 2008) por conter princípios que se aproximam da natureza do problema a ser investigado.

A necessidade de sair a campo para descobrir o que estava realmente acontecendo;

A relevância da teoria, baseada em dados, para o desenvolvimento de uma disciplina e como base para a ação social;

A complexidade e a variabilidade dos fenômenos e das ações humanas; Crença de que as pessoas são atores que assumem um papel ativo para responder a situações problemáticas;

A percepção de que as pessoas agem com base em significados;

A compreensão de que o significado é definido e redefinido através da interação;

Sensibilidade para a natureza evolutiva e reveladora dos fatos (processo); Consciência da inter-relação entre condição (estrutura), ação (processo) e consequências (STRAUSS e CORBIN, 2008, p. 22).

No processo de tratamento das informações colhidas procuramos, em um primeiro momento, realizar uma descrição capaz de conferir inteligibilidade aos dados, seguido de um

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Optamos pela denominação abordagem qualitativa em lugar de pesquisa qualitativa, para evitar a dicotomia entre qualitativo e quantitativo que marcou o debate no século XIX. Ver André (1995).

58 Por Teoria Fundamentada entende-se [...] u tipo de p oduç o de teo ia ue de i ada de dados,

sistematicamente reunidos e analisados por meio de processo de pesquisa. Neste método, coleta de dados, análise e eventual teoria mantêm uma relação próxima entre si. Um pesquisador não começa um projeto com uma teoria preconcebida em mente [...]. Ao contrário, o pesquisador começa com uma área de estudo e pe ite ue a teo ia su ja a pa ti dos dados STARUSS & CORBIN, : .

ordenamento conceitual e, finalmente, buscamos tecer algumas reflexões teóricas acerca dos problemas levantados (STRAUSS e CORBIN, 2008).

Para melhor compreensão das técnicas e procedimentos utilizados em cada uma das etapas da pesquisa, fizemos um detalhamento a respeito da natureza das fontes utilizadas e do tratamento a elas conferido, no início de cada capítulo.

5.2 Mapa dos dados

Quadro 3 – Mapa dos dados Etapas da

Pesquisa Local

Volume dos

Dados Descrição Situação

Pesquisa documental Arquivos do Setor Educativo e Arquivo Administrativo do MHAB Documentos: Relatórios de gestão (6), Caderno pedagógico (1); Relatórios de consultoria (3); Documentos de diretrizes gerais do Museu (4 ); Projetos de ação educativa específicos (8) Texto Programa de Educação Patrimonial (1) Folders/Materi al de publicação do Setor (4) Texto de apoio ao Curso Encontro com o Museu (1). Relatórios Pesquisa Doxa (5) Relatório técnico Projeto Doxa (1) Fonte Primária: Relatórios

Memória Técnica e Relatórios de Gestão (de 1993 a 2008);

Caderno Pedagógico; Relatórios de consultoria;

Proposta de Trabalho e Plano de Trabalho para o Museu Abílio Barreto (1993);

Documento final: Fórum de Discussão e Elaboração de Proposta para o Museu Abílio Barreto (1993);

Plano Diretor do MHAB;

Documento: Ação Cultural e Políticas Sociais (1994);

Planejamentos Anuais do Setor Educativo;

Relatório Técnico de Consultoria Projetos

Museu-Escola (1995); Museu vai à escola (1995); Ação Educativa do MHAB Educativa (1995 a 1997);

Museu/Magistério; Educação Patrimonial, Onde mora minha História? Projeto Encontro com o Museu e Material do Curso Encontro com o Museu

Programa de Educação Patrimonial;

Publicações de Projetos

Folders e publicações do Setor (Caderno de visitação do Casarão, Almanaque, Álbum e Roteiro de Leitura do Bonde)

Fonte secundária:

Material Bibliográfico publicado sobre o Museu (citados ao final da tese) 1ª fase: Realizada leitura e análise inicial dos Relatórios de consultoria, do Documento do Fórum de discussão e elaboração de propostas para o Museu e do conjunto de Relatórios de Gestão e Relatórios Técnicos; Análise de documentação relacionada no final da tese.

Etnografia /Notas de campo Museu Histórico Abílio Barreto (Espaços administrativos , Sala multiuso e Espaços expositivos) 1 e 1/2 cadernetas (1/4 -148 x 210 mm espiraladas de 96 folhas cada) Foram observados: Visitas escolares;

Reuniões do Grupo de Estudos Reuniões administrativas Aspectos do funcionamento cotidiano do museu Descrição e análise das notas de campo Entrevistas Locais previamente definidos pelos professores (biblioteca, sala de aula; sala da coordenação, sala dos professores) Número de professores entrevistados: 15 Número de horas: aproximadame nte 6:26 h Nº de páginas transcritas: 113

Dados pessoais (nome sexo) e profissionais do professor (atuação e formação).

Constou de um roteiro organizado em 6 temas com questões derivadas de cada tema. Transcrição de todas as entrevistas Categorização por tema Análise do conjunto de entrevistas Filmagens (Document ação complemen tar) Espaços expositivos do Museu Histórico Abílio Barreto Seis horas de gravação / 127 páginas transcritas

Foram filmadas sete visitas escolares, sendo quatro municipais, uma estadual e duas particulares Transcrição de todas as visitas filmadas Análise exploratória de uma filmagem com duração de 1h (Material não utilizado neste estudo)

Fonte: Quadro elaborado pela autora da tese

5.3 Universos da pesquisa

5.3.1 O Museu Histórico Abílio Barreto

A escolha do Museu Histórico Abílio Barreto deveu-se a sua importante inserção como instituição museal na cidade de Belo Horizonte, além da relevância de sua ação cultural e educativa no cenário museológico nacional. Levamos em conta três aspectos relevantes na opção por este museu: sua inserção no cenário cultural da cidade de Belo Horizonte; o trabalho da ação educativa que vem sendo desenvolvido por essa instituição

especialmente na sua relação com o público escolar; e finalmente a acentuada frequência do público escolar tanto da cidade de Belo Horizonte, quanto da Região Metropolitana.

Ao discutir o problema da tipologia dos museus, Meneses (1992, p. 04) chama a ate ç o pa a a e ist ia de u a o fus o de i ada da [...] te tati a de lassifi a o jetos conforme categorias apriorísticas estanques e unívocas de sig ifi aç o do u e tal [...] . Para ele, essa classificação em objetos artísticos, objetos históricos, objetos tecnológicos, folclóricos etc., resulta na criação de tipologias correntes que classificam as instituições museais em museus de arte, de arqueologia, museus histórico, dentre outras, fragmentando o conhecimento.

No caso dos museus históricos, o que tem orientado a identificação do objeto como o jeto hist i o a sua [...] i ulaç o iog fi a ou te ti a, a u feito ou figu a excepcionais do passado, normalmente heróis vencedores ou, quando vencidos, o side ados o al e te supe io es MENESES, , p. . Ao efleti so e o ue deveria se constituir como um museu histórico, esse autor pontua que não seria a natureza dos objetos da instituição, mas sim a natureza dos problemas históricos por elas formulados. Assi , [...] se ia hist i os os o jetos de ual ue atu eza ou atego ia apazes de pe iti a fo ulaç o e o e a i ha e to de p o le as hist i os MENESES, , p. .

Desse modo, o museu selecionado, embora esteja categorizado como histórico, conta, em seus acervos, com conjuntos de objetos que permitem a compreensão de diferentes fenômenos sociais numa perspectiva histórica. Assim, ao nos voltarmos para o uso escolar desse Museu, foi possível analisar a prática, não só de professores de História, mas também de outros profissionais vindos de diferentes campos do conhecimento que buscam no conjunto de seus bens culturais elementos para a compreensão de diferentes aspectos da realidade social.

Reconhecemos que um fator de legitimação dessas instituições é a sua capacidade de atração de diferentes públicos que figura como o grande balizador das ações de instituições públicas culturais, como é o caso dos museus. A capacidade de atrair o público é um dos sintomas de vitalidade dessas instituições. Para tanto, a frequência do público escolar às instituições museais foi outro fator relevante na nossa escolha.

Embora se reconheçam os anos 80 como marco nas renovações no campo museológico e nas transformações no campo da educação escolar, analisamos o período que se estende do início dos anos 90 do século XX até a atualidade, momento de maior

consolidação das práticas museais. No caso do Museu Abílio Barreto, nossa análise coincide com o período de revitalização desse museu que remonta ao ano de 1993. Cabe lembrar que a dinâmica histórica é fluida, o que nos alerta para o risco de cortes definidos por marcações cronológicas. Por isso, foi necessário, por vezes, recuar no tempo a fim de entender as práticas educativas no interior dessa instituição. A pesquisa documental por nós empreendida elucidará aspectos da história desta instituição e será abordada no Capitulo I desta tese.

5.3.2 O universo dos entrevistados: professores e técnicos em educação

O acesso ao universo dos professores e técnicos em educação se deu através da Agenda de visitação do público escolar ao museu ou pelo telefone fornecido no contato feito durante a pesquisa de campo. Foram ouvidos aqueles profissionais que visitaram o museu como parte de suas estratégias de ensino e que se disponibilizaram a conceder-nos uma entrevista por adesão voluntária. O local da entrevista foi definido pelo professor/técnico, que na sua totalidade optou pela sua concessão no espaço escolar. Assim, as entrevistas foram realizadas na escola nos espaços escolhido pelo profissional, ou seja: sala da coordenação, sala dos professores e sala de aula.

Foram entrevistados quinze profissionais de educação sendo treze professores e dois técnicos em Educação que atuam na Educação Básica e Ensino Médio, em escolas publicas de Belo Horizonte, cujos dados serão especificados no Capitulo III desta tese.

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